segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

"O Incêndio" de João Luís Barreto Guimarães

 Alguém tem de amar
o banal. Alguém tem de tratar disso. Os 
rostos que passam idênticos 
como os pombos 
de uma praça. A mala 
que apenas fecha se alguém
se senta em cima. Insectos suicidando-se 
contra o brilho dos faróis. O apetite
da ferrugem 
nos portões da avenida. Alguém
tem de amar o vulgar (falar 
do que é 
ordinário). O cheiro a peixe frito que
sobe desde a cozinha. As luas que nascem dos
dedos quando
se roem as unhas. Alguém tem de amar 
o que é feio
(trazê-lo para o poema). Só assim
por entre o impuro pode o
incêndio acontecer. 

in "Aberto Todos os Dias", Quetzal, Janeiro de 2023.