quinta-feira, 29 de junho de 2017

Resposta a Janeiro Antes Deste ir a Banhos

Caro Janeiro Alves,

Acuso a recepção entusiasta da sua ferial missiva, típica de um homem que sabe que só o verão vale a pena e que esta é a mais louca, livre e estouvada das estações. Na canícula, creio, temos tudo para sermos felizes excepto os grilos. Nada contra os seus cânticos mecânicos e repetitivos mas desconfio que na infância suportava muito melhor o seu rebarbativo rumor. De certeza que e, fazendo jus à sua carta estival sobre os doutores e engenheiros que partiram de férias e que não mais regressaram, estes deverão, pelo menos, lembrar-se do trilar, ou melhor, do “gri-gri” de outros verões.
Também eu, amigo Janeiro, continuo entusiasmado com o turismo e sobretudo com a sua capacidade de irradiação. Imagine só que há instantes, nesta cidade em que me calhou viver, me vieram interrogar se estaria disponível para vender esta missiva que me encontro a escrevinhar para si. Segundo o casal de jovens turistas, no seu país de origem desconhecem já o que é a caligrafia e o próprio acto de escrever missivas em esplanadas. Este acto quotidiano tornou-se, porventura, excêntrico. Por sinal, até me queriam oferecer bom dinheiro mas disse-lhe que podiam fazer um registo fotográfico e que procurassem um lugar na sombra. Curiosamente, enquanto insistiam na aquisição da missiva, o empregado do café proferiu num português arrematado e doce: “Vocês querem é mamar!”. Estes, embebecidos e discretos, afastaram-se da mesa sem antes dizer: “You are really an artist!”
E o aluguer de casas? O meu amigo nem queira saber mas há dias passei nas ruas do agora denominado "Centro Histórico" e reparei que as casas onde tinha morado são agora sítios de alojamento local. Ainda bem que fui salvo a tempo pela nossa amiga Miriam que me arrendou um pequeno tugúrio baratinho junto do mar e que me serve, essencialmente, para assentar a moleirinha e o costado durante a noite. 
Por último, auguro-lhe assim umas férias inesquecíveis e espero que volte pois estou já a salivar pelo envio dum tupperware de filetes de peixe que seguramente me enviará da cidade mais piscatória do sotavento algarvio: Olhão!
 Com elevada estima,
Doutor Mara

Uma Ferial Missiva de Janeiro Alves

Caro Doutor Mara,

Noticio-lhe de forma entusiasta o seguinte acontecimento: Eu, Janeiro Alves, vou de férias. Finalmente ausentar-me-ei da minha presente localização geográfica, para surgir num desses resorts com tudo incluído e abanadores de folha de palmeira, vestido a rigor e preceito, com camisa às flores e colar ao peito. Já tenho comigo os panfletos, e posso dizer-lhe que o empreendimento para onde vou é de segmento alto, bem climatizado e bem frequentado, e com ambiente exótico e ornamentos tropicais, apesar de ser no Algarve junto a uns estaleiros navais. Se o Doutor pudesse vislumbrar estas fotos coloridas de encher o olho, poderia fazer uma pequena ideia da sensação caribenha que me invade neste momento. E imagine que tudo isto não me custará um tostão! Apenas tenho de ir levantar o voucher a um hotel aqui nas redondezas, e assistir a uma pequena reunião de apresentação de um colchão. É coisa para meia hora.
Doutor Mara, neste momento tenho os olhos como que raiados de sangue e o coração a palpitar como uma criança, pela efémera e ilusória felicidade proporcionada por esta incursão ao fantástico mundo do turismo. Já me imagino bronzeado a dançar quizomba junto às piscinas com as belas monitoras e animadoras culturais. Vai ser demais, Doutor! Debruço-me porém sobre uma problemática, a meu ver razoável dentro daquilo que são os padrões superiormente estabelecidos para a boa saúde mental, mas esgotante neste meu processo de circunstancial euforia: E se eu não voltar? Conheço alguns indivíduos que foram de férias e nunca mais voltaram. Inclusivamente Doutores e Engenheiros, que estavam bem na vida. O mais longe que tenho ido ultimamente é a Sacavém, e como o Doutor bem sabe, tenho uma certa tendência para viver as consequências do meu constante deslumbre. Hoje posso ter uma certa contenção, amanhã já não. Hoje sou o respeitável Senhor Janeiro, boa tarde, como está, prazer em vê-la, e amanhã já sou o Janeirinho rei da festa da espuma, venha mais uma, esta pago eu!
Mas se bem me conhece, não me deixarei vencer por esta grave e hipotética situação. Estou neste momento a fazer as malas onde, pelo sim pelo não, incluo um fato completo, que usarei apenas em situações extremas de necessidade de reposição do meu estatuto e dignidade.
Por fim, manifesto o desejo de saber da sua pessoa, e de como espera atravessar o período estival. Aceitarei a sua habitual resposta - “esperarei sentado que passe a correr” – pois sei que aprecia mais a frescura outonal e as folhas caducas a crepitarem por debaixo dos seus sapatos italianos de cetim afivelados, e assim nada mudará e tudo ficará como sempre foi, ou seja, na mesma. Mas conjecturas à parte, aguardarei a sua resposta enquanto saboreio um cocktail à beira da piscina e lavo as vistas com cloro de alta qualidade.
Deste seu amigo em turismo,
Janeiro Alves