domingo, 30 de junho de 2019

Amanhã Há FALTA/Folia nº2!

Fotografia de Júlia Garcia

Um poema de Gonçalo Fernandes

Aqui jaz nesta folia
um vagabundo em casa 
um cabrito no gancho
disposto a detonar a noite
e o dia 
de poente a nascente

e a ponte


in "Giz Preto", edição Assírio & Alvim, Abril 2019.

sábado, 29 de junho de 2019

A FALTA#2 está Pronta!


O terceiro número da F A L T A é dedicada à incrível substância da FOLIA. Esta edição estival da F A L T A reúne novamente criadores de múltiplas áreas (literatura, cinema, fotografia, artes plásticas, música, ciência, etc) e artistas “foliões” das mais diversas partes do mundo. Folião é nome de peixe presente no mar dos Açores, também conhecido por canário do mar, bastante colorido por sinal. Nos Açores, os Foliões são também aqueles que cantam ao desafio durante as festas do Espírito Santo. Alguns desses “Foliões” tem curiosamente uma expressão facial carrancuda, o que nos faz pensar que a folia não é para esbanjar à toa. Mas como a Folia é um fenómeno universal, há de tudo (ou quase) nesta F A L T A!
A propósito do lançamento da F A L T A nº 2, convidámos a pianista Joana Gama que se dispôs a tocar variações em torno da Folia, acompanhada pelo violinista Jacinto Neves. O concerto é segunda-feira, dia 1 de Julho, às 18h00 na Igreja do Colégio. Acabado o concerto, segue-se o lançamento da F A L T A na casa de Mr. Wolf, na rua d´Agoa nº50.
É Folia garantida.

A FALTA

terça-feira, 25 de junho de 2019

Da Reescrita

«Quando comecei a escrever nos jornais em 1975, tinha 19 anos, entregava um texto e era tudo traçado, lido por duas ou três pessoas. o (Fernando) Assis Pacheco e outros, que diziam, “Isto não dá”. Era tudo reescrito. Olhava e dizia: “Não escrevi esta merda.” Mas era tão bom.  Percebíamos que não sabíamos escrever. Eu ainda não sabia. Esse processo de rejeição é muito bom. Assim é que se aprende a escrever. Hoje ninguém é pago, publicam tudo. Escreve-se uma coisa e sai logo, no blogue ou noutro sítio qualquer. Ninguém tem tempo para rever, para mandar reescrever, para dizer: “Isto tem de ser reescrito.” No Jornal de Letras era assim: “Isto não está capaz, tens de reescrever.”»
       
Entrevista de Bárbara Reis a Miguel Esteves Cardoso, a propósito do livro – “No Passado e no Futuro Estamos Todos Mortos”, Porto Editora, 2019.

quarta-feira, 12 de junho de 2019

O Poema

O poema deve trepar a carne
         como uma sombra
ou talvez como um orquestro
que estremece em todo o corpo
        Trepar o silêncio
e as jarras onde germinam
       palavras intraduzíveis
Descer os jardins na fronteira
         entre a voz e a cidade
       Trepar as gargantas
onde o tempo germina
na confusão das folhas
ou as noites que se alongam
na neblina arrebatada dos ossos
Talvez uma árvore que trepe
todo o poema todos os degraus
todo o sangue toda a asma
As palavras em todos os átomos
todos os isótopos possíveis
Um abismo repleto de artérias
a lucidez e a loucura pressentidas
-a instintiva comorbidade da caneta
Um poema que trepe a maresia
                ou as algas
inventando a luz de um interlúdio
        contínuo no piano
Piano que se reencontra com a ilha
                    purificada
      com a madrugada pulmonar
                 das sílabas
                Um poema
     que trepe todas as torres
       que contornam a culpa
       e a inocência de deus
         Que trepe o vento
batendo nas searas onde nasce
o terno rosto da imortal mãe
                  Um poema
que trepe as ervas brotadas
que crescem em sua demência
ao redor da candura
onde se duvida de um resto de orvalho
               Um poema
                    isto é
uma casa triunfal que ascenda
um dardo de papel recortado de sentidos
em direcção aos astros
                   isto é
à destruição de toda a memória
e de todo o esquecimento.

Leonardo in "Há-de Flutuar uma Cidade no Crepúsculo da Vida", Letras Lavadas