segunda-feira, 30 de maio de 2022

"O Mar Quantas Vezes" de Naná da Ribeira

 O mar quantas vezes 
três araucárias apenas 
e ele de frente

"Casa" de Pedro da Silveira

Constrói a tua casa, mas de pedra,
e os alicerces que tenham
o fundamento que em ti achaste.
As madeiras sejam das mais duras
e secas como os antigos sabiam
que se secam as madeiras de obra.
Não deixes nada ao descuido
dos que não vão habitá-la,
nada à pressa desses
que sem amor constroem.
Cada janela, cada porta,
cada quarto e os corredores
no espaço certo: tudo
tão certo e próprio como depois
não te sentires nunca estranho
na casa que construíste.
E não é necessário que seja
uma casa grande. Seja
apenas a tua casa, medida
pelo tamanho de a habitares
como habitas o teu corpo:
uma casa que respire
e se alegre ou entristeça
como tu respiras, como
sabes rir, ou como
te entristeças. Uma casa
verdadeiramente a tua casa,
que construíste e sobreviva
a todas as tuas mortes.

Verso de Nick Cave

 You are a little mystery to me

quinta-feira, 26 de maio de 2022

2022: O Ano do Tremor Suave!

    Em 2023, o festival Tremor, evento musical que acontece anualmente na ilha de São Miguel, Açores, irá atingir a sua décima edição e decorrerá entre os dias 28 de Março e 1 de Abril. Muito provavelmente, nessa altura, já a cidade de Ponta Delgada e o arquipélago açoriano estarão com a candidatura da Capital Europeia da Cultura de 2027 em andamento. O festival Tremor, conjuntamente com o Walk and Talk e o Arquipélafo - Centro de Artes Contemporâneas, serão, certamente, as maiores alavancas hodiernas dessa projeção da cultura arquipelágica, tanto nacional como internacionalmente.
Fotografia de Carlos Melo
    Terminou, pois, a nona edição do Tremor nos idos de Abril, passada com a costumeira ciranda de gente em torno dos concertos e de músicos oriundos de diferentes geografias. Para quem ainda desconhece o evento, este é um festival que se pauta pela descoberta e a diversidade sonora, enquanto permite o encontro do público com a beleza natural dos espaços insulares. Assim, surpreendente continua a ser o “Tremor na Estufa”, uma invenção que prima pela combinação da natureza ou edifícios monumentais da ilha com os diferentes géneros musicais que o festival abarca. Ao longo desta década de existência, já passaram pelos diferentes “palcos” da ilha a sonoridade dos Ferro Gaita de Cabo Verde ou os Circuit des Yeux dos Estados Unidos, para além dos portugueses - Filho da Mãe, Clã, Lena d´Água, Três Tristes Tigres, David Bruno, Pop Dell ‘Arte, entre tantos outros.
    Assim, o encerramento desta nona edição deu-se, como vendo sendo hábito, no interior do centenário Coliseu Micaelense. No início da noite, o palco foi entregue à voz quente e melancólica de Rodrigo Amarante. O carioca apresentou-se sozinho em palco, com uma camisa acabada de passar a ferro, e com a sapiência de ser compreendido por uma audiência que, quando o encontrava nas praças ou nas ruas da cidade, pedia-lhe para tocar “aquela” ou tocar a “outra”. Um dos momentos altos do concerto do concerto deu-se com “Irene”, sobretudo quando este entoou os versos: “Milagre seria não ter/O amor, essa rima breve/Que o brilho da lua cheia/Acorda de um sono leve.” Duas horas antes, o paulistano Sessa já tinha dado o mote para um mundo a necessitar de (re) encantamento, arrebatando o público presente no Auditório Camões com a apresentação do seu primeiro disco a solo - “Grandeza”. Sessa é, sem dúvida, um músico que carrega consigo toda a herança musical brasileira, possuidor do cheirinho e devoção a Cartola ou João Donato. É muita linda a sua entrega em palco, numa fala tímida e suave marcadas pelo gosto da bossa e do dedilhar do violão.
   Por último, não se pode deixar de falar da importância deste Festival para a comunidade. Nesta edição houve cozinhas comunitárias em Rabo de Peixe, sendo que os seus habitantes abriram as suas casas para a degustação gastronómica dos visitantes. Todos os anos há também a maravilha e o entusiasmo das atuações da Associação de Surdos de São Miguel + Onda Amarela (este ano com o Coral de São José) ou ainda a Orquestra de Jazz de Rabo de Peixe, que contou com a direção de Rodrigo Amado. Um festival que se quer da ilha e da ilha para o mundo.

segunda-feira, 23 de maio de 2022

FALTA#4: Agora nos Escaparates!

    A FALTA#4 está agora no silêncio dos escaparates e das estantes das livrarias e galerias à procura dos seus leitores. Por isso, há quem se lembre de questionar o seu conteúdo dedicado totalmente à FORÇA, e que conta com contributos de gente de muitas áreas e oriundas das mais variadas geografias, uma entrevista ao fotógrafo Alberto Garcia-Alix, outra à cantora Maria Carolina, ainda um Questionário Marado ao cineasta Luís Filipe Rocha e um Quizazórico. É mais número para guardar e colecionar nesta edição com 250 exemplares e com uma capa bem apelativa realizada em serigrafia.

Do Poder

     "Aquilo que nos acontece no dia-a-dia, não é tanto resultado de acasos mas sim de decisões de um núcleo de poder. O que acontece no mundo vem desses vários núcleos de poder e os cidadãos podem estar mais próximos ou afastados deles. É fundamental que esses núcleos sejam ocupados pela cidadania, pela participação das pessoas."

José Carlos Barros, in Ipsílon, sexta-feira, 20 de Maio de 2022

domingo, 22 de maio de 2022

"Eden", de Daniel Blaufuks

 Logo a abrir este documentário de 64 minutos, realizado por Daniel Blaufucks e produzido por Fernando Vendrell, uma frase da condição de ilhéu fica a pairar: “O mar e o cinema eram as únicas formas de sair da ilha.” É, sem dúvida, este o mote para o que iremos ver e ouvir a seguir numa sala de cinema desabitada enquanto palco de memórias e nostalgia. O cenário? São Vicente, arquipélago de Cabo Verde
  È, assim, no cenário do já extinto cinema Eden, em São Vicente, Cabo Verde, que pressentimos a existência e a memória do que este foi e representou para os cabo-verdianos, sobretudo a sua história e suas ocorrências. É interessante, sobretudo, pelos depoimentos de pessoas que vivenciaram de perto aquelas “memórias”, a evocação dos títulos traduzidos e pelos cartazes dos filmes apresentados que se vão desfiando episódios e narrativas em tornos daquelas concorridas sessões. E, como não podia deixar de ser, o filme tem mornas, coladeira e imagens de arquivo!
    “Eden” é, portanto, um depósito de histórias de um cinema insular enquanto este foi fecundo e promissor…um verdadeiro cinema paraíso!

sábado, 7 de maio de 2022

FALTA#4: Que Força é Essa?

     “Que força é essa?”, perguntava Sérgio Godinho na canção que abria o seu primeiro LP, Os Sobreviventes. O álbum foi gravado em abril de 1971, numa vivenda nos arredores de Paris, curiosamente no mesmo estúdio onde, também nesse ano, foram gravados Cantigas do Maio, de José Afonso, e Mudam-se os tempo, mudam-se as vontades, de José Mário Branco."

Miguel Cardina in FALTA#4, edição de Maio de 2022.

terça-feira, 3 de maio de 2022

FALTA#4: Sob o Signo da Força!

     Esta FALTA#4 conta com os contributos literários e artísticos de autores de várias geografias e de áreas artísticas bem diferentes. Há, portanto, muito para ver e ler em 74 páginas numa edição de 250 exemplares.

    Podemos ler ensaios, sobre resiliência ou música, ver ilustrações,fotografias,mergulhar em poesia ou prosa poética, ou prosa tão só.
    Temos que destacar a entrevista ao fotógrafo castelhano Alberto Garcia Alix, o artigo sobre a cantora Maria Carolina, o Questionário Marado, que  questionou o realizador de cinema, Luís Filipe Rocha, o Quizazórico e o Interrogatório ao empreendedor de esculturas de grande porte - Teodoro Borra D´Ércules e, por fim, uma playlist assinada por Luís San Payo.
FALTA

"A Minha Primeira Bicicleta" de João Habitualmente

Foi nela que visitei o sol

E a praia. E o sal
levou-me também às primeiras raparigas

A minha bicicleta 
era o sol - e a própria viagem astral

in Um dia tudo isto será meu (uma antologia), elogio da sombra, Porto Editora, Setembro de 2019.

domingo, 1 de maio de 2022

O Maio de Raul Brandão

    "Era decerto condão das flores - mas também de Maio que chegou, com a sua magia e o seu sonho. Rebentaram novas fontes, e a terra dila-eis agitada e viva. Sob o chão que calcamos correm rios de tintas que transbordam e cobrem as árvores de roxo, púrpura, de verde."

in "A Pedra ainda espera dar Flor", Organização de Vasco Rosa, Quetzal edições, (Brasil-Portugal, Lisboa, 16 de Maio de 1901, pp.125.26. Tb.in Vimaranense, Guimarães, 5 de Maio de 1917, p.1).

Da Máscara

 "Todos somos uma espécie de teatro, e quando escrevemos, ainda mais. A escrita para o outro é abraçar isso, conscientemente. A escrita para nós é fingir que isso não existe. Mas agora, em vez de acreditar na pureza, tento dizer algo de genuíno por outro caminho. Quando pomos uma máscara, o nosso corpo mexe-se de forma diferente. Somos impelidos a inventar ou imitar uma personagem. Nós estamos nessa invenção, que é uma faceta do que somos."

Rodrigo Amarante entrevistado por Lia Pereira, Revista Expresso, 14 de Abril de 2022.