domingo, 30 de junho de 2013

Vinho Lilás

"When I think more than I want think
Do things that never should do
I drink much more than I want drink
Because that brings me back you"



Lilac Wine, refrão da letra de J. Shelton, originalmente cantada por Elkie Brooks, depois por Nina Simone e Jeff Buckley.

sábado, 29 de junho de 2013

Luis Brum a "muralizar"

Desenho seleccionado para o Entre Pólos 2013

O artista açoriano Luís Brum, natural dos Biscoitos da Ilha Terceira, encontra-se neste momento a pintar um mural no final da rua de São João, bem junto das vistas para o Monte Brasil. Durante um mês quem por ali passar poderá assistir ao vivo à pintura de uma parede devoluta e com um pouco de sorte poderá assistir ao amadurecimento de frutos do maracujazeiro.
 A exposição inicial de Luís Brum deu-se na ilha Terceira em 2011 no Foyer do Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo apelidada de “Antropomorfismo Urbano”. No final do mês de Maio  deste ano o Instituto Açoriano de Cultura encetou na sua galeria (Alto das Covas) uma mostra de desenhos de Luís Brum cognominada «A propósito de Natália…Entre linhas e letras» e que continuará aberta ao público até final de Julho. O desenhador também tem neste momento três obras na exposição do colectivo Re-function no Museu de Angra do Heroísmo.
 É tempo, portanto, de seguir com atenção este jovem autor açoriano, detentor de uma capacidade de trabalho notável, um imaginário multifacetado em expansão, uma disponibilidade muita enérgica e veemente em abrir e jogar com a sua paleta de referências, ao mesmo tempo que tem um gosto especial pela quebra das convenções...mesmo “muralizando”.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Azul a flux

Fotografia de Tânia Santos
(São Jorge)

Viver numa Ilha

Ilustração de Pedro Valim

       Encontrei Eunice ao cair do dia num fim de tarde de cansaço e de afazeres. Esta trazia no entanto os olhos muito brilhantes e o cabelo arrumado, tipo ondas, doirado como sempre. Não nos víamos há tamanho tempo daí a sua demonstração de surpresa quando me cumprimentou de forma coloquial com um sonoro e interrogativo:- Como anda o senhor que passa a vida a vida a fazer guias turísticos? Pediu-me desculpas por nunca mais ter dito nada desde que nos vimos da última vez, numa daquelas noites em que proferimos palavras de circunstância misturadas com outras meio estranhas e da ordem do mistério. Demonstrei-lhe sensatez e que nada daquilo tinha abalado a minha confiança e o meu interesse em conversar com ela. Eunice tinha saído da ilha durante algum tempo e por isso queria saber como é que eu aguentava viver neste isolamento sem asfixia ou limitações. “Nós sem querer acabamos por viver sempre numa ilha”, aludiu para atestar o meu grau de pureza insular. Falei-lhe do nosso programa pessoal de ir ao encontro de pessoas que se encontram na mesma situação e que somos muitas vezes nós que alimentamos e oxigenamos os nossos sentimentos com aqueles que se avizinham. Curioso, a Eunice, a mencionar a necessidade de passarmos um pano no passado, de não sermos absurdamente exigentes e de fazermos um esforço por ter um caderno de encargos compatível com quem nos rodeia, para além de não elevar o patamar de expectativas. Eunice deu-me a entender que eu talvez fosse uma pessoa muito diferente dela, demasiado ambicioso para os parâmetros dela e para as suas expectativas de mulher ainda jovem. Eu fiquei a pensar que muito embora ela fosse uns anos mais nova, dizia-me sempre coisas muita mais acertadas e muito mais interessantes do que alguém da mesma idade que eu. Eunice e eu sabíamos o que era estarmos enamorados por outras pessoas mas, porventura, muito mais do que paixão e amor nós precisaríamos mesmo é de ter coisas em comum com o parceiro ou parceira que arranjássemos. Eu sabia de antemão que, em primeiro lugar, não me coadunaria num ideal de parceiro para ela. Ela tinha uma teoria sobre quem escrevia e vendia os seus próprios textos. E por isso Eunice escrevia longos textos absorvendo com intensidade todos os pormenores e detalhes das histórias que eu lhe contava. Pela primeira vez, vi Eunice preocupada com o meu bem-estar, dizendo que eu não deveria fumar tanto nem ficar recluso tanto tempo em casa, que devia fazer as refeições a horas certas e que devia tentar dormir pelo menos oito horas por dia, no fundo, ter juízo. O que seria da vida sem literatura, redarguiu ao mesmo tempo que percebia o quanto ela necessitava de material, que era aquilo que eu me encontrava a fazer. Contou-me entrementes a relevância de viver uma história com alguém do que não viver absolutamente nada porque se evita ou se foge. Enunciei a Eunice que tinha vivido muito pouco histórias de amor, ainda que me encontrasse desgastado e sem energia e que já não sabia como libertar-me, nem como evadir-me do meu próprio programa em que me encontrava preso, por sinal, bem amarrado. Eunice transmitiu-me que ter uma relação com alguém tem que valer a pena. E que para merecer ou encontrar alguém tinha que ser uma pessoa que fizesse sobressair o melhor de cada um e que aceitasse o pior de nós.  Eunice demonstrava-se desiludida por ainda existir o mito dos príncipes encantados. E que para que isso acontecesse era necessário apagar o passado e estar predisposto e aberto a que novas coisas pudessem acontecer. Eunice elogiava-me a minha capacidade de ser livre pensador e a criatividade na execução de guias turísticos muito bem documentados. Mal ela sabia que eu admirava o que ela escrevia e o quanto o que ela escrevia era relevante para a minha existência. Chegou entretanto a melhor amiga de Eunice. Ela teve que se afastar e decidiu ir embora. Só me restou dizer que tinha gostado muito de estar com ela, que podíamos estar juntos mais vezes e que iria sair mais vezes ao fim da tarde para ver se o acaso nos punha em sintonia com o mundo. O guia estava quase pronto mas eu não sabia como terminá-lo. 

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Tempo

And it's Time Time Time
And it's Time Time Time
And it's Time Time Time
that you love
And it's Time Time Time


 Tom Waits

Ouvíamos o Time daquele músico americano da voz grossa. Em silêncio. A madrugada passou e nunca nada se aclarou. Tudo se inquietou em redor. Adormecemos. Envelhecemos mais um dia. Descubro-te algures a partilhar as letras e paisagens evocadas pelo músico.O turbilhão sensitivo expande-se agora pelas palavras adentro e já não sabemos da pregação aos peixes na aflição da dor e da ausência. É tempo de de cobrir o tempo de flores e de beijos. É tempo. 

domingo, 23 de junho de 2013

Ontem escrito numa parede da cidade

     "Perdido, rumarei pela cidade. Procurarei e sei que talvez não encontrarei.Tenho quase a certeza que não vislumbrarei o teu sorriso. Mas no final da noite saberei que um sorriso como o teu vale sempre a pena procurar."

Rugas


Fotografia Pessoal
Lajido, Ilha do Pico, 2012 

sábado, 22 de junho de 2013

sexta-feira, 21 de junho de 2013

A verdadeira mudança

" A única pessoa que muda de verdade a face do planeta é aquele que lavra modestamente o seu terreno".

in Aforismos de Ramon Gomez de la Serna.

 *Tradução:Jorge Silva Melo

Energia e Ética

Sei isto: a minha energia está canalizada
Para a palavra fazer, gosto da ideia de construção
E o que dela existe nos movimentos normais.
Agrada-me a palavra engenharia e o que ela
Representa: não saias de um sítio sem deixares algo
Atrás de ti. Dirijo-me apenas às coisas que me excitam
Positivamente e me levam a fazer outras coisas, dirijo-me
Às pessoas de que gosto, nunca às de que não gosto;
Sempre me pareceu insensato que se pare,
Nem que por um momento, de admirar, há
Sempre actos e coisas que nos ajudam
neste cálculo infernal da distância entre o dia de hoje
e a nossa própria morte. E qualquer pessoa dar um passo que seja
em direcção ao que não aprecia, para insultar, derrubar,
parece-me uma brutal perda de tempo, uma falha grave
no órgão de admirar o mundo
(deves combater uma combater uma ou duas vezes na vida,
se combateres duzentas vezes
é porque os combates são fracos)
Não sei pois como viver. O que li e vi
serve-me apenas para ser mais lúcido, não
Para ser melhor pessoa. Adquiri esta regra (ou nasci com ela)
-e é talvez uma moral-
mover-me apenas em direcção ao que gosto
se o prédio alto, escuro, feio
me impede de ver o sol, não fico a insultá-lo, não
moverei um dedo para o deitar abaixo:
contorno sim os edíficios necessários
até chegar ao espaço de onde possa receber aquilo que
quero. Se chegar lá de noite, montarei acampamento.



Gonçalo M. Tavares, Livro 1, Relógio de Água 2004

quinta-feira, 20 de junho de 2013

"As Ilhas Desconhecidas" com fotografia.

As Ilhas Desconhecidas(1926)

O livro de Raul Brandão é um monumento, uma ode amorosa ao arquipélago açoriano e não só. Jorge Barros, fotógrafo, aproveitou-se do que está lá escrito para fotografar, com técnica e espanto, as ilhas que o escritor "pintou". Com a máquina fotográfica feita verbo, olhar e conhecimento de um profundo viajante. A descrição que Raul Brandão faz das ilhas açorianas assusta, impressiona e ilustra como ninguém o deslumbramento destas ilhas atlânticas. Um livro  que deixou lastro, divagação e utopia.  Hoje, pelas 18 horas, no Palácio dos Capitães Generais, a fotografia e a palavra, lado a lado, para ler, ver e sentir.  

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Tempo de duração

"Como dava beijos lentos, duravam-lhe mais os amores".

in Aforismos de Ramon Gomez de la Serna.


*Tradução:Jorge Silva Melo

terça-feira, 18 de junho de 2013

Phillipa Cardoso: um pouco de arte por dia…no Auditório do Ramo Grande.

Lilac Isle de Phillipa Cardoso

Phillipa Cardoso é pintora e, por vezes, também ilustradora. Nasceu em Toronto, Canadá, em 1979 e regressou à Ilha Terceira e a Angra do Heroísmo em 1994, quando tinha apenas quinze anos.
Frequentou o curso superior de Artes Plásticas-Pintura, na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa e estagiou na Sala Infanto-Juvenil da Biblioteca de Angra do Heroísmo. Actualmente faz parte da direcção da Oficina de Angra, Casa do Sal, leccionando Desenho e Pintura às diversas faixas etárias.
A exposição “Organics/Orgânicas" que iniciou a 14 de Junho no Auditório do Ramo Grande e que se prolongará até dia 14 do próximo mês está dividida em dois grupos ou campos de visionamento: o primeiro, à esquerda de quem entra no auditório do Ramo Grande, é o "Interdimensional Organics /Orgânicas Interdimensionais" onde podemos ver trabalhos mais simples de linha contínua, apelidados pela artista de 'jardins flutuantes'; a segunda parte, à direita, é composta pelos "Illustrated Organics / Orgânicas Ilustradas" com os seus seres fantasmagóricos, criaturas do mundo imaginário da pintora, onde tudo é permitido e é possível coabitar realidades paralelas desse universo.
 Os trabalhos de Phillipa Cardoso revelam um mundo onírico carregado de fantasia e sonho, com alguma metafísica à mistura, traços delicados que contemplam uma miscelânea de cores, esboços, e contornos típicos de um ser perceptível em busca de quimeras e utopias da cor, um corpo inevitavelmente poroso e permeável ao brotar da luz, das formas e feições. A procura da outras dimensões do existir é uma constante na autora, habitando o nosso olhar nesses mundos possíveis ou visões mais afastadas ou globais da existência, ao mesmo tempo que aquilo que é ilustrado fosse um aprofundamento, um zoom do que se passa nas flutuações anteriores.
A Phillipa acredita no poder da arte, enquanto expressão, manifestação e capacidade de um impulso cósmico, motivador de enlaces e criador de afectos. Ela acredita na união entre as pessoas e na habilidade colectiva de juntar forças e prosseguir viagens no plural. Sabe que arte pode preencher uma ou várias vidas, e por isso não desiste de promover encontros e cruzamentos entre as diversas artes na Casa do Sal.
Em Agosto de 2012 escreveu um texto para o desaparecido suplemento do Jornal União (com pena nossa, leitores!), que findava com uma frase que faz lembrar uma máxima retirada dos manuais: “um pouco de arte por dia, não sabe o bem que lhe fazia” e…há quem diga que é verdade!


segunda-feira, 17 de junho de 2013

Rente

Como se quisesse estar rente
E avistasse o barco ao longe
Por vezes a vaga se aproximava
E o azul do mar em mim batia

Anemómetro

Como passear contra o vento
um metro e setenta e tal
de melancolia?

sexta-feira, 14 de junho de 2013

"Ok, essa é a sua opinião"

Há anos estava no Funchal a fazer Beckett, no Teatro Baltazar Dias, que é uma casa lindíssima, quando vi na avenida muitos carros pretos a parar. De um deles saiu o Pik Bota, o Presidente de África do Sul, que visitava a Madeira. Não me contive e comecei a gritar, de punho erguido, “ANC, Mandela”, “You are racist” – uma vergonha, reconheço. O Bota foi, no entanto, impecável, virou-se para mim e disse: “OK, essa é a sua opinião.”
Mário Viegas contou este episódio numa das suas últimas entrevistas, há precisamente dez anos, ao jornalista Fernando Dacosta, à revista semanal do Jornal Público.

A Indiferença

     “Odeio a indiferença …Um homem não pode viver verdadeiramente sem ser um cidadão e sem resistir. A indiferença é a abulia, o parasitismo e a cobardia, não a vida.”

António Gramsci (1891-1937)

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Falhar

Por vezes sabemos que falhamos. Falhamos, no entanto, muitas vezes. Porventura, ao longo da vida falhamos mais vezes do que acertamos. E em vez de tentar, à semelhança do que diria, Beckett, a ideia é ir falhando cada vez melhor. O outro que nós julgamos que nos reflectia e devolvia o espelho, o interesse, o entusiasmo, o gosto e a dedicação nem sempre é capaz de o fazer, demonstrar, expressar. Foram meses de dedicação, empenho, atenção e, inclusive, descoberta, curiosidade e divulgação de coisas que estavam por ali a fervilhar. Deve ter sido para isso que me devo ter cruzado na vida daquela pessoa. Bastou sair de cena, desocupar o palco e não houve qualquer gesto, uma palavra, uma pergunta ou que quer que fosse. Agora pede-me para exercer o direito de voto num concurso. Não o farei. Não o direi. Prefiro falhar. Se possível, em silêncio. 

terça-feira, 11 de junho de 2013

A beleza e a perfeição

“Tudo o que é belo e perfeito é apenas determinado pelo seu significado para a nossa vida emocional, não necessitando de nos sobreviver.”

Freud

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Girassóis

Fotografia de Tiago Rodrigues

São horas dolentes à janela, retendo
A luz da tensa espera em prumo claro
Jangadas de esperança em fina ardência
Que da torrente se anunciam fulgurantes
Acelerada combustão
Trazem com elas sal à memória
Luminosos dias que se apagaram
O vento que soprava a favor, amainou,
A carga dos cargueiros ao cair da tarde
E o baloiço infantil em pleno porto
Baloiçando
Tantas vezes denunciam as horas
A infinita tristeza dos girassóis
Daqueles que se inclinam à noite
Ou dos que raramente se escondem
Expondo-se de forma desdenhosa
À claridade

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Banana do Pico no “Amostram´isse” de Angra do Heroísmo


Banana do Pico é um documento fílmico iniciático, porventura um trabalho cinematográfico de fim de curso, mas nem por isso deixa de ser um objecto valioso, confirmando-se assim o reconhecimento e os prémios obtidos pelos festivais por onde tem passado. Desta forma, só há que louvar esta belíssima mostra de cinema açoriano intitulada “Amostram´isse”, prenúncio de dinamismo e alavanca exibicional há muito necessária desta pequena mas vital cinematografia produzida em solo açoriano e que merece uma divulgação condizente. Angra do Heroísmo foi, já que termina hoje à noite, a primeira a abrir as “hostilidades”…seguem-se Horta, Ponta Delgada e Lisboa.   
O que fazer depois do curso de cinema terminado? Deve ter sido esta a pergunta que o realizador de cinema Luís Bicudo, natural da Ilha do Faial, deve ter feito num país em que ser cineasta pode bem ser uma miragem, um sonho adiado ou uma batalha infinita pela obtenção de boas condições (financeiras, e não só!) para filmar e seguir adiante nessa profissão e labor da sétima arte. Daí este retorno às origens para filmar a casa dos avós, a ilha das suas férias estivais, as lembranças e memórias de infância e adolescência ali passadas ou ainda o reencontro com o bananal que serviu de espaço para brincadeiras e peripécias. “Banana do Pico” é, portanto, um objecto nostálgico mas tem a vitalidade de fazer perguntas certeiras e acutilantes num momento preciso, agora que já passaram três anos (o documentário é de 2010). O que Luís Bicudo nos mostra neste documentário até à exaustão é que pode existir um regresso doce às raízes, à infância e aos afectos vividos em Santa Cruz das Ribeiras, Ilha do Pico. O que depois fazer com a permanência parece ser a grande dificuldade dos que voltam aos lugares aonde foram felizes, já dizia Cesare Pavese, escritor italiano. Será que devemos continuar aquilo que outros começaram? Este documento levanta, portanto, questões muito sérias sobre os jovens açorianos que partem com o fito de melhorar a sua formação e um dia “decidem” voltar àquilo a que muitos apelidam de “terrinha”. Poderão eles trabalhar naquilo em que mais gostam nestas suas ilhas de nascimento? Poderão trabalhar a terra e produzir filmes numa ilha no meio do atlântico? O jovem cineasta empreendeu assim uma viagem às raízes para atestar a sua posição enquanto cidadão açoriano e atestar também a validade da sua cidadania num mundo que se globalizou pela negativa e em que o consumo e a distribuição de bananas à escala planetária não é alheia. Estes vinte e seis minutos são um importante documento de reflexão sobre o que são ou poderão vir a ser as Ilhas dos Açores muito em breve, isto é, serão lugares de esperança e estímulos para os que regressam ou o abandono e desespero total para os que ficam? O mesmo acontece com Santa Cruz das Ribeiras, a freguesia picarota que agora já não é o mesmo lugar, pois foi filmada com alma e coração de ilhéu, deixando de ser só o ponto de onde partem bananas para todo o arquipélago açoriano e antigo poiso de baleeiros mas também o sítio escolhido para filmar uma memória, uma passagem, uma vida e habitat açoriano a que muita gente quis ver, assistir e…sentir.

Por fim, lembre-se a abertura do filme quando o avó do realizador, Francisco Soares da Silva, disfere um rude golpe de asa à juventude actual: “Se eles não quiserem trabalhar hão-de comer amoras, de silvado.” Há nestas palavras um pessimismo quanto ao futuro, um lado lunar que se nos cola ao corpo lusitano e à fatalidade do destino, como se alguém com muita, muita experiência, nos viesse dizer que tanto as bananas bem como o cinema necessitam de toda a nossa dedicação, empenho e, porque não expressá-la, da nossa infinita devoção. 

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Crescimento Económico

"O crescimento económico pode um dia transformar-se numa maldição em vez de um bem"
Hannah Arendt
(1906-1975)

terça-feira, 4 de junho de 2013

J.P. Simões apresentou “ROMA” no Alpendre

Capa de João Lázaro
Há quase dez anos foi ao som da valsa que os “Quinteto Tati” na voz de J.P.Simões anunciavam uma Primavera, malgrado o laço e o verso, bem deprimida: “Dança comigo a primeira valsa da Primavera/dança sem sonhos/ esquece as promessas/ ninguém nos espera/ Já enchi os dias de lutas vazias/ estou gasto, cansado, dormente./ E um pouco de sexo ou muita poesia/ ainda não fico indiferente.” O álbum “1970” trouxe um J.P. Simões na demanda da sua geração, um trovador mimético dos cantores que ama e venera, repleto de fisgas certeiras a expurgar melancolia aos molhos, a espremer os pontos negros da tristeza que lhe tolhia os gestos e movimentos, ao mesmo tempo que procurava a bússola de velhos náufragos sem rumo nem navegação à vista. Os anos passaram, e, se é um facto que a estação primaveril continua em exílio profundo por estas bandas, ainda que pedindo algum conforto ao amor e à poesia para organizar esta terapia profunda e morosa em que nos encontramos, olhamos à nossa volta e gostaríamos tanto que alguma coisa tivesse mudado. Havia, no entanto, a convicção de que era necessário menear os remos e lançar jangadas ao mar. Entretanto surgiu um dueto com Márcia e a canção “A Pele que Há em Mim (Quando o Dia Entardeceu)” elevou-se em estrondosa popularidade e fazendo com que o antigo cantor dos "Belle Chase Hotel" permanecesse no patamar dos cantores românticos com nódoas no coração. Nada de grave, sem retirar qualidade ao duo, apenas alguma exposição prolongada em vitrines de fancaria. Por conseguinte, a fama não retirou a seiva nem sangue na guelra e ei-lo de volta como se tivesse limpo o nevoeiro sebastiânico do momento, deslocando o ponteiro das emoções e libertando o jorro da velha fonte. J.P. Simões encheu-se assim de alegria e decidiu brotar energia e flechas coloridas com pontaria bem afinada, num novo disco intitulado ROMA para lembrar que o amor também  tem o seu contrário. Retome-se então o florido encontro com J.P.Simões com tantos músicos de origem brasileira, escutemos o deslizar da sua mão direita em modo babelia, cantando e bebendo em línguas diferentes, clamando atenção para os coros de Luanda Cozetti, confirmando o pleno de tantas emoções primaveris em catadupa, nunca deixando de provocar e inquietar: “Gosto de me drogar/de beber como um louco/acho sempre que é pouco/quero engolir o mar/só assim me suporto/e então não me importo/de ouvir cantar o fado/e ficar deslumbrado com.../sei lá o quê”. Quem assistiu ao concerto no auditório do Alpendre, no passado dia 1 de Junho, logo na abertura cedeu perante a ousadia do cantautor: “Desliguem os vossos pacemakers!” e, assim pôde assistir ao desfilar de um conjunto de canções que espalha perfume, desencanta pérolas e remete o nosso universo de símbolos gastos para outra realidade que não aquela em que estamos submersos com as palavras do costume. Era tão bom que mais ouvidos se virem do avesso, fiquem retorcidos e entoem este ROMA, aquecendo os seus empedernidos corações e se deixem ir por “La Strada”. A determinada altura, J.P. Simões citou um curioso epitáfio de Alexandre O´Neill, tocou fogosa “Inquietação” de José Mário Branco, e vergou-se perante os músicos irmãos brasileiros em "Carnaval Radioactivo"…não parou nunca de ironizar e regozijar-se com o mundo em que vive. Caso para dizer em plena madrugada angrense: mas que grande des (concerto)!!!