quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Um Verso de Rui Rofino

Finjo ser remanescente desta farta calhordice

Da Literatura

         "Desde os gregos que a literatura nasce como forma de acesso às verdades mais misteriosas e irracionais do ser humano. A catarse está presente em Shakespeare, Kafka ou Pessoa, só para citar alguns nomes muito conhecidos. Nomear uma dor é uma tarefa de uma literatura. Ao mesmo tempo, a catarse é também uma exaltação da vida. Quando somos capazes de nos explorarmos por dentro, a nossa vida estende-se a regiões inesperadas e insuspeitas. Lemos romances para entender o mistério da vida. Ninguém sabe o que ela é. Cabe aos escritores investigar esse mistério." 
Manuel Vilas, in Jornal de Letras, Fevereiro. 

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Do Sentido de Humor (2)

          "Por isso me faz tanta confusão a ideia de que o riso é uma agressão ou um modo de inferiorizar  alguém. Essa teoria existiu durante milénios. De Platão a Thomas Hobbes, o riso foi sempre identificado como escárnio e eticamente  suspeito por ser considerado uma agressão. Hobbes dizia que nos rimos por causa de um sentimento de uma glória súbita, de nos percebermos superiores ao outro. Depois disso houve várias críticas sensatas sobre a ideia de quase nunca nos rimos da superioridade, mas sim da incongruência. Freud referiu o facto do sentido de humor ser uma espécie de superioridade, sim, mas de uma superioridade paternal. A superioridade do superego em relação ao ego.Uma coisa que acontece cá dentro, em que nós mesmos arranjamos uma estância de nos consolar."Tem calma, isto parece assustador e demasiado grande, mas se dermos um ou dois passos atrás conseguimos ver que não é assim tanto." Há uma dose saudável em conseguir criar essa distância em relação a nós mesmo, mas se não temos cuidado torna-se uma patologia mental.
                                                                                                                   Ricardo Araújo Pereira, in Revista do Expresso, 23 de Fevereiro de 2019.

Inútil como a mais inútil das mulheres

Impunha-se por imperativo de sanidade,
fazer anteceder cada palavra pela pergunta
para que serve?
Para que serve a poesia, para que serve a prosa.
Para que servem as imagens, para que serve o som.
Impunha-se, por reserva mental,
fazer anteceder cada pergunta pela pergunta
para que serve perguntar?
Registá-la, depois, pergunta ou resposta,
tentando não ceder à moralidade.
Sem para nem porquê,
a escrita talvez fosse uma forma aceitável de não existir.
Não pediria outra. 

Madalena Castro Campos, in "A Gun in the Garland", Companhia das Ilhas, 2019.

Neste Mar Imóvel

Textos de Blanca Martín-Calero e Fotografia de Eduardo Brito
(Araucária Edições, 2019 (/https://araucaria.pt/ )

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Do Sentido de Humor

      "Uma das razões de ser considerada uma coisa pouco civilizada é por ser um fenómeno do corpo. Provoca uma vibração, desfigura a cara. Há uma espécie de abandono momentâneo em que não somos donos do nosso corpo. O riso também está associado à loucura e ao mal. A gargalhada do vilão é conhecida e o herói não se ri. Por outro lado, é isso a parte curiosa da conversa, é que se pode argumentar exatamente o contrário. O riso é sedutor. Um dos piores insultos que se podem fazer é dizer a alguém que não tem sentido de humor. As pessoas levam muito a mal." 
Ricardo Araújo Pereira, in Revista do Expresso, 23 de Fevereiro de 2019.

Diagnóstico

A poesia,
sabia-se,
é uma patologia própria da idade.
Manifesta-se aos quinze, dezasseis,
e os vinte atinge um pico de virulência.
Depois, nuns desaparece sem deixar marcas,
noutros transforma-se numa doença crónica.
Suporta-se, por vezes com dor, mas não
compromete as actividades quotidianas.
Nos casos mais agudos, raros
e pouco esclarecidos,
pode incapacitar de forma irreversível.
Há perigo de contágio, mas não são claros os indícios
quanto 
aos riscos de transmissão por hereditariedade,.
Por precaução
aconselha-se manter os filhos afastados
das fontes de contaminação.

Madalena Castro Campos, in "A Gun in the Garland", Companhia das Ilhas, 2019.

Apresentação de Neste Mar Imóvel

Araucária Edições (https://araucaria.pt/)
Fotografia de Carlos Olyveira

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Neste Mar Imóvel

dia 22 de Fevereiro, às 19 horas, na Silva Pipi.
Textos de Blanca Martín-Calero e  Fotografia de Eduardo Brito
(
Capa e Grafismo de Júlia Garcia)

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Já Ninguém nos Toca à Porta

já ninguém nos toca à porta
a vender cerejas.

devíamos talvez lembrar
à terra o nosso nome

plantar sílabas frescas
que nos matem a sede

ter um pingo de esperança
na morte depois da vida.

Renata Correia Botelho in Um Circo no Nevoeiro, Averno, Lisboa, 2009.

Um Verso de Nick Cave

I hold this letter in my hand

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

O Nome

aos vinte anos e gozando de excelente memória
comecei duas listas, e até hoje mantenho
numa delas estão os nomes
de todas as pessoas que amei na vida
e que me amaram de volta.
na outra, os nomes das pessoas próximas de mim
que morreram.
até aos trinta, a primeira lista abria grande e crescente vantagem
sobre a segunda.
até aos quarenta a vantagem permanecia grande
mas deixou de aumentar.
aos cinquenta a lista dos meus mortos pela primeira vez
alcançou a dos amores, e
aos sessenta finalmente tomou a dianteira.
hoje, pela primeira vez,
um nome se repetiu nas duas.

Luca Argel, in Flanzine, nº18, Dezembro de 2018

ΠΑΤΡΑ

Porto de Patras, um súbito desejo de escrita.
Uma vontade de registo:
             - Os lençóis deixados no leito
             com as frases de uma noite; o sol
             olhado do extremo do Verão que
              cega um declínio.
À partida, na largura azul do Mediterrâneo,
o alongamento até ao limite que se desprende
do seu fundo, não abandona os fragmentos.

Como cristais soltos de uma relíquia,
a respiração segue descompassada do
ritmo do mar. Forma o ritual de um sonho
no espaço de um destino:
- O golpe seco de um amor.

Rui Miguel Ribeiro, Europa e Mais Três Poemas, Letra Livre, Novembro de 2017.

Do Colonialismo

VisãoPersistem muitos mitos sobre o império colonial português? Qual deles é prioritário desfazer?
Miguel Cardina: O principal mito que prevalece é o de que o colonialismo português foi diferente dos outros. Naturalmente, não foi igual ao britânico, ao espanhol ou ao holandês, mas isso não significa que tenha sido qualitativamente mais benigno. O colonialismo português foi tão violento quanto os outros.Essa ideia de um colonialismo de outra natureza, miscigenado com as populações locais, resulta da importação da teoria lusotropicalista elaborada por Gilberto Freyre, adotada como uma espécie de ideologia do Estado Novo, num contexto em que o regime era acossado internacionalmente por tardar em iniciar o seu processo de descolonização. Esta ideia criou uma realidade e, apesar do 25 de Abril, este lastro manteve-se por várias razões.
Entrevista publicada na revista Visão de 3 de Fevereiro de 2019.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Das Ausências...

         
Filme "Domenica d´Agosto", de Luciano Emmer
(imagem do sítio "Cinefilia Ritrovata")
 "O que me passa pela cabeça são as ausências. Isto é, o espaço vazio que deixam e que são ocupadas pelas imagens, as palavras e as músicas. Proponho não encarar as ausências que nos acompanham como um espaço vazio mas como um espaço aberto para serem habitadas pelos nossos desejos.
            Falando de desejo: a minha lua-de-mel levou-me a Bologna e ocupei a ausência da selecção italiana do campeonato do mundo com enormes doses de amor, ragù e filmes no Cinema Ritrovato. Uma descoberta: Luciano Emmer e os retratos de ficção, da Itália e Europa dos anos 50, a rebentar de vida - tão comovente, despretensiosa e verdadeira que parece ter deixado uma ausência no cinema de hoje. Em Domenica d´Agosto (1950), as classes sociais fogem do calor de Roma para se atirarem ao mar de Ostia. Dois jovens furam a barreira que separa a areia dos pobres da areia dos ricos e apaixonam-se à beira-mar, fingindo, como jovens actores, que têm hábitos e fortunas, crendo que o outro é aristocrata. Na cidade, um casal de namorados fica para trás e descobre que o seu amor é abalado pela realidade: a gravidez dela provoca o despedimento daa casa onde trabalha, como empregada, e a incerteza provocada pela ausência de dinheiro, no polícia sinaleiro, fá-lo perder a capacidade de orientar a vida à sua volta. É verão e tudo nos diz, nestes rostos, que a vida continuará quando o calor se fizer sentir pela sua ausência."

Francisco Valente, programador e realizador, Ípsilon, 25 de Janeiro de 2019

domingo, 3 de fevereiro de 2019

Um Poema de Leonardo

não digo ilha
nem sufoco sinónimo
não digo o teu nome
o mel golpeia a lingua
fecha-te os lábios 
estou cercado

in Caderno dos Mitos Pessoais, Edições Artes e Letras, 1ºEdição, Dezembro de 2018.
Diogo Sousa

Fardo dos WE SEA

É meu chão de criança que não mais te posso dar
É tão complicado fardo que não mais me entristece
Foi-se embora a embriaguez que um dia nos fez sonhar
Foi-se embora e menos somos, menos do que outrora fomos

Pergunto ao ar o que é feito de ti
Esmoreço ai, se não estás aqui
Pergunto ao ar o que é feito de ti
Esmoreço ai, se não estás aqui

Quero p´ra mim mesmo menos desse teu céu cinzento
Amor amargurado, diz que é fardo modorrento
Tanto se fez p'ra se viver que só se viveu p'ra se fazer
Triste e só de modéstia feito homem, tristeza é meu prazer

Pergunto ao ar o que é feito de ti
Esmoreço ai, se não estás aqui
Pergunto ao ar o que é feito de ti
Esmoreço ai, por não estares aqui

Letra: Rui Rofino

sábado, 2 de fevereiro de 2019

Um Verso de Rui Rofino

Esmoreço ai, se não estás aqui

Do Sonho

“Aqui estou eu, um fardo de recordações passadas e sonhos futuros, atados num fardo de carne razoavelmente atraente. Lembro-me daquilo por que esta carne já passou; sonho com aquilo por que poderá vir a passar.”
Sylvia Plath, As Cartas de Sylvia Plath