sábado, 2 de março de 2019

O meio literal português

Nem cá nem lá,
no meio literal português cada um ocupa
o seu lugar, a meio caminho entre aquele que
a providência lhe destinou e aquele a que
o alpinismo de planos rasos o fez ascender.
Os romancistas revolvem-se em trezentas páginas,
no pânico de corpos enterrados vivos em caixões de papel,
e os poetas empregam-se
em produzir mais versos do que os minutos todos
de todos os leitores.
Os críticos esbracejam, nem contra nem pelo contrário,
nunca há pedra que a boca não engula.
E uns e outros, ofendidos como putas pudicas,
curvados
pela constatação que ninguém os lê,
convertem-se ao cinismo
de quem já leu tudo o que não quis ler.
Falar alto, intimidar de copo na mão,
em provocações e poses de taberna, continua a ser
a melhor forma de ocupar o espaço.
O pântano reproduz-se e as pegadas, come-as a lama.

Madalena Castro Campos, in "A Gun in the Garland ", Companhia das Ilhas, 2019.