domingo, 8 de junho de 2025

O Novo Flâneur de Ana Hatherly

 O novo flâneur urbano
herdeiro 
do velho alegorista baudelariano
deambula 
pelas grandes superfícies
do consumo 
onde se exibem
da produção
os ruidosos traços 

Aí 
tudo está encenado
e entre a carência e a oferta
personagens principais
deste espectáculo
o novo flâneur
contempla 
e depois sucumbe 
no mercantil mar iluminado
onde cintila
a avidez jamais satisfeita 
do mais querer 

Porque algo sempre falta
e o desejo 
tudo dilacera 
numa batalha
de antemão perdida
em que o sangue-frio 
não serve p´ra nada.
II
O novo flâneur
navega 
num informático oceano
feito de simulacros
de imaginadas redes de sentido

Olha o écran
o novo espelho 
que figura e desfigura 
o seu medo maior

Onde é que há 
um espelho que tranquilize?
A imagem é só ela:
uma constelação de impasses
um palimpsesto 
feito de interfaces

in Itinerários, Quasi Edições, 2003.

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