quarta-feira, 30 de abril de 2014

sábado, 26 de abril de 2014

“Vir`ó Balho” dos Myrica Faia no Auditório do Ramo Grande

Imagem retirada do "Quiosque Açoriano"
Quem ouve o nome deste novo agrupamento musical terceirense pensa imediatamente numa árvore presente na região intitulada de Faia-da-Terra, natural da região da macaronésia, espécie tão bem conhecida dos estudiosos de botânica. A verdade é que Myrica Faya é uma banda musical assumidamente açoriana, composta por Bruno Bettencourt (Viola da Terra), Cláudio Oliveira (Baixo), Emílio Leal (Piano, Voz), Pedro Machado (Guitarra, Voz), Ricardo Mourão (Guitarra, Voz). No dia 3 de Maio, no Auditório do Ramo Grande, os terceirenses Myrica Faia apresentam o seu primeiro disco, com entrada gratuita, contando com um reportório essencialmente elaborado por músicas tradicionais açorianas e onde será possível escutar “Caracol”, “Charamba”, “São Macaio”, “Sol”, “Lira”, a bem micaelense “Pézinho da Vila”, ou ainda a internacionalmente conhecida “Chamateia”, temas estes revestidos de novas roupagens, reforçadas pela diversidade das vozes e com a predominância das cordas, neste caso das guitarras, inclusive a viola da terra. Não seria despiciendo incorporar um violino ou até mesmo um acordeão para equilibrar a contenda, mas compreende-se o risco em avançar com um projecto desta envergadura. Desta feita, está a ser preparada uma digressão pelas ilhas do triângulo (Faial e Pico) bem como uma passagem por São Miguel (Teatro Micaelense) para apresentação de “Vir`ó Balho”  e testar as músicas junto dos melómanos existentes nas ilhas.

Abrilizar...


Documentário essencial para perceber o que é que se passou. As razões e outros motivos porque se fez uma revolução  ou se quis mudar o estado das coisas. Rui Simões escolheu os "refractários"- inclusive, ele próprio - para contar a história dos que não tinham escolha senão a guerra. E num ritmo impressionante e com uma qualidade surpreendente de registos e testemunhos pessoais conta aquilo que provavelmente há muito estava silenciado e necessitava ser dito.




segunda-feira, 21 de abril de 2014

Postal Pascal para Miriam Manaia

Querida Miriam,

Continua a invernia por aqui.
Descobri que no final do filme “E a tua Mãe Também” do Alfonso Cuáron está lá o“Watermelon on the Easter Hay”, do álbum "Joe´s Garage", de Frank Zappa, e por isso passei estas noites de frio e chuva a rever os créditos finais do filme para que a música se instale e contamine a atmosfera circundante. Passaram-se vinte anos sobre a estreia do filme do mexicano e em que também confessei a Mário Cesariny que ele era um dos maiores poetas portugueses, porventura também na melancia do feno da Páscoa. Em cima da mesa do meu escritório, para além de uma fotografia com a Miriam na Cave do Solar dos Manaias, tenho uma proposta de doutoramento:"Da melancolia ao renascimento: contributo filosófico de um funâmbulo para a construção de um eterno retorno". É uma singela proposta bem como uma ideia singular do velho amigo Santiago de Olissipo, há muito retirado, por desgaste e desconsolo, das lides académicas.
Gostaria muito de ter notícias vossas, alegremente,
Doutor Mara

sábado, 19 de abril de 2014

Dois Poemas sugeridos por Tiago P. Rodrigues.

Quantos mares extasiados
lentos e sussurrantes ardem
na lagoa do meu peito a pedir água
para a sede vulcânica dos teus olhos!
A alma errante pelos becos da ribeira
alonga-se na mansidão do fogo
a cada fluir da névoa
repartida na nostalgia de uma saudade
ou na certeza das aluviões tranquilas
a mergulhar no crepúsculo em agonia.
Uma sucessão de sonos encalhados na furna
resiste ao encalhar das ondas e vai
modulando o ilhéu migrador
dos últimos devaneios calados
na memória.

Américo Teixeira Moreira

RECUSA

 a Alberto de Serpa
 Serei sempre um poeta provinciano.
 Um poeta triste, esquivo,
Com medo de apertar a mão aos poetas da cidade
E de me sentar com eles
À mesa do Café.
Não falarei de minha poesia.
Não rimarei minha angústia
Com a solenidade de suas questões.
A poesia não está na discussão.
A poesia não está no não estar com este ou com aquele.
A poesia está em matar esta morte
Que anda dentro de nós
Para que a vida renasça.
A poesia está em gritar do alto dos arranha-céus
E das planuras e concavidades sertanejas
Que o mundo vai acabar
Que o mundo está maduro para o sangue
Que o mundo perverso e caótico vai vagar.
 Serei sempre um poeta provinciano.
Um poeta esquivo defendendo sua solidão
De todos os truques de todos os ódios de todas as invejas.
Os poetas rendilheiros não perdoarão.
Os poetas vaidosos vão barafustar
E exigir a expulsão imediata
Do último vendilhão do Templo,
Em nome da religião,
Em nome da estética,
Em nome da dignidade amarfanhada,
Em nome da polícia se preciso for.
Serei sempre um poeta provinciano.
Um poeta esquivo anunciando a verdade
A repassar de gelo os corações narcotizados.
Os poetas rendilheiros não perdoarão.
Os poetas vaidosos vão barafustar,
Porque o fim do mundo está próximo.
Os poetas rendilheiros e os poetas vaidosos estão maduros para o sangue.
Já estão cevados para a morte.
Eles esquecem (perdão, não é blasfémia!) a sentença do Cristo:
— «Destruí este Templo e eu o reedificarei em três dias.»

Vasco Miranda (de A Vida Suspensa, 1953)

quarta-feira, 16 de abril de 2014

terça-feira, 15 de abril de 2014

Wave Jazz Ensemble no Auditório do Ramo Grande

Os Wave Jazz Ensemble tocam no dia 19 de Abril, pelas 21h30, no Auditório do Ramo Grande, na cidade da Praia. Os Wave Jazz Ensemble são um agrupamento musical terceirense que resulta do projecto pedagógico da orquestra Angrajazz e que se tem vindo a afirmar no panorama musical açoriano. Desta vez apresentam em palco um convidado bastante especial: Claus Nymark. A banda que se ocupa essencialmente de “standards” do jazz é composta por: Antonella Barletta (piano);Rui Melo (saxofone); Paulo Cunha (contrabaixo); Márcio Cotta (trompete) e Nuno Pinheiro (bateria). Formados no início de 2011, tiveram recentemente um momento de oiro quando tocaram na  abertura da 15ª edição do festival Angrajazz, a sua versão de o “Sol” do pastor do verbo José da Lata.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Há Rótulos na Biblioteca de Angra

Os rótulos desenhados em papel anunciam vinhos regionais e declaram aberta aos olhos do público a exposição: «Vinum Culturae Nostrae Est». A colecção pertence a Luís Mendes Brum e encontram-se no hall da entrada da Biblioteca Pública de Angra do Heroísmo e à qual se juntam rótulos muito recentes da Adega Cooperativa dos Biscoitos C. R. L. e dos produtores Dimas Simas Lopes, José Manuel Mendonça Machado de Sousa e Rufino Simas, todos eles produtores da Verdelho dos Açores. Os nomes dos vinhos inscritos nestes pedaços de papel informam sobre o local de origem, desvendam a casta ou o tipo de vinho em questão, tornando-os apetecíveis, sugerem aromas, sabores e demais oportunidades de saboreá-los. E, logo à entrada, nesta casa dos livros ali estão os rótulos, muitos deles da zona vitivinícola dos Biscoitos, outros foram aprimorados nas fajãs de São Jorge ou na Ilha do Pico, expostos para serem vistos e apreciados e que possam servir de inspiração a novos e ousados rótulos, perpetuando deste modo uma imagem de marca que foram tendo ao longo dos tempos e a sua relação com o público consumidor e degustadores dos melhores néctares da região açoriana.
PS-O rótulo aqui publicado julgamos  ser da pertença de Abraham Abohbot, um desenhador de origem hebraica que terá vivido uma boa parte da vida em Angra do Heroísmo e, seguramente, foi dele o primeiro estúdio fotográfico da Ilha Terceira.

Sob o Signo...


Reservatório

Estagiar de tempos a tempos
um líquido coração enfermo
mancha e elegância da cor rubra
barricas de privação e desconsolo
algumas notas florais, fruta madura
língua no copo, falso equilíbrio
descer o volume subir a acidez
reservado depósito em néctar profundo
encorpado travo no duradouro final
tristezas diosas sem aroma nem idade

terça-feira, 8 de abril de 2014

Pavese e Alexandra sabem do que falam...

Foto: F.R
"Amar Portugal é estar em Portugal porque se quer."
 
 Alexandra Lucas Coelho, após  receber o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, com o seu romance "E a noite roda".

Citando  Cesare Pavese:

“Un paese ci vuole. Non fosse che per il gusto di andarsene via. Un paese vuol dire non essere soli. Sapere che nela gente, nelle piante, nella terra, c´e qualcosa di tuo. Che anche quando non ci sei resta ad aspetarti.”

 
 

domingo, 6 de abril de 2014

Soneto Branco

Já ao fechar-se o talismã promete
fundo de areia à água azul dos sons
ao nome do navio que a sobrenada
tal como à estrela animal de seis pontas
lembrando a flor e o cheiro a maresia
recém-casados por amor de abrir
o peito à colheita da solidão
que as mais das vezes se chama poesia
depois quebra-se o encanto dão-se a ler
linhas sem feitiço corpos reféns
coisas da vida que aí se lhes rouba
no sentido que dão sem querer ter
ressurreições que trazem à lembrança
mortes que já mais houveram lugar

João Paulo Esteves da Silva

FAZENDO DAS ILHAS


    O Fazendo, jornal que aqui o Doutor adoraria ter fundado aos 20 anos, tem a edição nº91 do mês de Abril espalhada pelos sítios do costume, mas só no arquipélago açoriano, evidentemente. Há artigos e desenhos para todos os gostos e feitios. O design continua fresco e arejado, é da etiqueta de Ambas as Duas, e desta vez a capa pertence a Geni Jorge e João Bora. O núcleo editorial, a cabo de Tomás Melo e da Aurora Ribeiro, assegura que a edição chega a cinco ilhas: Faial, Pico, Terceira, São Miguel e Santa Maria. Uma aventura carregada de "peixe antigo". Esta nova edição do Fazendo mantém, portanto, o sucesso do passatempo “Rebus”, um quebra-cabeças extraordinário para qualquer sala de professores das ilhas em questão. Uma curiosidade: as ilustrações das últimas páginas centrais são do Les Gallagher. Já se sabia, claro.E leiam, se quiserem, aqui:http://fazendofazendo.blogspot.pt/

Revelação e Ousadia Lírica


(A propósito de “há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida” – de Leonardo Sousa, Letras Lavadas edições, 2013)

Houve um tempo que foi simples, demasiado simples até, escrever ou editar um livro em Portugal. Trabalho árduo será publicar um livro que contenha uma determinada identidade e que possua dentro de si um sentido de comunidade e diversas e intrincadas conexões estéticas, isto é, que goteje lastro e contamine tudo à sua volta num universo visível de centelha para lá de abarcar dentro de si um combinado sensível de partilha e inclusão. Impossível? Pode ser que não!
          O livro “há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida”, do jovem micaelense, Leonardo Sousa, é uma primeira obra que reúne dentro de si uma galáxia afectiva de diferentes autores, sendo, sobretudo, um livro de um autor com força e singularidade que editou o seu livro iniciático e que não é, certamente, mais um a povoar as estantes das livrarias ou das bibliotecas. Escrever um livro é, portanto, uma tarefa arriscada e, na maioria das vezes, um feito inglório, ainda que nos convençam do contrário. O autor que tem uma aguda consciência do exercício da escrita e da transpiração que esta requer, escreve na página 41 deste livro em forma de aviso: “fazer um verso é entregar a alma e mutilá-la muitas vezes”. Alma mutilada, portanto. Daí que este livro com o curioso título “há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida”, para além de ser a primeira súmula de versos e contos do autor, é também o anúncio da sua afirmação enquanto escritor e literato, a sua assunção de vida literária e sinónimo de revelação e ousadia lírica como podemos ler em “Nota Informativa I”: “não há utilidade em conhecer palavras / tua boca move-se com a lentidão das portas à noite /ou com a monotonia do lume que te passeia nos olhos/ continuas a procurar/ as sílabas que te levem ao derreter dos versos/ ou ao presságio da saliva dos espelhos”. Escrever ou procurar as sílabas que te levem ao derreter dos versos passou, portanto, a fazer parte da sua vida e este enfrentamento é digno de estima, elogio e admiração. Seria, no entanto, bom esclarecer que muito embora os encómios naturais a que esta primeira obra possa estar sujeita convém não embandeirar em arco ou desperdiçar loas de forma fácil e corriqueira pois acreditamos que ainda há muito caminho por fazer e desbravar. O livro convoca a poesia, a prosa e o conto sendo neste último registo que o autor arrisca abrir o jogo do que está para vir: “- rasurem a minha vida, quero escrever outra e medito, eis as minhas pernas um tanque e cicatrizes (…)”. O escritor está consciente que este é um livro de homenagem aos seus autores dilectos e que por ali ecoam vozes de leituras, lampejos e demais amores-perfeitos. Ele começa desta forma um diálogo de gigantes e comprova a presença dos autores eleitos em muitas das páginas do seu livro, o que convenhamos não há mal nenhum nisso e é até sinónimo de leitura e gratidão perante a obra de outros. Não será muito difícil encontrar aqui e ali ecos e ressonâncias de Paula Sousa Lima, Al Berto e o seu “Horto de Incêndio”, ou ainda marcas de intertextualidade de leituras mais recentes dos romances e crónicas de António Lobo Antunes, para além de toda a obra do seu poeta de eleição: Herberto Helder.
          A fasquia que Leonardo Sousa colocou perante si está, portanto, muito elevada e, só por isso, devíamos neste momento elogiar a sua ousadia e coragem lírica.

Energia e Ética

Sei isto: a minha energia está canalizada
Para a palavra fazer, gosto da ideia da construção
E o que dela existe nos movimentos normais.
Agrada-me a palavra engenharia e o que ela
Representa: não saias de um sítio sem deixares algo
Atrás de ti. Dirijo-me apenas às coisas que me excitam
Positivamente e me levam a fazer outras coisas, dirijo-me
Às pessoas de que gosto, nunca às de que não gosto;
Sempre me pareceu insensato que se pare,
Nem que por um momento, de admirar, há
Sempre actos e coisas que nos ajudam
neste cálculo infernal da distância entre o dia de hoje
e a nossa morte. E qualquer pessoa dar um passo que seja
em direcção ao que não aprecia, para insultar, ou derrubar,
parece-me brutal perda de tempo, uma falha grave
no órgão de admirar o mundo
(deves combater uma ou duas vezes na vida,
se combateres duzentas vezes
é porque os combates são fracos).
Não sei pois como viver. O que li e vi
Serve-me apenas para ser mais lúcido, não
Para ser melhor pessoa. Adquiri esta regra (ou nasci com ela):
- e é talvez uma moral -
mover-me apenas em direcção ao que gosto.
Se o prédio alto, escuro, feio
me impede de ver o sol, não fico a insultá-lo, não
moverei um dedo para o deitar abaixo:
contorno sim os edifícios necessários
até chegar ao espaço de onde possa receber aquilo que
quero. Se chegar lá de noite, montarei acampamento.


Gonçalo M. Tavares- 1. Edição: Relógio D’Água, 2004

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Declaração Urgente à Primavera!

         Hoje acordei com vontade de dizer um palavrão à Primavera. Não disse. Calei-me a tempo. Pela manhã alguém quis dar-me uma palavrinha e quase me estragava por definitivo este dia de plena invernia. Foi talvez assim que passei a jornada entre médias palavras, não esquecendo que por vezes há pequenas palavras que nos salvam – “um cafezinho”,” bem dispostinho?”, “está cá um friozinho” – e tudo de imediato se recompõe para salvação dos nossos e dos pecados dos outros. O mundo é demasiado grande mas não seria mesmo nada, ou mesmo muito pouco, sem estas pequenas coisas. E, no entanto, o Inverno já vai longo, comprido e quase sem remissão. Ò Prima, não queres dar um sinal à Vera para aparecer?
       Entristece-me assim e, de que maneira, ver tão maltratada esta debutante estação do ano e constatar por dentro do interior dos dias o falso e ambicioso admitido tomo primaveril de calendário tão incaracterístico, tão incomum e tão impróprio para consumo. Dar por mim a pensar que a estação das estações é agora um logro, isto é, ela, a Primavera, ao contrário de todas as previsões, afinal ainda não tinha chegado. E, por muito que os pássaros cantem, as flores brotem e os dias sejam maiores não se consegue avistar um raio de luz mínima que seja. O sol e a Primavera deste ano talvez venham mais tarde, talvez venham daqui a bastante tempo como veio a encardida a notícia de que Bergen é há muito a capital europeia do bacalhau ou que só agora se saiba que o desenhador judeu, Abraham Abobbot, era de estatura baixa e usava um lenço à L´avalier. Ou que talvez só agora visionemos uma película em que se dá a devida relevância em ter uma vaca no Burkina Faso. O que é um facto e, assumo desavergonhadamente à frente de toda a gente, é que invariavelmente e, por diversas vezes, traí o destino a que me estava destinado. E, desculpem, é que não me importo mesmo nada ou pouco de dar as voltas necessárias à Primavera. E, caso for mesmo necessário, casar-me-ei com ela já no próximo domingo!

terça-feira, 1 de abril de 2014

Os Pássaros Nascem na Ponta das Árvores

Os pássaros nascem na ponta das árvores
As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
Deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
Quando o Outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
Mas deixo essa forma de dizer ao romancista
É complicada e não se dá bem na poesia
Não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração


Ruy Belo

ALENTOS

(Sephi alter)
        
       I
a amendoeira
acho que é dia
vou entre línguas
que ninguém sabe
amarga e branca
em pleno inverno
o sol já vinha
florescia
fora da amêndoa
dentro das línguas
ninguém sabia
que despertava
com a flor primeira
acho que é dia
       
         II
mexe mexe damasqueiro
ainda sem  folhas ali
com as origens à mostra
todo o por dentro de fora
que até se vê através
das flores que não vieram
toca no que ainda dorme
mexe no mês de Janeiro
fica desarmado um ninho
onde o tronco se bifurca
desabitado  uma roda
de restos em turbilhão
mexe dentro da origem
toca na polpa do alperce
invisível mas que vem
relâmpago no caminho.

            III
se te lembras da China
ou se já tudo esqueceste, diz,
amoreira tão alta, cansada de
tudo. cantas  agora em silêncio,
escuta-se   
a tua altura sem neve.
lembras-te ao menos do verão
da fadiga, folha após folha
dizendo amoras amoras
dizendo tudo da seda da fruta.
cantar, diziam amoras
nos sinais do Outono
a cair a cantar

              IV

querem as uvas sair daqueles meandros
daquelas matérias mortiças;
vide dormindo sem presença
passa despercebida
tempo concentrado, vida escura
querem que  pague a fé na sepultura
que hás-de florir
dar sombra verde uma turba de mãos
estender-te velocíssima
agarrar trepar aumentar invadir o espaço
fazer brotar cabelos de bagaço
sei por ouvir dizer
por histórias contadas repetidas
coisas do teu futuro
cachos sumos bebedeiras
bondades crimes carreiras.
acreditas que sonhei
estar sentado à tua sombra
num socalco de Lisboa
e depois vinha uma abelha
de Évora com um ferrão
(daqueles que suicidam qualquer abelha em qualquer lugar)
para me comer à mão?

       V
nespereira
não pereira
que já seca
que já arde
na fogueira
pêra seca
sobre a mesa
desespera
a noite inteira
dizes freira
sempre verde
gargalhada
não esperada
cócegas dentro da nêspera
tragédias de Inês Pereira
nome doce
no caroço
abrasivo
na dentada
riso vivo
amarelo
como a casca
como a chama
alaranjada
quatro nozes
vinte vozes
contra a alma
mil algozes
no regresso do Japão
casa queimada não gozes

João Paulo Esteves da Silva