domingo, 31 de julho de 2016

Walk and Talk: Falar e Andar até à Sétima Edição!

Imagem do sítio do Walk and Talk
Ponta Delgada viveu e vibrou durante duas semanas com o festival de arte urbana, o Walk and Talk. Ontem, no espaço da galeria, foram apresentadas as diferentes residências artísticas que tiveram lugar na Ilha de São Miguel, culminando no espaço exterior com um intenso e atmosférico concerto dos Peixe Avião e a animação visual dos VJ Suave. Uma hora antes, o designer Miguel Flor abraçava os organizadores e artistas, referindo a importância da consolidação deste festival, dado este saber acolher e integrar, mobilizar artistas e artesãos numa demanda conjunta, preocupando-se assim em trazer a população para a sua programação, alicerçando cumplicidades. Certo é que pouco mais há a dizer de um festival que junta designers, tipógrafos, artistas plásticos, marceneiros, artesãos de vime ou escama de peixe. Este festival tem, pois, um discurso, sabe criar futuro, exige pensamento crítico e por isso irá continuar a crescer já na sétima edição. Recorde-se que, ao longo destes quinze dias, houve muita música, artes visuais e performativas, não esquecendo, portanto, os "3rd Method" que agitaram e encantaram o público mais curioso e interessado num concerto libertador. Ainda Carolina Rocha que com “Bruto” deixou duas plateias, em dias diferentes, intrigadas e perplexas sobre o que esta performer/dançarina anda a imaginar, pensar, sendo muito bem “sonorizada” e secundada por Tiago Franco, No cinema, houve tempo para assistir a um filme sobre uma dinastia familiar de arquitectos alemã. Um documentário que mais parecia um poema sobre o amor e dedicação à arte de projectar, a sua vibração e passagem de testemunho. Desta feita, e até ao final do dia de hoje, formos espectadores ou participantes de exposições, performances, filmes, animação, intervenções públicas, teatro e ilustração. Venha o próximo que este foi bom e tão cedo não iremos esquecer!

sábado, 30 de julho de 2016

Sala de Embarque: Ensaios

Galeria Arco 8
Regressamos a Santa Clara para mais um dia bem azulado, algumas nuvens comuns -as cumulus- povoam o céu e é de azul e alguns farrapos brancos que nos fazem proferir a palavra deslumbre. O ensaio é da parte da tarde e ali estão novamente os pescadores e as suas artes de pesca. Vivem e trabalham entretidos com os seus misteres, responsabilidades e horários. O cenário é de trabalho continuado, esforçado, orgânico e consistente.
E, após treze ensaios, num trabalho regular podemos reconhecer que a cumplicidade é cada mais notória, tal como a entrega, a partilha, o conhecimento, o saber. Estamos completamente focados nas marcações, nas posturas das personagens. Temos tempo para rever as marcações, há, portanto, que atender ao ritmo de cada um, por isso registamos o vídeo para que depois cada um possa fazer o trabalho de casa.  E, ali está o João, a Margarida, a Liliana e o Henrique, meus cúmplices, que repetem, decoram, assumindo o texto como seu. Por vezes, fazemos um pequeno intervalo para respirar, deixar o ar entrar, e conosco, o texto repousar sobre as nossas cabeças. O tempo estival, esse, é húmido, muito abafado e...açoriano.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

O Pulcro Silêncio de "Clarissas" de André Laranjinha


Fotograma de "Clarissas" de André Laranjinha
André Laranjinha apresentou, ontem à noite, no 9500-Cineclube, no Cine-Solmar, a curta metragem "Clarissas". Num trabalho conjunto, pois contou com a colaboração de Maria Emanuel Albergaria e do Museu Carlos Machado, o autor deste documentário obteve carta branca para filmar no interior do Mosteiro de Nossa Senhora das Mercês, nas Calhetas de Rabo de Peixe. Ao longo de vinte e oito minutos assistimos ao desenrolar da vida de clausura de oito freiras da Ordem Franciscana Feminina, único no arquipélago dos Açores. Num registo fílmico marcado pelo silêncio e contemplação, acompanhamos estas mulheres em oração, vemos o seu trabalho no jardim e na horta, a forma como cuidam dos animais (um "Leão" que só sai à noite!) e ainda a sua dedicação religiosa, bem presente na realização de hóstias para a comunidade católica açoriana.Clarissas” só tem um senão, é curto, daí tornar-se um documentário muito peculiar, dada as suas imagens inéditas e registos orais, contendo planos muito bem definidos e com o devido apreço sobre quem e como se filma. André Laranjinha sabe dominar a arte do enquadramento, filmando planos gerais com muito rigor (a imagem do conjunto das freiras em oração é magistral!) ou aquele contido e belíssimo plano médio de uma freira no seu quarto a ler. Este sabe que cada plano é uma entrada para esse mundo narrativo e estético que nos quer mostrar, exigindo que cada escolha seja certeira, confirmando deste modo que, para além da elegância da montagem, este filme contém muito boas ideias de cinema, pois, à semelhança do que escreveu uma personalidade que lhe é tão cara, Paulo de Cantos,“quem tem cabeça traz tudo o que é bom consigo”.

Ontem, escrito numa parede da cidade

"É possível produzir tomates e rabanetes em Marte."

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Walk and Talk: "Bruto" é Rasgar a Intimidade!

Bruto de Carolina Rocha
(Imagem do sítio do Walk and Talk)
Carolina Rocha apresentou, na noite de ontem, no bonito espaço da casa da Academia das Expressões, sito no Largo de São João, Ponta Delgada, o seu intrigante trabalho intitulado “Bruto”. A performer/dançarina surpreendeu o muito público presente ao brindá-lo com uma recepção com pequenos berlindes, convidando assim a segui-la para um espaço no exterior.  A audiência situou-se de frente para uma parede onde se encontrava o vídeo que projectava a “performance” e com uma “banda sonora” em simultâneo.  Enquanto decorria a projecção avistava-se uma imaginária janela de permeio, permitindo à assistência entrar naquela intimidade – um quarto carregado de folhas enormes de papel a lembrar lençóis e um corpo feminino em permanente movimento -  visualizando assim a tensão e o desatino de quem quer viver, libertar, acalmar e, por fim, recolher esses pedaços e “embrulhos da própria existência". Assim, com uma música carregada de melodia e cadência, parabéns a Tiago Franco, culminou este momento altamente  criativo, carregado de expressividade e imaginação, e que dificilmente se apagará da memória desta edição do Walk and Talk de 2016.

Clarissas de André Laranjinha, hoje à noite, no 9500 Cineclube

Hoje no Cine Solmar, às 21h30

Sinopse do Filme:
 

        Esta curta metragem centra-se no Mosteiro de Nossa Senhora das Mercês, nas Calhetas de Rabo de Peixe, fundado a 2 de janeiro de 1977 por irmãs Clarissas vindas da ilha da Madeira. O mosteiro terá sido construído a partir da casa e da ermida de Nossa Senhora das Mercês e dos terrenos que foram doados à Igreja por António Medeiros Frazão e Maria Leonor Frazão. Antes da extinção das ordens religiosas, em 1832, a Ordem de Santa Clara teve um importante papel nos Açores, havendo inúmeros mosteiros e conventos da Ordem Franciscana feminina.Depois de um século e meio de ausência, a ordem voltou com a criação deste mosteiro, que é agora o único de vida contemplativa e de clausura nos Açores. Neste mosteiro vivem atualmente oito irmãs em clausura, que dedicam o seu quotidiano à oração e ao trabalho, realizam tarefas domésticas, trabalham na horta e no jardim, tratam dos animais e fazem hóstias para toda a comunidade religiosa católica dos Açores.


Genéro: Documentário. Duração: 28 minutos. Ano de realização: 2016

quarta-feira, 27 de julho de 2016

A Cultura e o Quotidiano

     
Programação do Centro Mário Dioníso - Casa da Achada
 Sabe-se que hoje a "cultura" fica bem a qualquer autarquia e hoje não há nenhuma que não ostente o seu festival musical, o seu encontro literário, a sua exposição ou vernissage. Assim a cultura, tal como a antiga, mas sempre actual, pasta dentífrica "Couto", anda na boca de toda a gente. Muitos de nós somos consumidores ocasionais de bens culturais, a maior parte das vezes esses “bens” são provenientes de culturas exteriores à nossa. Nada contra. Há, portanto, muito a fazer para promover novos produtores de cultura, ainda que de cariz universal, incentivar e encorajar os criadores e agentes culturais a apresentar os seus próprios “objectos” artísticos, estabelecer redes de programação e formação de públicos. Na verdade, sabe-se que há tanto por fazer e que o tempo vai passando, adiando o muito que há para concretizar, na maior parte das vezes, só lá para depois das eleições.
                     A título de exemplo, recordo que sempre que fui ao Centro Mário Dionísio - Casa da Achada, em Lisboa, fiquei sempre com vontade de lá voltar. Por ali não entendem a cultura como um luxo supérfluo ou mesmo flor na lapela. Acreditam, isso sim e, sem fazer grande alarido disso, que esta mesma é parte integrante do desenvolvimento pessoal, que aquele espaço pode ser de partilha, de descoberta e, inclusive, de crescimento e realização comunitária. Todos os dias há actividades a decorrer, sinal de quem vive a vida de forma crítica, atenta e apaixonada. Não evitam, mesmo assim, o conflito, o debate, a aprendizagem. Mesmo agora, enquanto escrevo este pequeno texto, atento à experiência de três amigos – um deles de visita turística aos Açores e a São Miguel, e que frequentaram o interior de um edifício majestático e de rara beleza: o “Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas”. Um centro feito supostamente para albergar as artes deste tempo, com uma colecção privada de arte contemporânea, encontrando-se, em plena época alta do turismo e dos visitantes à Ilha, com as salas e paredes vazias e ainda com uma livraria exânime. Caso para dizer, que a cultura, ou até mesmo a arte, por vezes, pode estar onde menos se espera.

Uma Missiva de Janeiro Alves no Jorro de Julho

Caro Doutor Mara,

Tenho estado envolvido nos meus estudos psico-sociais numa floresta tropical tasmânica que plantei meticulosamente no jardim da minha vivenda. Se excluirmos os dias de puro ócio com festas de Black Captain Morgan e mulatas ao som de Trio Matamoros, têm sido dias árduos de trabalho e isolamento, sangue suor e lágrimas imprimidas pela sede do conhecimento humano e da descoberta científica ao serviço da humanidade.
Tudo estava bem, até que num dia comum, longe das luzes dos holofotes mediáticos da sociedade de consumo, recebi uma carta oficial registada e com aviso de recepção, para me apresentar para interrogatório num palácio governamental em Lisboa. Lá, perante três vultos medalhados, tive de responder a algumas perguntas de índole pessoal. Perguntaram-me porque não tinha facebook, porque é que não via televisão, se sabia dos atentados, e se sabia que Portugal tinha sido campeão da europa. Afirmei que estava ocupado com outras coisas, o que provocou a ira dos presentes. Disseram-me que fazia parte dos deveres do cidadão estar atento, participar em comentários online, ver telejornais para ter opinião formada, e participar em redes sociais, pois caso contrário a minha pessoa poderia estar em perigo e constituir perigo para os outros por desconhecer procedimentos de segurança por parte das autoridades, caso eles venham a ser implementados em estado de emergência. Entregaram-me um papel carimbado e assinado pelo estado-maior e fui de imediato escoltado por outros dois vultos até ao portão.
A carta catalogava-me como “Excluído”, referindo que constituía uma ameaça ao interesse nacional pelo alheamento voluntário dos cenários de terror e flagelo na europa, e sobretudo, “pela ausência de medo”! Mas a carta não se ficava por aqui. Referia também a obrigação de frequentar aulas de formação em determinados dias da semana, em determinado edifício da cidade, a uma determinada hora. Apesar da obrigação, fui de livre vontade, pois achei que desta forma contrariava o carácter obrigatório da convocatória.
Numa sala impessoal e desprovida de cor, num sétimo andar de um edifício cinza uniforme espelhado num dos lados e dotado de câmaras de vigilância da marca “sorria”, lá me sentei numa cadeira azul, cor de lápis. Depois de uma breve apresentação por parte do formador, que trouxe uma folha já escrita e até leu o seu próprio nome, a luz baixou e o projector ligou-se. O que se passou a seguir, Dr. Mara, foi um espectáculo de manipulação, com imagens de noticiários do correio da manhã sobre os atentados, a exaltação orgulho nacional no campeonato europeu, as sanções da união europeia, e até, imagine-se, uma reportagem da gnr sobre os perigos de caçar pokemones na via pública. No final tive de preencher um formulário - Filiação Partidária: sou de um partido estrangeiro que não há cá; Orientação Sexual: ultimamente não me tenho orientado muito, ando ocupado com outras coisas; Conta de Facebook: não tenho mas mantenho os álbuns de fotografias de família; Remuneração Mensal: não aplicável. Recebo à semana; Tem filhos? devo ter alguns, espalhados por África; Situação Militar: acho que está cada vez pior…
Bom, neste momento tenho a casa escoltada pela polícia, e apareceram-me dívidas imaginárias nas finanças e na segurança social. Caso o Dr. Mara ainda não tenha percebido, estão-me a querer fazer a folha, meu caro. Estas cartas ainda escapam ao controle porque são levadas ao correio pela minha governanta, mas receio que mais cedo ou mais tarde sejam interceptadas.
Preciso da sua douta opinião em relação a este assunto, pois ecoa por parte dos alinhados que poderei estar em maus lençóis. Já pensei em pedir asilo político, mas ainda estou a escolher um país que melhor se adapte ao carácter exótico da minha personalidade.
Aguardo assim que me garanta que desse lado do oceano as águas estão mais brandas, condição necessária para despoletar na sua consciência a voluntariosa necessidade de dar uma mão a este velho amigo que lhe envia sinceros cumprimentos.
Janeiro Alves

Ontem, escrito numa parede da cidade

A minha vida não é isto!

terça-feira, 26 de julho de 2016

We Came Along This Road

I left by the back door
With my wife's lover's smoking gun
I don't know what I was hoping for
I hit the road at a run

I was your lover
And I was your man
There never was no other
I was your friend

Till we came along this road
Till we came along this road
Till we came along this road

I ain't sent you no letters, ma
But l'm looking quite a trip
The world spinnin' beneath me, ma
Guns blazin' at my hip

You were my lover
And you were my friend
There never was no other
I hope you'd understand

Till we came along this road
Till we came along this road
Till we came along this road


Nick Cave & The Bad Seed  in “We Came Along This Road”No More We Shall Apart (2001)

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Verão

Fotografia de André Carvalho

Tu Podias Viajar Comigo na Noite

Tu podias viajar comigo na noite
ver como se propaga o ar
não se pode negar a indiferença
enfiaram-te o amor na cabeça
os filmes, os livros e os poemas que leste
agora vai-te embora com as grafonolas
desampara a loja dos fantasmas da infância
e não voltes desconfiado
o gelo não se parte,
solidifica ainda mais
conserva-se para a eternidade
um coração despedaçado não sobrevive
fica desarmado com tanta frieza

Hás-de saber guardar para ti o medo e o cuidado
a leveza com que desapareces da fotografia
não sei muito bem onde aprendeste esse orgulho
esse pequeno ritual do desprendimento
vale o que vale a saúde e desatinas
uma casa em ruínas e o desapego
quando sofres devagar e logo adormeces

Repetes o frente a frente
sem nada conseguir expressar
madrugada adentro
até deitar tudo a perder 
antes da alba nascer

Filme d´Estio

"Que Coisas São as Nuvens?"
Nineto Davoli: Que coisas são aquelas?
Totò: São nuvens!
Nineto Davoli: Que coisas são as nuvens?
Totò: Ah…
Nineto Davoli: Quanto são belas...o quanto são belas…
Totò: A Inefável beleza da criação!



Pier Paolo Pasolini, in "Che Cosa Sono le Nuvole?", 1967.

Sob Céus Estranhos de Daniel Blaufucks

Imagem daqui: http://www.danielblaufuks.com/



           O frequentador de bibliotecas terá sempre este prazer que é descobrir coisas ao calhas. Subitamente, este depara-se com um nome de um fotógrafo conhecido, um título curioso e intrigante, permitindo várias leituras. E de imediato essas coisas funcionam como cápsulas que gostaríamos de abrir, desvendar, trazer para o nosso quotidiano. No final do livro, um texto poético que nos faz permanecer agarrado à página, fixar aquele instante, prolongar a existência de vida e uma fotografia que podia também ser parte da nossa memória:“Agora estou deste lado do ecrã, revendo todas as fotografias e velhas bobines de 8 mm e vejo todos os que, um a um, foram partindo, levando um pouco de mim para sempre. Estranhamente, também eu, de certa forma, me tornei num exilado. Onde fica a minha casa? Não tenho bem a certeza. Possivelmente debaixo daquelas árvores de que o meu avô gostava tanto.”

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Filme d´Estio

"Mónica e o Desejo" com  Lars Ekborg e Harriet Andersson


Monika; Harry, és a melhor pessoa que eu conheço.
Harry: Eu e tu iremos fazer alguma coisa nesta vida...só iremos gostar um do outro.



in "Sommaren med Monika", Ingmar Bergman, 1953.

a cultura é um marcador turístico

Ser português é como ser aborígene ou americano
Posso comer bacalhau com batatas a murro em qualquer lugar
Camões e Pessoa em todas as línguas tal como Rilke e Confúcio
O Português só me une aos mortos da literatura

Vivo neste canto por uma questão de inércia climática
Nunca estou cá – isto já não é a cidade das igrejas e quartéis
É um cenário intermitente onde vivo separadamente – vou ao super
comprar chocolate belga e vinho chileno

Já não tenho inimigos nem sarracenos nem chinos como o Pinto
Nem os portugueses me incomodam mas classes de comportamentos
grosseiros em que não são os piores – Por isso vivo aqui
com os livros e discos iguais em toda a parte.

Nuno Félix da Costa in “O Desfazer das Coisas e as Coisas Desfeitas” in "Companhia das Ilhas" (2015)

A Musa em Férias

Que se passa em Lisboa?
que se passa em Madrid?
que se passa em mim em ti?

Do outro lado do mar
em Cabo Verde no Brasil
ou na Coreia que se passará?

A verdade ignora-se
evita-se
e cada hora fecha-se com um sorriso
nem alegre nem triste
sorriso
                  simples acordo
do homem com a sombra
a sombra que cresce e o devora
num dia a dia favorável aos fantasmas
e a quem lucra com eles
                      *
Soluções sabemos todas
mas em vão dizemos Amor
Aventura Poesia

Afinal as palavras somos nós
e a nossa esterilidade
                     *
Crescei e multiplicai-vos
também já cá se sabia

Crescei no medo
multiplicai-vos no desepero

Um pêlo que sobreviva
valerá por vinte cidades
                  *
Com o hálito
já desfiz alguns bailes
Afinal seria bem fácil
dominar o mundo
                *
Mas dança em sossego
musa em férias
Aventura-te um pouco
musa em férias

Agora
só preciso de azul
de todo o azul cobarde
que o céu possa oferecer-me.

Alexandre O´Neill  in “Poemas Com Endereço” (1962)

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Sala de Embarque: Décimo Ensaio

Fotografia de Carlos Olyveira
Andamos nestes dias solarengos e estivais à volta de Santa Clara, sobretudo este cenário que sugere uma ou várias bandas sonoras. Enquanto não irrompe na dita língua e expressão musical açoriana uma emoção forte e idêntica, surge na memória o tema “Travelling Light” dos Tindersticks, um agrupamento musical de Nottingham, Inglaterra, criado em 1992, e que andou recentemente por Vila do Conde (Festival de Curtas). Logo a abrir, Stuart Staples, cumprindo esse fardo melancólico da existência, solta:“There are places I don't remember/There are times and days they mean nothing to me/I've been looking through some of them old pictures/They don't serve to jog my memory.” E é na luta pela memória que também por aqui andamos, pois não esquecemos que é de rapidez que vivem os dias que nos cobrem. Desta feita, no ensaio de hoje quisemos gravar, pretendíamos ouvir em forma de roda o texto pelas nossas vozes. Confiamos neste processo como forma de fixação e memorização do texto. E por isso questione-se o que é isso de ser "teatral" este texto que queremos nosso? Socorro-me, portanto, de David Ball: “Alguma coisa é teatral, quando intensifica a atenção e envolvimento dos espectadores. Os dramaturgos colocam o seu material mais importante nos momentos mais teatrais da peça, auferindo desse modo vantagens da intensificação da atenção dos espectadores”. E acrescenta ainda:“Identificar os elementos teatrais da peça ajuda a descobrir o que o dramaturgo considera importante.” E, brevemente,  é isso que faremos, pois voltaremos de novo à carga, ao palco…do Arco 8.

Da Vida

"A vida é Pensamento, Luz e Mistério."
Alberto Vaz da Silva

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Walk and Talk: A Família de Arquitectos Bohem!

"Concrete Love  The Boehm Family" dMaurizius Staerkle-Drux
       
    Uma dinastia familiar de arquitectos projectada na tela da sala de cinema do Solmar, inserido num festival de arte urbana - Walk and Talk com a ajuda do 9500-Cineclube - que nos concede este privilégio de ver e pensar. Um filme sobre o amor e dedicação a uma disciplina que se confunde com a poesia. Uma ode à arte de bem filmar e narrar uma história de filiação na arte de projectar: a arquitectura. Uma obra prima. Há dias assim em que apenas podemos contemplar. Viver para contemplar. 

terça-feira, 19 de julho de 2016

Ontem, escrito numa parede da cidade

-Gostas de leite, gordo?
-Passa aí o pão, saloio!
-Dá-me um pêssego, careca!
-Esse casaquinho de lã, virgem!*

*-escutadas na Tasca do Mário. 

Sala de Embarque: Nono Ensaio

Fotografia de Carlos Olyveira
O verão ainda não atingiu o seu pico de calor e no entanto por aqui a chuva alivia o capacete e a humidade. A temperatura, é um facto, melhora sempre que chove. Encontramo-nos a ensaiar durante o período do Festival de Arte Urbana – Walk and Talk e a ilha está, por instantes, radiosa. É um  privilégio este cair da tarde dourado em Santa Clara, a despedida da luz do dia e a lua a encher-se, as nuvens espalhadas ao comprido cobrindo o azul do céu. No interior da Galeria Arco 8 encontra-se uma instalação intitulada de “O Portal”, de Nuno Paiva, um trabalho de espelhos em forma de hexágono articuladas entre si em forma de reflexo e que já esteve no ano passado na baía de Ponta Delgada.
Os sinos repicam na Igreja de Santa Clara e, após exercícios de relaxamento e voz, retomamos o ensaio e a leitura de texto corrido. Insistimos nessa vontade comum de encontrar o tom geral do texto, daí o reforço neste trabalho de encenação colectiva e adaptação do texto às circunstâncias. É assim que a personagem da Rapariga Aluada abandona os olhos de amêndoa no texto para se fixar nesse azul vítreo da actriz em causa: “Eu quero é correr mundo…Tantas coisas a acontecer lá fora, tantas coisas, e aqui estou eu enfiada dentro de quatro paredes, nos meus dezassete anos de vida, pois tudo isto me parece tão pouco, com estes meus olhos azuis, com esta minha camisa às flores, o meu cabelo feito ondas e uma vontade indómita de querer viver. Eu quero é correr mundo…”. Por agora, fixamo-nos nesta casa provisória e daqui só sairemos com o sinal de dever cumprido. Julho entra na recta final e temos que arrepiar caminho, por isso conviria que os dias açorianos continuassem assim...frescos e amenos.

Da Guerra

         " A crueldade dos poderosos é a glória dos humildes mas ninguém paga a desolação da terra. A guerra é alimentada pela ignorância. A ignorância é uma forma de destruição. Quem não sabe de onde vem o vento por ele será empurrado. Quem não compreende o que é o corpo que usamos, nele será perdido. "
Augustina Bessa Luís

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Filme d´Estio.





Rapariga: Porque lê?
Filósofo: É o meu ofício.



in "Vivre Sa Vie" de Jean Luc Godard (1962).

Três Poemas na Canícula de PDL

Abandonei Febres Diárias

Abandonei febres diárias
banalidades típicas de um falso místico
sem religiosidade nem reino
amaldiçoei um absurdo destino
havemos de renascer noutro consolo
sensações desviadas de um outro percurso
num aguaceiro feliz e destemido

Ao devolver a candeia do presente
essa água que escorre das montanhas
pela limpidez secreta dos riachos
e o ciclo deslizante da estação
lemos sinónimos por germinar
protegidos de admiração mútua
vestimos trajes com flores e pássaros
é a mais provável das verdades
com uma única certeza
fomos inteiros sem desconfiar

Lento Purgar de Casa Caiada

Reentramos naquela casa por caiar
houve desencontro ao volver da esquina
afastamo-nos com uma una garantia
desfeitos da tensa e fogosa proximidade
arriscamos unhas e sementes
esmaecido colorido das flores

Os Poetas Também Dançam

Os poetas também dançam
Invadem com sombra as multidões
À hora de afogar vícios e glórias
Em suados ventres exibido nas camisas

Ávidas paisagens abandonadas
Ardem como mitos em lume brando
Esquecem inclinações e desapego
Envoltos de dores e perdas consentidas

Das veias temperadas e genuínas
Secos de fontes e torrentes
Confortam agitação e luz
Apagam velas e fogos de contentes

Um Muro em Ruínas

Com os lábios que seguiam no
corpo o desenho das veias
com as veias 
que cruzavam na carne nervos 
e músculos. Com a mão que
entre os lábios os dentes
mordiam 
aguardavas outra hora do
dia outro dia do mês outra
vida. Não ouves nem vês 
os veios da ilha 
a sombra da tua imagem. E
a ordem que te envia 
uma parede um muro em ruínas 
é o que de melhor encontras
para as tuas palavras -
a vez desse verso ninguém a 
conhece.

João Miguel Fernandes Jorge, in Antologia Açoriana, edição da Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada, 2011.

domingo, 17 de julho de 2016

Walk and Talk: O Método em Trio Sonoro

Imagem do sítio do Walk and Talk
        
         "3rd Method" agitou e encantou a pequena plateia que se encontrava, na noite de ontem, no interior do espaço do Walk and Talk, decidida a escutar o seu projeto de improvisação musical, um comboio sonoro rodeado de electrónica, funk e várias escapadelas plenas de ritmos variados e groove. O método é permitir a liberdade criativa de cada um dos participantes e viajar nessa combinação e simbiose de sonoridades. Ao longo de quase duas horas, os interessados em escutar boa música, souberam agradecer e fazer parte desta locomotiva criativa. Parabéns a este novo projecto que apenas tinha actuado por duas vezes na Galeria Arco 8!

Da Desventura

"Nas desventuras comuns, reconciliam-se os ânimos e travam-se amizades."
Miguel Cervantes

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Hoje à noite, Galeria Arco 8

Wave Jazz Ensemble

Outros Românticos

Eram os outros românticos, no escuro
Cultuavam outra idade média, situada no futuro
Não no passado
Sendo incapazes de acompanhar
A baba Babel de economias
As mil teorias da economia
Recitadas na televisão
Tais irredutíveis ateus
Simularam uma religião
E o espírito era o sexo de Pixote, então
Na voz de algum cantor de rock alemão
Com o ódio aos que mataram Pixote à mão
Nutriam a rebeldia e a revolução

E os trinta milhões de meninos abandonados do Brasil
Com seus peitos crescendo, seus paus crescendo
E os primeiros mênstruos
Compunham as visões dos seus vitrais
E seus apocalipses mais totais
E suas utopias radicais

Anjos sobre Berlim
"O mundo desde o fim"
E no entanto era um SIM
E foi e era e é e será sim

Caetano Veloso

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Walk and Talk: até ao fim do mês de Julho!

Walk and Talk 2016
Ponta Delgada é uma pequena cidade no meio do Atlântico e o WalK and Talk é um festival de arte urbana que apela à participação dos artistas e mobilização das populações para a sua programação, exige pensamento crítico, estimula as associações, conta com voluntariado e promove a formação dos membros e dos agentes culturais no terreno, etc.
Se esquecermos a letargia existente e a inveja que nos é tão cara, estamos perante um momento de cosmopolitismo e liberdade criativa. Desta feita, e até ao fim do mês de Julho, seremos espectadores ocasionais de bens culturais: exposições, performances, filmes, animação, intervenções públicas, teatro e ilustração. É tempo de andar e falar…sobre os caminhos da arte!

Houve uma Ilha em Ti

Houve uma ilha em ti que eu conquistei.
Uma ilha num mar de solidão.
Tinha um nome a ilha onde morei.
Chamava-se essa ilha Coração.

Que saudades do tempo que passei.
Nenhum desses momentos foi em vão.
Do teu corpo, de ti, já nada sei.
Também não sei da ilha, não sei, não.

Só sei de mim, coberto de raízes.
Enterrei os momentos mais felizes.
Vivo agora na sombra a recordar.

A ilha que eu amei já não existe.
Agora amo o céu quando estou triste
por não saber do coração do mar.

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'.