domingo, 22 de junho de 2025

O Que Faz Falta...

      "O que faz falta é reconhecer que o outro pode ter a sua verdade, embora discordemos dela. Sem calçar os sapatos do outro não há diálogo ou negociação possível, nem nas sociedades nem no casamentos. A polarização não responde a argumentos lógicos, racionais; é um problema de emoções. Porque as discussões estão condicionadas pelo filtro do medo, do ódio, do preconceito, assentam na ideia de que o outro é um inimigo, com quem não podemos chegar a nenhum tipo de acordo. A polarização é também ela uma guerra, com a sua violência específica. Clausewitz definia a guerra como imposição da nossa vontade ao inimigo."

Antonio Monegal, in "As Guerras Começam na Linguagem", A Revista do Expressso, 30 de Maio de 2025.  

sábado, 21 de junho de 2025

Timoneiro: Um Postal Antibelicista!

         
Cartaz daqui: http://www.cinemadg.com
    Actualmente há
 bombas a cair e aviões nos ares do Médio Oriente, um desassossego que não cessa, no entanto há sempre quem pense que a vida bem poderia ser outra coisa. Outra coisa certamente muito melhor do que guerras, fome, desespero e caos. Já passaram, no entanto, dez anos da estreia de Timoneiro, um filme de Majid Esmaeli-Parsa, rodado no Irão em  2015. Filme visto na sala de cinema do Teatro Ribeiragrandense, esta adaptação cinematográfica de um original do escritor norte americano Philip Roth,  narra a história de uma criança de onze anos que, após o desaparecimento do pai, depara-se com a possibilidade de recuperar o navio famíliar para o aniversario paterno, onde à sua frente se encontra o Lago de Urmia enxuto. Não tarda nada e outras crianças seguirão os passos de Hassan e com a sua amizade erguerão aquele projecto em marcha.
       O realizador Majid Esmaeli-Parsa filma, portanto, o seu pequeno herói Hassan naquela paisagem árida, onde a ausência da água, a seiva da vida, condena o futuro de quem ali vive ao fracasso. A esperança reside, pois, nas crianças, na aprendizagem escolar do quotidiano, são elas que nos dão a uma nova visão poética do mundo. A poesia surge aqui sob a forma de acções quotidianas comuns - a pintura do navio, a dança em conjunto, o conto das histórias, a beleza de uma paisagem em ruínas. Timoneiro é um retrato duro, cruel, expressa na ansiedade de quem espera por algo que quer muito e de que vive dos seus pequenos detalhes, da música que aparece e desparece, daquele teatro de sombras e dos gestos e  feições que nos vão eternecendo. Mesmo com algumas fragilidades narrativas, Timoneiro é um belíssimo postal poético e propositivo de um novo mundo antibelicista.

É oficial: Começou o Verão!

Garajau Rosado, Andorinha-do-mar-rósea 
Nome Científico: Sterna Dougali 
Fotografia:
Ricardo Guerreiro
in Avifauna no litoral dos Açores
(Amigo dos Açores) 
 

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Avenida Marginal: Contos à Beira-Mar!

      
     Saiu em Abril do ano passado e tem na capa a ilustração Rapaz do Calhau, de João Amado, numa edição que conta com a coordenação de Maria Helena Frias e, da sua casa editora, a Artes e Letras. A publicação Avenida Marginal vai, assim, no seu número cinco  e esta edição contou com um conjunto de narrativas em torno das ilhas e dos ilhéus. Esta súmula de contos/ficções apresenta diferentes autores, quase todos eles relacionados com este território insular: Alexandre Borges, Carlos Bessa, Carolina Bettencourt, Catarina Ferreira de Almeida, Herberto Gomes, Judite Canha Fernandes, Leonardo Sousa, Luiz António Assis Brasil, Maria Brandão, Maria das Mercês Pacheco, Marta Ávila e Teresa Canto Noronha.
      A leitura de Avenida Marginal abre com o conto Demónios à Tua Beira-Mar, de Alexandre Borges, onde é retratado um ambiente sui generis de conferências, bebidas brancas e psicólogas, com diabretes à mistura. Segue-se Aurea Mediocritas, do poeta Carlos Bessa, numa descrição de uma relação longínqua e prolongada no tempo, marcada pelo desgaste e pela rutura. A presença do futebol na ilha, a força deste desporto e das suas paixões, pressente-se em Capitão de Equipa, de Carolina Bettencourt. A autora Catarina Ferreira de Almeida compõe um retrato de uma mulher virada para o mar, com uma história intitulada Memória de uma Onda. O conto Enganos e Desenganos de Desidério Domingos traz-nos a primeira ficção de Herberto Gomes, jornalista de profissão, que nos conta a história de um soldado que falha na sua missão, no entanto cumpre o seu  traumático regresso a casa carregado de aventuras. Em Carta de um Vulcão para o Mundo, Judite Canha Fernandes, expõe na ficção a presença e influência do Vulcão dos Capelinhos na vida insular aquando da sua erupção, a partir de alguém que hoje lhe envia uma carta. Whatever People Say I Am, de Leonardo, é uma narrativa ficcionada e autobiográfica de uma improvável personagem, de seu nome  Biografia. Curiosa é também a conversa que o brasileiro Luiz António de Assis Brasil, mantém com a ilha, com este espaço e, mais concretamente, com escritor José Martins Garcia, neste caso em modo Grapefruit. Embuste é a proposta de Maria Brandão, autora micaelense que ironiza por aqui a sua relação com a editora da casa, evitando as "divagações íntimas", mas onde ambas têm muitas cumplicidades passadas. Daqui do Alto, de Maria das Mercês Pacheco, é um conto vivenciado no passado em que este "é um vulcão adormecido sob lençóis de cinza e musgo; o futuro, a promessa de incandescência". Um cheirinho da natureza extrema que, por vezes aqui se vive, é contada em Há Anos que Não Ne Lembrava de um Dia Assim, por  Marta Ávila. Esta rica e variada plêiade de autores e narrativas termina com o texto A Touca Branca, de Teresa Canto Noronha, num mergulho singular à sua infância insular com sabor a “salada de atum, com maionese, rosbife, e gelados da carrinha que apita ao pé do bar”. 
      É, sem qualquer dúvida, uma boa leitura de estio e, com páginas suficientes, sobretudo para que estas se possam encher de areia negra e fina, para lá da Avenida Marginal!

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Erik Satie: Arcueil por Joana Gama

     Arcueil era o o bairro parisiense onde vivia Erik Satie, o músico peripatético do século XX. A música dele assemelha-se a um passeio contemplativo e filosófico constante, aproximando-se do ritmo humano nas caminhadas e paragens, sendo esta uma actividade preferida do músico para se inspirar enquanto transportava o seu guarda-chuva, fizesse sol ou chuva, talvez um da centena de exemplares que deixou como herança na sua modesta casa. 
  Joana Gama, pianista portuguesa, dedicou-lhe, aliás, continua a render-lhe concertos vários e diferentes evocações carregadas de afinco e solenidade. Nste disco, editado pela Mia Soave, a pianista coloca Satie a dialogar com outros autores da sua estima: John Cage, Morton Feldman, Vítor Rua, Marco Franco ou Frederico Pompou. A acompanhar as gravações há ainda os desenhos e as gravuras de Ricardo Jacinto, André Laranjinha, Vítor Rua, Nuno Moura, Tiago Cutileiro e Marco Franco. Um disco para ouvir e sentir enquanto as flores rebentam e os árvores se enchem de pássaros ao fim da tarde. Boa audição. 

Música para Encerrar a Primavera

-Andata async, 2017 - Riuchy Sakamoto
-Diver - Dwellers On The Threshold, 2002 -Tarwater
-Verdes Anos remix part 1 e 2 - Bairro da Ponte, 2019 - Stereosauro (Com a participação de Dj Ride)
-Andava Eu - Rapaz da Montanha, 2025 - Rodrigo Leão (Com a participação de Francisco Palma)
-Recomeçar - Recomeçar, 2018 - Tim Bernardes
-In My Mind -Ruhige Music, 2022  - The Wallners
-Spike Island - More, 2025 -The Pulp
-Tao - Drama, 2025 - Rodrigo Amarante
-Ada - Como se Matam Primaveras, 2025 - Trio Filipe Furtado
-O que fomos e o que somos - O que fomos e o que somos, 2024 -  Lena d'Água
-Russian Blue - Goodbye Long Winter Shadow, 2025 - Maia Friedman
-Good Old World (Gypsy)Night on Earth, 1992 – Tom Waits e Kathleen Brennan
-Nocturno das 7 - Amplitude, 2016 - Danças Ocultas e a Orquestra Filarmonia das Beiras  

terça-feira, 17 de junho de 2025

Maravilha: O Festival da Ilha do Faial!

         

     Começou hoje o Festival Maravilha(https://festivalmaravilha.pt/), na Horta, Ilha do Faial. A organização pertence à Associação Cultural Fazendo que há seis anos celebra a condição atlântica de tão importante centralidade naútica. Durante quatro dias a cidade insular enche-se de festa, música, diversão, cinema, arte urbana e criatividade. Lembro-me, por isso, da sua edição debutante em que narrei para o Fazendo a minha relação com os barcos e veleiros que atracavam naquela incansável marina das ilhas do Triângulo.
        
    Infelizmente, o Boletim Cultural Fazendo já não sai faz tempo...teve 108 edições! Eram cerca de quinhentos exemplares distribuídos gratuitamente, sendo que esta versão impressa abarcava, para além do Faial, o Pico, a Terceira e São Miguel. Aqui este escriba associou-se ao projecto em 2009 - os seus conteúdos giravam em torno da arte, da atividade cultural e da ciência - ao participar em mais de meia centena de números com a escrita de crónicas, entrevistas, reportagens e artigos variados. O Fazendo, como carinhosamente lhe chamávamos, foi uma tocha no meio do oceano, essa emanação de uma possível coesão arquipelágica quase sempre carregada de utopia e ilusão. Uma maravilha, portanto!

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Orgias de Praga: A Privação de Liberdade!

Daqui: https://www.filmcenter.cz
         O título envia-nos para um ambiente estranho, ali para os finais de 70 do século passado, numa das capitais mais bonitas da Europa Central e que se encontrava a viver um regime opressor e totalitário. Alguns anos antes, Alexander Dubcek, antigo Chefe de Estado da comunista Checoslováquia, forçou uma abertura do regime e logo seria esmagado pelos tanques soviéticos. Aquele período ficaria marcado pela “Primavera de Praga”, mas seria sol de pouco dura já que o regime se tornou cruel para os dissidentes e o ar tornar-se-ia irrespirável. E a razão do título, melhor, a razão do filme? Um escritor judeu norte-americano viaja para Praga à procura avidamente de um manuscrito inédito que lhe trará histórias de um país asfixiado, privado de liberdade. A trama adensa-se com o final do filme em que a inevitabilidade da expulsão do escritor  Nathan Zuckerman (Jonas Chernick), conclui o processo de sufoco presente em todo o drama. Realizado por Irena Pavlásková, o filme foi decantado do romance do escritor Philip Roth,  com o mesmo nome. Uma película que, sem ser muito entusiasmante, valeu pelo reavivar de memórias de quem por ali passou nos idos anos 90.

domingo, 15 de junho de 2025

Noite na Terra: Há Salsifré no Táxi!

       Decorriam os anos noventa do século passado quando "Night on Earth" estreou e este foi, certamente, o filme mais amado pelo público, no que toca a Jim Jarmusch. Cineasta de nicho, "Night on Earth" trazia para o grande público o realizador de "Stranger Than Paradise" ou "Down By Law", a partir de cinco narrativas no interior de táxis em cinco diferentes cidades, a saber: Los Angeles, Nova Iorque, Paris, Roma e Helsínquia. A música é de Tom Waits e nas interpretrações encontramos: Winona Rider, Gena Rowlands, Giancarlo Esposito, Rosie Perez, Armin Mueller Stahl, Isaac de Bankolé, Béatrice Dal, Roberto Begnini (o incrível táxista romano!) e Matti Pellonpaa. 
       "Noite na Terra" é, antes de mais, uma película que nos remete para a riqueza da diversidade humana, tal é o  encanto na sua revisão três décadas depois. Não é um filme genial mas é um hino à compreensão e tolerância humanas neste tempo de rejeição da diferença e o desprezo pelos mais frágeis e vulneráveis.

terça-feira, 10 de junho de 2025

Descalça vai para a Fonte de Luís Vaz de Camões

Descalça vai para a fonte
Lianor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.
 
Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.
 
Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura.