domingo, 6 de julho de 2025

Quarteirão de PDL: A Energia a Despontar

        
Fotografia de Carlos Oluveira
     A Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada reuniu no seu interior, num dos seus múltiplos espaços, um conjunto de fotografias sobre o Quarteirão de PDL. As fotografias encontram-se, assim, espalhadas pelas paredes e pilar de uma sala dedicado à música e aos filmes, sendo que  o seu número é bastante considerável tal como os seus autores. O que une estas fotografias é a memória dos que aqui vivem, trabalham, convivem e usufruem deste espaço citadino que ganhou relevância com a abertura do espaço aéreo, a 29 de Março de 2015. Nascia ali um novo espaço de convivialidade, um lugar feito de cumplicidades e abraços, brotavam quotidianamente encontros, projectos, vontades criativas. Eram uma nova energia que despontava, naquele conjunto de ruas com gente dentro e que começaria a designar-se por O Quarteirão. Tenho, por isso, uma memória viva daquele fulgor, ainda que rápida e fugaz, é certo, mas retenho sobretudo uma lembrança de pessoas, acontecimentos e a uma variada panóplia de actividades artísticas a acontecer. Das muitas coisas por ali vividas, relembro duas ou três situações que gostaria de evocar – a peça na Galeria Miolo “Será que Podemos Controlar o que os Outros Pensam de Nós?”, com o João Malaquias a solo na Galeria Miolo, o Henrique António  vestido de Filípides, bem como os demais, para a performance/exposição fotográfica “Alvo Périplo Rua Abaixo Movimentado”, da trupe da Sala de Embarque e  do fotógrafo Jorge Kol de Carvalho junto da Igreja do Colégio ou ainda as fotografias do Carlos Olyveira que, quotidianamente, fotograva os seus novos habitantes e espaços. 

sábado, 5 de julho de 2025

Sobre o Caos

         "Em sociedades onde a ameaça é maior, a expectativa é menor e as pessoas não têm tanto medo. O medo é psicológico, somos muito medrosos. Agora andamos cheios de medo dos imigrantes. Têm o mesmo papel que teve os toxicodependentes dos anos 1990, quando andei nos bairros. É o papel do diabo à solta, que veio provocar caos na nossa ordem. Temos sempre que polarizar numa figura qualquer algo que não sabemos resolver que é o caos. Desde o nosso caos interno ao caos social. O nosso caos interno resolve-se projectando as nossas paranoias em quem temos à nossa volta: no filho, na mulher, no sogro, no patrão, na empregada doméstica...a projecção social das frustrações de uma sociedade que não funciona bem, fazemo-la na figura do outro. Hoje, o outro  é o migrante que vem de longe. Não o migrante europeu, não é o norte americano. Não é o sueco que compra casa no Algarve. São aqueles indivíduos que vem para aí  e que, coitados, têm de sobreviver com os os restos que sobram para eles."

Luís Fernandes, entrevista de João Pacheco, Revista do Expresso, 3 de Junho de 2025.

quarta-feira, 2 de julho de 2025

A Ilha de Almeida Firmino

Sempre o mesmo horizonte 
-mar, névoa, a ilha em frente
Dizem os garajaus ao voltar
Que não mais será diferente 
in The Sea Within, Gávea-Brown, 1983. 

Crepúsculo na Ilha de Marcolino Candeias

 I
O dia morre como se adormecessem vozes 
nas bocas dos animais 
tecidas
num esvoaçar de sons 


II
O lavrador vestido de suor
planta no bater da estaca 
o gesto último
de querer prender à terra toda a sua vida
 

III
No cheiro a erva 
um sonoro subtil soar do silêncio 
brota um crepúsculo de flores esmagadas 


IV
No ar
paira um odor calado a maresia
in  The Sea Within, Gávea-Brown, 1983.

Ciclo Imaginário de Cinema ao Ar Livre (1)

       Todos os anos, quando a permanência no interior das casas se torna insustentável, dou por mim a imaginar a programação de sessões de cinema ao ar livre, isto é, proponho à minha freguesia de bairro uma selecção de filmes que primem pela qualidade narrativa, uma banda sonora irrepreensível, boa cadência e ritmo cinematográfico. É claro que não posso descurar que haja uma boa amplificação do som e que estejamos todos bem sentados. Assim, será uma boa sessão de cinema ao ar livre em que nada possa ficar de fora. Então, a sessão inaugural teria o filme de Emir Kusturica, Gato Preto, Gato Branco, realizado em 1998. Pela película andam ciganos que habitam nas margens do Danúbio, os seus negócios mal afamados com os russos, desvios de comboios com gasolina de Belgrado com destino à Turquia, uma atiradora furtiva que atira aos barcos sobre as águas e ainda Dadan, o patriarca da comunidade que possui um harém. Enfim, a desbunda típica dos filmes de Kusturica com muita música e charangas à mistura.