terça-feira, 21 de outubro de 2025

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A notícia irrompia como uma fenda numa estrutura. Estava estirado num cadeirão, à frente do computador e o nome da rua era jogo da bola. A urgência vinha do outro lado da linha, a diligência urgente pela aceitação do horário, ao mesmo tempo implicava a despedida rápida de pessoas e o desfazer de coisas para a prontidão da viagem. Lembro-me como se fosse hoje: a humidade altíssima, a escassez de ar, a diminuição de energia, a lassitude dos dias ainda estivais, o confronto com o mormaço, que transformava tudo em suor, em cansaço. A interrogação inicial girava em torno do tempo, a adaptação à vida insular, passando da estalagem para o hotel como se não houvesse mais nenhum lugar disponível. À memória salta, pois, a visão idílica da baía de Porto Pim, com mergulho e paragens certas no café Vinte. Eram os primeiros passos, as impressões essenciais do colosso do Pico, uma respiração desconhecida, original, fundamental. Não era a primeira vez, mas foi como se fosse. 

Ontem, escrto numa parede da cidade

 Mais vale vivo do que mal acompanhado

Das Flores

Ainda não se olhou o suficiente para as flores, para um caule de erva,
ainda não se deu a atenção devida à natureza.
Uma flor é umu universo de beleza.
Ver, ver...como se fosse a primeira vez.
A cor, fantástica.

Lourdes Castro, in "Existe Luz na Sombra", CAC, 2025

Sobre Goiabas e Migrações

     “Raramente pensamos nisso, mas os Açores são, porventura, o mais perfeito exemplo do resultado dos fluxos migratórios. Nada é autóctone. Tudo veio de algum lado. É um primeiro ponto.
         Antes de haver Atlântico nem as ilhas existiam. Foi preciso e tem sido preciso haver vulcões e erupções para aparecerem terras à superfície do oceano. Até a própria lava migra das profundezas, se quisermos ver isso em termos poéticos, misturando-se material magmático de anteriores erupções e criando, alterando, acrescentando as ilhas e os seus territórios.
        Quanto às plantas, mesmo as hoje descritas como endémicas, resultaram essencialmente de sementes deixadas por aves de arribação, e tudo se foi instalando, com tempo e vagar, acabando por formar aquele ambiente que Gaspar Fructuoso refere como existente à data do povoamento, nas suas “Saudades da Terra”.
        Chegados os humanos e verificando que frutas e cereais não existiam, coisa essencial à sua subsistência, toca de plantar essas e outras novidades onde melhor lhes parecia. Primeiro foram coisas do velho mundo, depois começaram a ser as que as viagens marítimas iam tornando conhecidas, sempre de cada vez mais longe.”

Francisco Maduro Dias, in “Sobre goiabas e migrações", Açoriano Oriental, 20 de Outubro de 2025.