quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Notas à Margem


(de rascunho para uma carta)
Talvez um dia as armas voltem a ser beijos
talvez que as ilhas digam sim ao mar
e sem se transformar logo em peixes
digam o porque sim de dizer não…
e a maior vaga de azul da tempestade
nos leve em caravelas para a lua
finalmente subindo e não de rastos

in “Notas à Margem” de João Paulo Esteves da Silva

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Notas de um Diário

1.Um músico que queixa por outro elemento da banda não arranjar tempo para ensaiar pelo motivo de encontrar envolvido nas danças de Carnaval.
2.Um arquitecto desempregado que diz que o inverno açoriano é muito difícil de viver e que o verão terceirense é deveras espectacular.
3.A rapariga que nunca teve necessidade de estudar para fora porque não gostava da escola e que mesmo assim foi viajando em férias.
4.O jurista que diz à mesa do café que se gasta mais em prisões do que na educação das pessoas e que a preocupação destas sociedades é satisfazer o consumo dos seus cidadãos.
5.Do leitor de clássicos que se espanta quando o grego antigo anuncia em livro de comédia ser proveniente de Atenas, o país das belas trirremes.
6.O estudante que se desloca diariamente ao aeroporto para tirar fotografias a aviões de transporte, de combustível e de carga, e outros de cariz militar.
7.O historiador que escreve sobre a tertúlia do café que era frequentado por intelectuais , artistas plásticos, músicos, jornalistas e figuras típicas.
8-Um futuro fotógrafo paisagista que ao fotografar a rocha basáltica com a inscrição “Belo Abismo” reconhece não ter coragem para mergulhar nas águas com a temperatura do Inverno.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Mar Insular



Traduzo o sal pela palavra cerco
dinamito a canção ao vento
adormeço em cenário marinho
a vespertina emoção cresce
deduzo que é êxito e comédia
na chegada o surpreendente prémio
regra de sábio não ceder
requinte aprendizagem ensaiada
na rua do amor sem cliché
absoluto repouso em pranto oferecido 

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Nefelococígia


Entra nuvens e aves terrestres
o horizonte marítimo ilimitado
clássico ensejo desabrido
vogam corações leitores
a noite não finda é um recomeço
aguardam-se navios iluminados
náufragos de interminável apego
versos afogados em líquidos destinos
descanso etéreo do nocturno aviso
fim de farândola em leito descoberto

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Caligrafia

Numa manhã de Fevereiro
Apaixonei-me pela tua caligrafia
Daí em diante fiquei a saber
Este é o mês em que se sofre menos


                     

Vaga

Fotografia de Eduardo Brito


Por vontade das correntes
Acato as tuas inquietações
Não aceitando que me troques
Pelo redemoínho das areias

Este é um desejo em escalada
Rasgando a onda escalando a vaga
À força de tudo querer
O espelho de um corpo em toda a água

Dentro da In Folio


Uma livraria que não é um negócio, um lugar que mais parece uma loja de guloseimas e uma paixão pelos livros inabalável. Aqui há silêncio, aqui há paz de espírito para absorver o ritmo da leitura. Há livros que ganham novas propriedades com pessoas que gostam de trabalhar o seu interior, a sua apresentação, a forma como se apresentam aos leitores. Talvez seja esse o futuro, livros como objectos imaculados, talvez. É maravilhoso saber que existe um lugar assim a meio do oceano atlântico.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Sossega, Puto, sossega!

"O Miúdo e a Bicicleta", filme Jean Pierre e Luc Dardenne

Há dias ficamos a saber que Cyril (Thomas Doret), o actor do filme “O Miúdo e a Bicicleta”, andou com o seu frenesim e agitação cicloturística pelo canal 2 da RTP (em qual é que poderia ser?). Andou? Aos doze anos não se anda, corre-se, neste caso pedala-se e muito, vai-se até ao fim do mundo, inquietamo-nos com os pés, desinstala-se o medo, atiram-se pedras à boca e com o coração nas mãos e com a língua de fora, ninguém mais nos segura até sabermos as razões, ou mesmo sem elas, somente para que nos digam o porquê de nos terem abandonado. Porquê? Digam, por favor. Podiam ao menos dar uma razão, uma explicação que seja, façam alguma coisa para travar esta aflição. Estranhos, estes adultos. O que é que será que é preciso? E, logo numa casa de acolhimento, porquê? E por isso vamos com ele até ao fim, atentos ao que acontece, à espera que alguém desate o nó. E…lá está a câmara frenética dos irmãos Dardenne sempre atrás dele e da sua camisa vermelha (porque terá sido o vermelho a cor escolhida?). E lá vai ele, sempre ele, a pedalar, como um pequeno cavalo ofegante na esperança de desatar aquele nó, ao alcance do pai. E o certo é que não o desata. É que a explicação não vem, a resposta não chega, mas há, entretanto, a almofada que Samantha (Cécile De France) lhe estende à espera que corra tudo bem… apenas por enquanto, o valor do sorriso e o colo de quem se coloca na pele do outro, e bem que podia ser qualquer um de nós a tentar compreender, a exortar uma clarificação, a aspirar por uma justificação. Sorte, portanto, haver esta Samantha, cabeleireira de profissão, com um sorriso doce e maternal, disposta a passar com ele os fins-de-semana, primeiro, e depois a travar o desassossego de Cyril quando a corda rebenta e a estação de serviço quase explode…de raiva. É ela quem consegue apaziguar tanta dor e revolta. Cyril vai ter que aprender a viver com aquela nódoa no coração. É assim quando somos abandonados, à força das circunstâncias ou intencionalmente. Não é fácil, mas vale a pena tentar. E por isso é que nós agradecemos aquele passeio de bicicleta – belíssimo momento de cinema! - com direito a lanche do “casal” bem já perto do final, pois, como nos diz a Hanna Arendt, “nada nos introduz mais no universo vivo do que o amor”.