quinta-feira, 5 de setembro de 2024

O Mediterrâneo, o Mediterrâneo...

     "A morte do Verão era horrível. A minha mãe encarava o fim do Verão como um facto trágico, sacrílego. Quem se atrevia a matar o Verão? Odiava a chegada do mau tempo. Ela acreditava no sol. Era herética, viveu segundo os ritos do Sol. Tinha uma obssessão com a luz e apanhar sol. O Sol e estar viva foram a mesma coisa para ela. Adorava o Verão. Adorava que anoitecesse tarde, muito tarde. Só aceitava como algo digno de ser tido em conta a presença do Sol; ela não tinha consciência, mas no seu amor pelo sol e pelo Verão havia uma herança milenar, uma herança da cultura mediterrânica. Não conheci nenhum ser tão mediterrânico como a minha mãe. De facto, ela adorava esse mar, e não gostava nada nem do Cantábrico nem do Atlântico. Eu soube que o Mediterrâneo era um mar especial pelo amor que a minha mãe professava por ele. 
          Estar perto do Mediterrâneo foi o seu paraíso.
         O Mediterrâneo foi a sua única pátria."

Manuel Villas, in "Em Tudo Havia Beleza, Ordesa", Alfaguara, 2018