terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O Homem dos Cabelos Compridos

Ilustração de Pedro Valim

Quem é aquele velho ali sentado com cabelos compridos e roupa que mais parecem trapos? Interrogou-se a minha colega de profissão que adora passar horas que junto do computador a elaborar grelhas e gráficos. Uma profissional das estatísticas, sem qualquer dúvida, acredito. Comecei entretanto a discorrer sobre o homem com respeito e admiração o que lhe parecia estranho. Disse-lhe que o homem era uma mente livre e profundo de liberdade, apesar do seu ar pobre, solitário e de anacoreta. Contei-lhe que homens daqueles invulgarmente encontram cabimento nestas sociedades da produção e do consumo. A minha colega ouvia e ria como uma criança para toda a esplanada ouvir, exclamando que tudo o que eu dizia não passava de tontices da cartilha esquerdista aprendida na adolescência, que eu era profundamente romântico na minha visão de homens daquela estirpe. Acrescentei que o homem dos cabelos compridos era um escritor de qual eu tinha lido alguns poemas, um verdadeiro outsider, um daqueles puros que amavam a vida ao ar livre, gostava de ir aos estádio ver jogos de futebol e que não podia deixar de viver junto dos outros através de conversas que vai tendo com os vizinhos, com a leitura de muitos livros e de jornais. E, mesmo assim, ela continuava impassível, metida consigo e disposta a passar para mim o seu ar blasé, mantendo o ar jocoso, interrogativo sobre como eu era capaz de encontrar referência e admiração em personalidades assim. Assim como? Referi mais uma vez que aquele homem era para mim um Fernando Pessoa do nosso tempo, desconfiando apenas que ele fosse casto, dado que o tinha avistado com duas mulheres feitas, ao qual nunca saberei se seriam mãe e filha, ainda que estas se tratassem de forma terna e afectuosa. Não sei. Pagámos a conta e cada um foi à sua vida.