sexta-feira, 22 de maio de 2020

Um Verso de César Lacerda

Que tudo, um dia, vai passar

Maio de Raul Brandão

             "(..)Ah sim! Maio, não era? Era de Maio que eu vinha falando?...Já rebentaram as novas fontes e não há valado, carreiro de aldeia onde não cresçam os lírios selvagens, lindas florinhas graciosas e humílimas...As raparigas cortam-nas, enfeitam com elas os cabelos e os seios - e riem, coram, se as olharmos. Só na cidade não há flores. Ontem, ao entardecer, deparei na rua com este caso enternecedor e banal.Nem já se diferenciavam as ressequidas. Uma triste rapariguinha que passava, descalça, de saia rota e cabelos ao vento, aparnhou-as da poeira, sacudia-as e pondo-as ao peito, partiu a cantar numa satisfação imensa, alegre como um pássaro. 
            Era decerto condão das flores - mas também de Maio que chegou, com a sua magia e o seu sonho. Rebentaram novas fontes, e a terra dila-eis agitada e viva. Sob o chão que calcamos correm rios de tintas que transbordam e cobrem as árvores de roxo, de púrpura, de verde."

Raul Brandão, retirado do livro "A pedra ainda espera dar flor", organização de Vasco Rosa, publicado originalmente em "Brasil-Portugal", Lisboa, 16 de Maio de 1901, pp.125-26. Tb.in "Vimaranense", Guimarães, 5 de Maio de 1917, p.1.