terça-feira, 16 de setembro de 2025

CAC: Um Sábado na Criação!

Lourdes Castro: Existe Luz na Sombra

       Os sábados são propícios à conversa, à escuta, e é Denise Pollini que vai soltando exemplos de projetos artísticos com participação pública, tais como os “Domingos da Criação”, em plena ditadura militar brasileira no final dos anos 60, por Frederico Morais, à altura crítico e curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Fomos também passando os olhos pelo trabalho de Elvira Leite nos idos anos 70, no largo de Pena Ventosa, no Bairro da Sé, no Porto, com fotografias de crianças e jovens a desenhar e pintar nas ruas ou construir carrinhos de rolamentos ou ainda a performance The Crystal Quilt (1985-1987), da artista Suzanne Lacy, para nos lembrar que os idosos existem e que nem sempre a arte foi tão institucional. Ela trouxe, por isso, o conceito de Comuns, em que fala da partilha de recursos e da criação colaborativa de conhecimento, tão necessária nos dias que correm.
      Uma manhã que logo daria lugar à tarde com a inauguração, nos vários espaços do Arquipélago, Centro de Artes Contemporâneas, da exposição “Lourdes Castro: Existe luz na Sombra”, com a curadoria de Márcia de Sousa. É uma mostra extensa da artista madeirense que nos deixou em Janeiro de 2022, não faltando ali praticamente nada sobre a vida e obra de uma mulher talentosa que marcaria de forma indelével a arte portuguesa do século XX. É uma exposição vibrante – como são belas as capas da revista KWY ou as serigrafias do seu herbário! – ou ainda todas as suas frases e bolbos espalhados pelas celas daquele espaço. Certamente que um dia não chegará para nos abrigar de tanta sombra!


domingo, 14 de setembro de 2025

Yuzín: Setembro está aí!


      O mês já vai a meio mas é sempre bom tê-la por perto. A Yuzín éuma agenda dos eventos culturais que se acontencem em São Miguel e em Santa Maria, destacando também figuras da cultura regional. Como não seria de esperar outra coisa, deu destaque à inauguração da exposição "Existe Luz na Sombra", no Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas, na Ribeira Grande, dedicada à artista madeirense Lourdes Castro, bem como, lá para o fim do mês, à Bienal do Walk and Talk, este ano sob o tema de "Gestos de Abundância". 

Os Transportes....

       "A pesquisa foi realizada entre Maio e Setembro de 2024 e contou com 833 respostas válidas, abrangendo as Ilhas de São Miguel, Terceira e Faial.
  Em São Miguel, que representa 35,8% das respostas, as principais preocupações dos inquiridos em relação ao turismo prendem-se com a necessidade de melhorar a rede de transportes públicos, reduzindo a dependência do aluguer de automóveis, e de limitar o acesso de não residentes a determinadas zonas balneares, como a Ferraria. (...)
    Na Terceira, que representa 32,8% das respostas, os residentes destacam também como prioridades a melhoria da rede de transportes públicos, com mais rotas e horários, e a necessidade de supervisionar o desenvolvimento turístico da ilha(...)
     Já no Faial, que corresponde a 31,8% das respostas, as maiores  preocupações prendem-se com a melhoria da rede de transportes públicos e a supervisão do desenvolvimento turístico da ilha, a limitação do número de turistas na época alta  com a promoção da época baixa e com a formação de profissionais do sector (...)"

                             in Açoriano Oriental, 10 de Setembro de 2025

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

24 Hour Party People: Saudades de Manchester!

     Num lugar público que passei a frequentar, encontro o DVD de "24 Hour Party People", de Michael Winterbottom, editado em 2002. Aparentemente intacto, envolto num plástico, com um aviso na parede - "Pode levar, 0 euros". Ao pensar em rever o filme, penso na forma de convertê-lo em ficheiro sem ter que recorrer a Compact Disc, pois já não o possuo. Dou por mim a pensar na emoção registada aquando de ter visto o filme pela primeira vez e na sensação de ter, à distância, imaginado a festa que foi o aparecimento deste movimento musical de Manchester. "Madchester" caracterizou-se pela mistura de vários estilos musicais que ia do rock alternativo à dance music, com laivos de indie rock e psicodelia, tudo servia para celebrar esses anos loucos que durariam cerca de duas décadas. Tony Wilson, aqui representado por Steve Cogan, é o impulsionador deste foguete de largo espectro que revolucionaria a música pop e a edição (que saudades da Factory!!!), no fundo Wilson foi um visionário, um sinalizador ou caçador de de talentos que colocaria para sempre a cidade de Manchester no mapa da cena musical. O filme acabaria por retratar essa efervescência - vivida e sentida no Club Hacienda - mostrando o ambiente divertido e frenético dessa aventura. Passados tantos anos, ainda hoje há ecos dos Joy Division, New Order, Clash, Buzzcocks, Durutti Column ou mesmo dos Certain Ratio. Vamos já ouvi-los! 

Ontem, escrito numa parede da cidade

 Andes por onde andares virás sempre morrer à quebrada 

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Misericórdia de Lídia Jorge

       Misericórdia retrata o diário do último ano de vida de uma mulher idosa num lar, de seu nome "Hotel Paraíso". Lídia Jorge escreve sobre esta mulher sem grande mobilidade física e os detalhes  das existências em redor. A escritora tece, assim, um testemunho sobre a velhice e a experiência humana de quem já só pode contemplar o mundo a partir de uma morada inventada, pois tal como diz a narradora: "Exílio. Não há mais nada que seja só meu, nem o meu corpo, nem o meu espírito."

O Jornal de Rui Frias

Fotografia de Mário Cruz, Lusa. 

   «Bob Woosward e Carl Bernstein impactaram os jornalismo como Pelé o futebol, os Beatles a música. É deles o gol de placa dos jornais, a mais famosa investigação jornalística da história. O Watergate tornou-os «mais populares do que Jesus Cristo» (tal como se sentia John Lennon no auge da Beatlemania) entre os aspirantes a jornalistas. E serviu para cristalizar a ideia de uma profissão capaz de fazer cair até o presidente da mais poderosa nação do mundo.»

in O Jornal, de Rui Frias, Retratos da Fundação, Fevereiro de 2025

No Jornal Público de hoje...

 

domingo, 31 de agosto de 2025

Burning Summer: África Minha!

     
     A pergunta impunha-se: como chegar a Porto Formoso? Tudo começa com um autocarro da CRP que faz a carreira diária que nos deixa mesmo à entrada da freguesia. A partir daí estamos entregues à natureza e à música, num cartaz que se mantém maioritariamente africano. 
Destaque-se no primeiro dia, dia 29, os concertos do agrupamento caboverdiano Mário Lúcio and The Pan African Band e dos Santrofi, oriundos de Acra, no Gana. O antigo ministro da cultura de Cabo Verde, sempre vestido de branco, provou que continua aí para as curvas. Mário Lúcio tem um crioulo bonito tal como a sua música é uma balança carregada de ondas, ora batem com agitação ora acalmam águas profundas. Os Santrofi trouxeram de forma competente ecos na nova cena musical da capital ganesa. No segundo dia, 30, assistimos ao concerto memorável de Dino Santiago & Os Tubarões, bem como de Bonga, que continua irrepreensível com o seu semba, nada falha, mesmo com a sua longeva idade. Por último, a cantora guineense Fattu Diakité que impressionou pela imponência da sua voz e uma presença magnética em palco. 
        Onze anos depois, o Burning Summer continua mais valioso que nunca, não só pela sua diversidade musical como também pelo enfoque especial que é dado à música de Cabo Verde, país onde brotam músicos e músicas em cada esquina do arquipélago.
       Uma referência, por fim, à utilização das casas de banho no interior do recinto dada a inutilidade da sua diferenciação entre os sexos, pois já não faz sentido a filas sem fim no que toca ao acesso feminino, ou já para não falar das senhas que ficam por consumir por falta de aviso do fecho do bar.

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Melancolia do Fim de Agosto

      Há um travo amargo quando Agosto termina, quando nos despedimos deste mês consagrado à lassitude e às cigarras. A rapidez com que este mês da canícula passa sobre nós é equivalente aos novos TGV. Por isso, quando atingimos os seus últimos dias avança sobre os corpos uma nostalgia que nos esmaga, tolhe o raciocínio, trava qualquer racionalidade. É, pois, uma despedida pesada, carregada de tristeza e sentimentos de culpa, sobretudo, por tudo o que ficou por fazer, as promessas por cumprir, os desejos por concretizar. Setembro fará depois o seu trabalho e, quando o Outono de calendário se enunciar, novos sinais de enfrentamento tornaremos claros, se assim o quisermos. 
       Desta feita, nada é mais desolador que o fim de Agosto, os seus despojos e sedimentos, o que ainda resta da voragem do tempo sobre a estação estival. Este começa sempre por afigurar-se prometedor - os seus dias longos e claros - até à contrariedade das manhãs de neblina e das noites carregadas de cacimba, nada se apresenta tão pesado e sombrio como os seus derradeiros dias. Nada nos resta senão fruir com sabedoria esta pequenina fracção deste Agosto por encerrar. Será isso a douta melancolia?

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Livre: Viagem à Albânia com Lea Ypi!

      Um livro pode aproximar-nos de um lugar, de viagens realizadas e de memórias intensas guardadas bem lá atrás do tempo e da existência. O país em questão é a Albânia, situado nos balcãs, no litoral do mar Adriático. Lea Ypi, a autora do livro, é uma professora de Teoria Política na London School of Economics, nascida em Tirana, em 1979. 
    "Livre" é um ensaio que retrata o período antes e pós comunista vividos pela autora e onde o passado familiar imprime uma marca profunda na sua visão do mundo (a autora dedica o livro à avó). E eis que, subitamente, somos transportados até à Albânia e é como se a escrita nos trouxesse de volta essa viagem, esses dias lá passados, uma existência partilhada.

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Da Gentrificação

       «Veja-se a origem da cidade, os povos que a formaram, dos fenícios aos gregos, mais tarde os romanos e todos os outros que vieram com a expansão marítima. Lisboa sempre teve árabes e judeus. Tem uma identidade que foi sendo desenhada por essa diversidade de modos de vida e culturas", diz, lamentando o que vê como tentativas de rasurar a identidade múltiplice, substituindo-a por uma ditada esttitamente pelos interesses imobiliários internacionais. "A gentrificação é que é a verdadeira ameaça a Lisboa, não os imigrantes", conclui o vocalista dos Pop Dell´Arte.»

João Peste, in "Gentrificação é que é a verdadeira ameaça a Lisboa, não os imigrantes", Público, 19 de Agosto de 2025. 

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Da Lucidez

         "E se aparece um tipo a berrar:"Mete-se tudo na cadeia" há uma quantidade de pessoas que vão atrás dele. Se aparece um tipo com um tambor e uma corneta e uma bandeira a desfilar pela rua fora, junta-se uma quantidade de pessoas atrás dele, e então elas vão até ao fim."

Zeferino Coelho, Expresso, 8 de Agosto, editor da Editorial Caminho. 

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Música para um Estio Quente

Uma Canção de Verão - Praia, Campo, Cidade e Montanha, 2025 - Montanha Mágica 
Alewa (Black or White)Alewa, 2020 - Santrofi 
Ka moun Kè - Beautiful Africa, 2013 - Rokia Traoré 
Madalena - Dor de Mar, 2012 -Tcheka 
Mi So - Migrants, 2023 - Mário Lúcio 
Ungdomen, röda kinder - Sex, 2024 - Anna Järvinen
Back to the Old House - Hatful of Hollow, 1984 - The Smiths 
Nothing´s Gonna Hurt You Baby - I. 2012 - Cigarrettes After Sex 
In a Matter of Speaking - Nouvelle Vague, 1998 - Nouvelle Vague 
Fogo Fera - 100% Carisma, 2020 - Vaiapraia  
Fiesta Triste - Dissidente, 2025 - Tó Trips & Fake Latinos 
Espanto - Leveza, 2023 - André Henriques
Fugitivo - Escritor de Canções, 1990 - Sérgio Godinho  
All Flowers in Time Bend Towards the Sun - 1996 - Jeff Buckley and Elizabeth Frazer
The Last Time I Saw the Old Man - Rainy Sunday Afternoon, 2025 - The Divine Comedy 
Smalltown - Songs from Drella, 1990 - Lou Reed, John Cale 
So Goodnight - So Goodnight, 2012 - Pop Dell´Arte 

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Do Jornalismo

         
Il Sorpasso de Dino Risi 
«Sembra una vespa (Parece uma vespa)» Rezam as crónicas da época que terá sido essa a exclamação de Enrico Piaggio, filho do fundador da marca, a dar nome a um dos mais icónicos modelos de motas da história, mas também um dos mais bem sucedidos casos de reconversão em termos de crise. Antes disso, a italiana Piaggio, fundada em Génova, em 1884, alimentava sobretudo a indústria aeronáutica, com a construção de aviões e componentes de aviação durante o período que abraçou as duas grandes guerras mundiais. Com o final da II Guerra, numa Itália com a economia e as estradas destruídas, Enrico redireccionou o foco da empresa, criando um meio de transporte simples, económico e elegante que logo ganharia fama mundial. 
        A Vespa é só um dos vários exemplos que podem ser encontrados em manuais sobre inovação em tempos de crise. Também ao jornalismo a necessidade de reinvenção tem levado à experimentação de novas fórmulas, novos projectos, novos modelos de negócio. Por entre o negro horizonte instalado, vão surgindo pequenos sopros de esperança, seja à boleia de projectos independentes, de plataformas colaborativas, de novos formatos (podcast, jornalismo de dados, factchecking....) ou de diferentes  formas de financiamento que sustentem a sobrevivência dos media.  

Rui Frias, in O Jornal, Retratos da Fundação, Fundação Francisco Manuel dos Santos, Fevereiro de 2025. 

Fétiche Bélico de Sónia Bettencourt

A guerra é desde sempre o maior fetiche do homem
Ele até aposta a sua vida em como um dia matará alguém
que nunca sequer chegou a existir
 
Ah! criatura ensandecida, fascínio dos deuses
sem pactos nem asas!
 
A caminhar nos campos magnéticos do suicídio
como se o fim estivesse à saída de um disparo

 quando tem toda a sua vida por acertar.

sábado, 9 de agosto de 2025

Verso de Sérgio Godinho

Um homem corre na noite  

Burning Summer: Ecos Cinematográficos!

            
Porto Formoso
Fotografia de Frederico Rocha 
fredrocha.net

Agora que Agosto ainda vai no adro começam a aparecer os primeiros ecos do Burning Summer Festival, em Porto Formoso, São Miguel, sobretudo com o cinema na praia, sendo este uma parte integrante do programa. Desta feita, a edição deste ano, nestes primeiros dias do mês, privilegiou o cinema português com os filmes “Phil Mendrix”, de Paulo Abreu, "E Agora? Lembra-me.”, de Joaquim Pinto, "Ama-San" de Claúdia Varejão, sendo o filme “Postcards From Índia”, de Tommaso Dolcetta, o documentário de abertura desta bem pensada actividade cinematográfica ao ar livre na Praia dos Moinhos.  Quanto à sessões musicais, previstas para os dias 29 e 30, o programa é eclético como sempre, no entanto a diversidade musical é o factor diferenciador de um festival que aposta na exploração de distintas sonoridades e de concertos junto dessa força da natureza que é o mar. No primeiro dia, sexta-feira, teremos Rodhalia Silvestre & Mário Jorge Cabral, Anthony B & And The House of Riddim, Mário Lúcio and The Pan African Band, Santrofi e, no segundo dia, sábado, Dino Santiago & Os Tubarões, Bonga e Fattu Diakité. A abrir a contenda bailante, tanto no início, meio e fim, há musica oferecida pelos Dj´s de serviço: Mesquita & Laura, Milhafre, Quaresma, Pedro Tenreiro, Adrian Sherwood, & Omar Perry, Tape e Good in Da´ Hood.                 
Note-se, assim, que, dez anos depois, este festival que se realiza na Praia dos Moinhos continua a dar um destaque especial à música de Cabo Verde, lugar de proximidade cultural, curioso viveiro de músicos, canções bonitas, sentimentos de partilha e interessantes cumplicidades, dado que por aqui já passaram: Tcheka, Princezito, Ferro Gaita, Mayra Andrade, Fogo Fogo e Elida Almeida. Cabo Verde tem, há muito, palco montado em Porto Formoso. 
         Ainda uma recomendação para os primeiros dias Setembro, antes que a vida nos consuma com horários, rotinas e obrigações, desfrutemos de uma proposta deste festival intitulada – “Detetives Marinhos, Conhece os peixes que Comemos”, com o biólogo Luís Rodrigues. Um primor de descobertas dos ouvidos à barriga!

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Do Bom Carácter

        "Enquanto estão vivos, para mim é fundamental, que tenham bom carácter. Agora, o Wagner obviamente tinha um péssimo carácter mas isso pouco me importa: deixou uma obra extraordinária. O carácter de Beethoven tinha lacunas graves. O do Céline, nem falar.Mas é a obra deles que fica, não o que eles foram. O O´Neill, por exemplo, de quem eu estive próximo durante algum tempo, almoçávamos uma vez por semana: era difícil ser amigo dele. Muitas vezes saía de junto dele com a impressão de que ele não gostava de ninguém." 

António Lobo Antunes, Revista LER, 2008.

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Matar o Tempo de Naná da Ribeira

A sentença é dita pelo guarda vidas 
uma bóia é tudo o que precisamos 
a neblina à distância de um palmo 
uma paisagem de escarpas e montes 
rebentam ondas e há ainda quem se atreva 
que ninguém se afogue e o tempo se ocupe
de mim, de ti e do que nos atormenta 
e, por agora, nos salvem
desta maré sem dor

Verso de A Garota Não

 Os rios juntam não partem metades 

Provérbio

Em Agosto toda a fruta tem o seu gosto

Esperar de Kol de Carvalho

Esperar de Kol de Carvalho 
4 a 8 de Setembro de 2025
Galeria da Ordem dos Arquitectos 
 

Lourdes Castro: Sombras no CAC.

         Lourdes Castro faleceu no Inverno de 2022, com 91 anos. A sua exposição em solo açoriano, no próximo mês de Setembro, é o acontecimento mais aguardado do CAC (Centro de Artes Contemporâneas), na Ribeira Grande, São Miguel. 
"Pelas Sombras", 2010
Catarina Mourão
       Recuemos até 2017, a uma sessão de cinema na Galeria Arco 8 e ao documentário “Pelas Sombras” (2010), filme extraordinário de Catarina Mourão que, à altura, ganhou o Prémio do Público no IndieLisboa. Nessa incursão fílmica de oitenta e três minutos, foi possível perscrutar o universo artístico de Lourdes Castro, artista plástica oriunda da Madeira que foi bolseira da Fundação Gulbenkian, que  viveu em Lisboa, Paris, Berlim e na cidade do Caniço, na Ilha da Madeira. A artista, a determinado momento do documentário, proferiu a seguinte frase :"Às escuras e em silêncio é que se trabalha." As sombras foram o motivo da sua longa presença e seu labor profissional. 
          Quem mergulhou neste admirável filme, conseguiu, por instantes, penetrar naquelas sombras, antever o mistério da sua criação artística. Curiosamente a obra de Lourdes Castro não se fixou na pintura, pois obteve ao longo da sua carreira várias configurações – sserigrafia, plexiglass, desenho, ilustração, colagens, assemblages, peças em tecido, acrílico recortado florescente, etc. Uma obra extensa também na sua diversidade de composições e plataformas. Esta artista fez também parte da KWY (movimento artístico com direito a revista homónima entre 1958/1964 e doze números), sendo que a sua obra encontra-se espalhada por museus nacionais e estrangeiros e colecções portuguesas e internacionais. 
          O CAC (Centro de Artes Contemporâneas) ainda não divulgou o conteúdo da exposição, no entanto esperamos que esta sirva para nos aproximarmos ainda mais de uma das obras artísticas mais consistentes e celebradas da cultura portuguesa e insular.

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Enfim...a Canícula!

        O calor abafado, enfim, voltou. A água salgada do mar faz o seu vaivém nas praias de areia preta que, entretanto, amornam e, com as temperaturas do ar cálidas, retornam também os garajaus, essas andorinhas insulares que nos devolvem a visão do seu voo e beleza.
       Abandono, assim, mais uma casa, aquele quarto, mais uma morada (quantas moradas? quinze, vinte?), permaneço com os nomes de bairros e ruas gravado na memória – Casal de Malta, Canal, Calouste Gulbenkian, Jogo da Bola, Senhora do Almurtão, Barão de Roches, Miragaia, D´Agoa, Guilherme Poças Falcão, Laureano, Rua Nova da Misericórdia, Gaspar Fructuoso, Ladeira das Águas Quentes, Pópulo Pequeno, Livramento, etc…a convicção também de que em breve irei encontrar outro destino, outros olhares, novas memórias.
 Todos os verões, eis que regresso às águas gélidas que povoam a minha infância e adolescência, torno às sessões de cineclube às quintas-feiras e aos filmes ao ar livre na cidade vizinha, cidade onde procuro em vão a professora F. – ensinou-me a língua francesa apenas com o seu sorriso – ou visito, quando posso para uma longa charla, a professora M., de Filosofia, tal como ainda provisiono uma ou várias barrigadas de sardinhas para o jejum insular que se seguirá.
         Proclamo, por agora, um até já às minha coisas e às que julgo pertencer, despeço-me dos locais onde repousei o olhar, abraço as pessoas que conheci e as outras tantas que gostei de conhecer. Interrompo, entretanto, as conversas com os mais próximos com quem conversei, relembro os momentos partilhados, os bons e os maus. Aproveito para implorar absolvição pelas ocasiões em que excedi a sua paciência quando exalto o prazer no presente ou a existência de melhores dias vindoiros. Não me canso de referir o peso de que somos feitos, este desconsolo que nos tolhe os movimentos, inclusive, a melancolia a escrever, tão implicada de dor e culpa, e que vejo entrar quarta invasão francesa, já enunciava o Alexandre O´Neill, com assertividade e sem ela. Um poeta maior que nos abandonou em Agosto, pois já não conseguia contrariar o vento, a morrinha, a nortada. E que frequentemente tropeçava de ternura…

sexta-feira, 25 de julho de 2025

A Paixão de Dodin Bouffant: O Napoleão da Arte Culinária!

       
Imagem daquihttps://revistadeguste.com/
Comer é uma actividade essencial do ser humano mas convenhamos que este verbo tem um vasto leque de signficados, com diferentes ligações à existência. No que diz respeito a este filme - La Passion de Dodin Bouffant, de Tran Anh Hung - que obteve em português a tradução de "O Sabor da Vida" - trata-se de uma incursão exclusivamente sensorial a partir do universo de uma cozinha partilhada por dois esmerados cozinheiros. A acção cinematográfica decorre entre tachos, panelas e fogões, degustando sabores, aprimorando paladares e seguindo sugestões de aprendizagens efectuadas aquando da ingestão de alimentos e reconhecimento dos aromas. É um agradável filme de seguir, não só pelo facto de ficarmos sugestionados e com apetite, bem como pelas interpretações competentes dos dois actores em presença:  Juliette Binoche e Benoît Magimel.

Despedida de Naná da Ribeira

A chegada do verão afasta-nos do centro
os dias esfumam-se lentamente
todo o azul e toda a claridade
ouve-se um saxofone no corredor
ninguém diz nada, ninguém sabe nada
o motor é o escape possível no asfalto
as unhas de gel carregam no telemóvel
produzem um enervante som de plástico

À noite a almofada evoca o esconderijo
único mistério guardado da existência
amanhã não subsistirá mais nada
apenas uma algibeira de memórias
e a habitação de uma descoberta desfeita 

terça-feira, 22 de julho de 2025

Verso de Nena

 Riefen krieg und wolten macht

Um Poema de Afonso Braga

Amor era a palavra que dizias 
quando a boca se fechava no silêncio da noite como um cravo incendiado 
pela temperatura da idade como um cravo tocado pela morte 
a entrar na vida como um animal à procura de alimento devastando as veias
do teu sangue sumptuoso até outro corpo ser imaginado e outras palavras reflorescerem nas escarpas do teu ventre perfumado a queda 
nos esgotos da eternidade
onde não há tempo nem medo que te obriguem ao amor 

in Locomografia, Editora Atelier Produção, 2009.

CAC: Saber Fazer; Saber Ver

Duas exposições para ver no Centro de Artes Contemporâneas da Ribeira Grande: “Produção Artesanal Portuguesa: A Atualidade do saber fazer Ancestral” e “O Tempo de Estar”. A primeira propõe-se valorizar a produção artesanal portuguesa de norte a sul e ilhas, um olhar múltiplo sobre o saber fazer nacional, quanto à segunda pretende dar relevância à década de abertura expositiva do Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas, ao expor obras da colecção do Arquipélago em fala aproximada com obras de outras instituições, galerias e colecções particulares.
         Desta feita, a exposição “Produção Artesanal Portuguesa: A Atualidade do saber fazer Ancestral” acaba por ser uma panorâmica do artesanato nacional, pois  há tapetes de arraiolos, cocharros, viola campaniça ou ainda peças oriundas do arquipélago açoriano, tais como a viola de dois corações (São Miguel) a Joeira de Santa Maria, o Lenço do Faial, entre tantas outras. É a nossa riqueza artesã e beleza dos nossos labores manuais a precisar de ser vista e apreciada. Quanto à exposição  “O Tempo de Estar”, com curadoria de Beatriz Brum e Sofia Carolina Botelho, esta pretende ser uma reflexão com o espaço museológico deste espaço, isto é, pensar a relação dos artistas e do público com este lugar de afirmação artística que perdura no aqui e agora. Parte, por isso, da necessidade de conceber um acervo referencial deste lugar que seja um verdadeiro mosaico da arte contemporânea ao qual se vai acrescentado pensamento, diálogo e memória com outros trabalhos em destaque. 

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Conselho

       "Num dos grandes filmes dos anos 2000 - Quase Famosos, de Cameron Crowe - o extraordinário Philip Seymour Hoffman interpreta o papel de um crítico de música da década de 1970 que vai dando sábios conselhos a um jovem jornalista que se prepara para acompanhar a banda em digressão. "Tu não podes ser amigo das estrelas de rock", explica-lhe ele. "Se tu escreves sobre rock, em primeiro lugar nunca vais ganhar muito. Mas vais receber discos de borla da editora. E vão pagar-te bebidas, vais conhecer miúdas, vais viajar de graça, vão ofercecer-te drogas...Eu sei. Parece incrível. Mas eles não são teus amigos. São pessoas que que querem que escrevas histórias grandiloquentes sobre o génio das estrelas rock. Estão a querer comprar respeitabilidade." Este continua a ser o melhor conselho que se pode dar a um crítico, a um comentador, até a um jornalista."

João Miguel Tavares, in Público, 17 de Abril de 2025. 

domingo, 20 de julho de 2025

Da Fobia

          "A xenofobia, por exemplo, é tão larga que poderia incluir várias outras fobias que assentam no medo do que não se conhece. Para combater a xenofobia - tão debilitante, tão estúpida, tão aleatória, tão cruel  e violenta - porque não a claustrofobia?
       A claustrofobia é que é o contrário de xenofobia: é o medo de ficar fechado, de ficar preso, de não poder sair, de não nos podermos mexer.
   Imagine-se a claustrofobia de só podermos comer comida portuguesa (ou lisboeta), só ouvir música portuguesa (ou alentejana) ou só ler livros portugueses (ou minhotos).
        Claustrofobia é o terror de ficarmos fechados em casa,  a aturar a nossa própria família, infinitamente protegidos pelas paredes de pedra da nossa casa e obrigados a proclamar a toda a hora o nosso orgulho de pertencermos àquela cultura tão rica e tão particular. 
        Não há horror que não mereça um horror maior."

Miguel Esteves Cardoso, in Elogio da Fobia Justa, Público, Abril de 2022. 

O Anzol de Raquel Vila Arisa

Lapa Brava, 2024


Atena de Ana Paula Inácio

nem dórica 
nem jónica 

dorsal 
a coluna majestática 
da infância 

das saias 
das irmãs 
a goma barata
rocegando-te 
as pernas descobertas 
do Verão

o pêlo eriçado 
um gato 

in Anónimos do Século XXI, Averno, 2016. 

sábado, 19 de julho de 2025

É na Horta...

Festival Maravilha 
De 17 a 20 de Julho de 2025

 

Pico

Fotografia: Tânia Neves dos Santos 
 

Da Cobardia

     "José Gil tem razão quando nos diz, de uma forma elegante, que nos ficou a cobardia, dos tempos do obscurantismo, temos muita dificuldade em expressarmos livremente o que sentimos. Mas já passaram 50 anos e várias gerações. Não diz, mas digo eu, que preferem mostrar a sua insatisfação através de radicalismos anónimos, expressos, cada vez mais, nos atos eleitorais."

José Gameiro, in Amorfos Felizes, Expresso, 11 de Julho de 2025. 

A Questão

 Tu de quem és? 

Santa Bárbara de Naná da Ribeira

Se foi por acaso não saberei conferir

Antes assim uma descoberta inusitada

No dealbar do estio esta paisagem

Tão singela e tosca nas suas manifestações

A interioridade de terras acidentadas

Beleza e colorido das papoilas e hidrângeas

As móveis nuvens e os verdes tão distintos

Raios a incidir na feição dos plátanos

Benditas chuvas que tombam sobre os campos

Ampliam árvores e o vigor das folhagens

Rasgam muros de sombra no desenho das fábricas

Até ao eclodir do marítimo horizonte

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Verso de Filipe Furtado

 Diz-me se a dor desvanece

Dos Gregos

     "Não há como imaginar o mundo sem a contribuição da Grécia. Está nos mares, nos céus...Não nos conseguimos livrar dos gregos."

Theodor Kallifatides, in Público, 3 de Julho de 2022

Nómadas de Naná da Ribeira

Não resistem por ali muito mais tempo 
Ouvem das casas de passagem ordem de despejo
Mudam-se vezes sem conta e com eles surge 
A vontade de serem lidos em silêncio 
Duvidam, pois, do tempo que ali permanecerão 
Ainda que transportem visões, anseios, melancolias
Sobejando utopias, acalentam permanências 

terça-feira, 15 de julho de 2025

Antero de Quental

para ti era a chama e não o fogo,
a arca secreta da verdade, 
lugar coberto de dor e pó de lágrima,
onde a memória guarda o sudário do futuro.

Emanuel Jorge Botelho e Urbano in a vida e uma manhã, Publiçor, 2010.

Sistema Naturae#45 de Urbano

Urbano 
Técnica mista sobre tela 
 


As Amoras de Sophia de Mello Breyner

O meu país sabe a amoras bravas 
no Verão
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce 
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo 
me traz amoras bravas 
os seu muros parecem-me brancos 
reparo que também no meu país o céu é azul 

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Ciclo Imaginário de Cinema ao Ar Livre(2)

       O segundo filme deste ciclo imaginário de cinema ao ar livre seria para “Maria do Mar”, uma curta-metragem de João Rosas, realizada em 2015, seguido de “The Florida Project”, Sean Baker. O primeiro aborda a adolescência de Nicolau (Francisco Melo), a vida de um jovem que acompanha o irmão mais velho e amigos, num fim de semana estival até à cidade de Sintra. Esta curta-metragem continua a ser uma delicada estranheza, muito pela cumplicidade com que o personagem Nicolau vai estabelecendo com o espectador ao longo do filme. Agora que João Rosas estreou “Vida Luminosa”, e que completa a trilogia, seria de bom tom mostrar este “Maria do Mar”.  Quanto a  “The Florida Project”, o filme de 2017 do super oscarizado Sean Baker, é um fortíssimo cartão postal para conhecer a obra deste realizador. Trata-se da história de uma pequena criança de seis anos de idade, Moonee (Brooklynn Prince), que partilha com a mãe Halley (Bria Vinaite) um apartamento de um motel a beiras com a fantasia da Disney World. Podemos mesmo dizer que não há melhor projecto de enfrentamento de uma canícula abafada e lassa. Este filme é o retrato de uma Flórida à margem, com as contradicções e as típicas aventuras de um mundo precário e plastificado, em que a Disney World surge como a glorificação do desejo humano.

Verão de Naná da Ribeira

Voltamos lestos antes que tudo isto acabe
Estamos agora onde devíamos estar
Ruas nuas, praias de basalto quente 
Arde a fogueira interior dos vulcões
Onde a lassitude impera e o salitre cura 

terça-feira, 8 de julho de 2025

Citações

       É bom ter livros de citações. Gravadas na memórias elas inspiram-nos bons pensamentos.
Winston Churchil (1874-65), in Notícias Editoral. 

domingo, 6 de julho de 2025

Quarteirão de PDL: A Energia a Despontar

        
Fotografia de Carlos Olyveira
     A Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada reuniu no seu interior, num dos seus múltiplos espaços, um conjunto de fotografias sobre o Quarteirão de PDL. As fotografias encontram-se, assim, espalhadas pelas paredes e pilar de uma sala dedicado à música e aos filmes, sendo que  o seu número é bastante considerável tal como os seus autores. O que une estas fotografias é a memória dos que aqui vivem, trabalham, convivem e usufruem deste espaço citadino que ganhou relevância com a abertura do espaço aéreo, a 29 de Março de 2015. Nascia ali um novo espaço de convivialidade, um lugar feito de cumplicidades e abraços, brotavam quotidianamente encontros, projectos, vontades criativas. Eram uma nova energia que despontava, naquele conjunto de ruas com gente dentro e que começaria a designar-se por O Quarteirão. Tenho, por isso, uma memória viva daquele fulgor, ainda que rápida e fugaz, é certo, mas retenho sobretudo uma lembrança de pessoas, acontecimentos e a uma variada panóplia de actividades artísticas a acontecer. Das muitas coisas por ali vividas, relembro duas ou três situações que gostaria de evocar – a peça na Galeria Miolo “Será que Podemos Controlar o que os Outros Pensam de Nós?”, com o João Malaquias a solo na Galeria Miolo, o Henrique António  vestido de Filípides, bem como os demais, para a performance/exposição fotográfica “Alvo Périplo Rua Abaixo Movimentado”, da trupe da Sala de Embarque e  do fotógrafo Jorge Kol de Carvalho junto da Igreja do Colégio ou ainda as fotografias do Carlos Olyveira que, quotidianamente, fotograva os seus novos habitantes e espaços. 

sábado, 5 de julho de 2025

Sobre o Caos

         "Em sociedades onde a ameaça é maior, a expectativa é menor e as pessoas não têm tanto medo. O medo é psicológico, somos muito medrosos. Agora andamos cheios de medo dos imigrantes. Têm o mesmo papel que teve os toxicodependentes dos anos 1990, quando andei nos bairros. É o papel do diabo à solta, que veio provocar caos na nossa ordem. Temos sempre que polarizar numa figura qualquer algo que não sabemos resolver que é o caos. Desde o nosso caos interno ao caos social. O nosso caos interno resolve-se projectando as nossas paranoias em quem temos à nossa volta: no filho, na mulher, no sogro, no patrão, na empregada doméstica...a projecção social das frustrações de uma sociedade que não funciona bem, fazemo-la na figura do outro. Hoje, o outro  é o migrante que vem de longe. Não o migrante europeu, não é o norte americano. Não é o sueco que compra casa no Algarve. São aqueles indivíduos que vem para aí  e que, coitados, têm de sobreviver com os os restos que sobram para eles."

Luís Fernandes, entrevista de João Pacheco, Revista do Expresso, 3 de Junho de 2025.

quarta-feira, 2 de julho de 2025

A Ilha de Almeida Firmino

Sempre o mesmo horizonte 
-mar, névoa, a ilha em frente
Dizem os garajaus ao voltar
Que não mais será diferente 
in The Sea Within, Gávea-Brown, 1983. 

Crepúsculo na Ilha de Marcolino Candeias

 I
O dia morre como se adormecessem vozes 
nas bocas dos animais 
tecidas
num esvoaçar de sons 


II
O lavrador vestido de suor
planta no bater da estaca 
o gesto último
de querer prender à terra toda a sua vida
 

III
No cheiro a erva 
um sonoro subtil soar do silêncio 
brota um crepúsculo de flores esmagadas 


IV
No ar
paira um odor calado a maresia
in  The Sea Within, Gávea-Brown, 1983.

Ciclo Imaginário de Cinema ao Ar Livre (1)

       Todos os anos, quando a permanência no interior das casas se torna insustentável, dou por mim a imaginar a programação de sessões de cinema ao ar livre, isto é, a propor à minha freguesia de bairro uma selecção de filmes que primem pela qualidade narrativa, uma banda sonora irrepreensível, boa cadência e ritmo cinematográfico. É claro que não posso descurar que haja uma boa amplificação do som e que estejamos todos bem sentados. Assim, será uma boa sessão de cinema ao ar livre em que nada possa ficar de fora. Então, a sessão inaugural teria o filme de Emir Kusturica, Gato Preto, Gato Branco, realizado em 1998. Pela película andam ciganos que habitam nas margens do Danúbio, os seus negócios mal afamados com os russos, desvios de comboios com gasolina de Belgrado com destino à Turquia, uma atiradora furtiva que atira aos barcos sobre as águas e ainda Dadan, o patriarca da comunidade que possui um harém. Enfim, a desbunda típica dos filmes de Kusturica com muita música e charangas à mistura.

domingo, 29 de junho de 2025

Verso de Maia Friedman

 I would sense you there, but you wouldn´t care 

Da Saúde

        "O problema não é a escassez de camas ou profissionais. É a ausência de políticas públicas com rosto humano. Falta-nos saúde de proximidade, apoio social continuado, articulação entre as instituições. As autarquias sabem quem são, onde vivem, o que precisam, mas não têm meios para intervir. O Estado empurra para o terceiro sector, que responde como pode, muitas vezes com boa vontade, mas com meios limitados e serviços inconsistentes. A caridade não pode substituir o que é - deve ser - público."

João Mendes Coelho, médico-psiquiatra, in Açoriano Oriental,  dia 29 de Junho de 2025. 

terça-feira, 24 de junho de 2025

Verso de Nicola di Bari

 Il mondo è grigio, il mondo è blu 

Projecto de Rui Costa

Fernando comprou um livro de poesia com oitocentas páginas
mas só conseguiu ler quinhentas

António sonhou com o Evereste na magnitude
mas só precisava de mudar uma lâmpada 

Rita imaginou um poema para Fernando 
mas só tinha que aceitar o jantar de quinta 

A lâmpada pensou que era um poema
e fundiu-se sem iluminar a sala 

Luís aproveitou a escuridão da sala
para dizer a Rita um poema com montanhas 

Trezentas páginas que nunca foram lidas 
arquitectam com a lâmpada a salvação do mundo

in A Nuvem Prateada das Pessoas Graves, Quasi Edições, Março de 2005. 

Queixa de um Utente de José Miguel Silva

Pago os meus impostos, separo
o lixo, já. não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correcto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.
Já não me lembro se o médico
me disse ser esta a receita indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for, 
não estou a ver resultado nenhum.

in Ulisses Já Não Mora Aqui, &etc Edições Culturais do Subterrâneo, 2002.

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Um Poema de Mário Cesariny

Dicen?
Olvidan.
No dícen?
Envídian.  

Hacen?
Fatal
No hacen?
Igual.

Para que 
`Sforzar?
Todo es 
Hurgar. 

in O Virgem Negra, Assírio&Alvim, 1989

Sagres de Jorge Sousa Braga

Só tenho uma ponta de
cigarro para fumar
E para apagá-la:
todo o mar.

in  O Poeta Nu, 2014. 

domingo, 22 de junho de 2025

O Que Faz Falta...

      "O que faz falta é reconhecer que o outro pode ter a sua verdade, embora discordemos dela. Sem calçar os sapatos do outro não há diálogo ou negociação possível, nem nas sociedades nem no casamentos. A polarização não responde a argumentos lógicos, racionais; é um problema de emoções. Porque as discussões estão condicionadas pelo filtro do medo, do ódio, do preconceito, assentam na ideia de que o outro é um inimigo, com quem não podemos chegar a nenhum tipo de acordo. A polarização é também ela uma guerra, com a sua violência específica. Clausewitz definia a guerra como imposição da nossa vontade ao inimigo."

Antonio Monegal, in "As Guerras Começam na Linguagem", A Revista do Expressso, 30 de Maio de 2025.  

sábado, 21 de junho de 2025

Timoneiro: Um Postal Antibelicista!

         
Cartaz daqui: http://www.cinemadg.com
    Actualmente há
 bombas a cair e aviões nos ares do Médio Oriente, um desassossego que não cessa, no entanto há sempre quem pense que a vida bem poderia ser outra coisa. Outra coisa certamente muito melhor do que guerras, fome, desespero e caos. Já passaram, no entanto, dez anos da estreia de Timoneiro, um filme de Majid Esmaeli-Parsa, rodado no Irão em  2015. Filme visto na sala de cinema do Teatro Ribeiragrandense, esta adaptação cinematográfica de um original do escritor norte americano Philip Roth,  narra a história de uma criança de onze anos que, após o desaparecimento do pai, depara-se com a possibilidade de recuperar o navio famíliar para o aniversario paterno, onde à sua frente se encontra o Lago de Urmia enxuto. Não tarda nada e outras crianças seguirão os passos de Hassan e com a sua amizade erguerão aquele projecto em marcha.
       O realizador Majid Esmaeli-Parsa filma, portanto, o seu pequeno herói Hassan naquela paisagem árida, onde a ausência da água, a seiva da vida, condena o futuro de quem ali vive ao fracasso. A esperança reside, pois, nas crianças, na aprendizagem escolar do quotidiano, são elas que nos dão a uma nova visão poética do mundo. A poesia surge aqui sob a forma de acções quotidianas comuns - a pintura do navio, a dança em conjunto, o conto das histórias, a beleza de uma paisagem em ruínas. Timoneiro é um retrato duro, cruel, expressa na ansiedade de quem espera por algo que quer muito e de que vive dos seus pequenos detalhes, da música que aparece e desparece, daquele teatro de sombras e dos gestos e  feições que nos vão eternecendo. Mesmo com algumas fragilidades narrativas, Timoneiro é um belíssimo postal poético e propositivo de um novo mundo antibelicista.