quarta-feira, 30 de março de 2016

Carta Primaveril a Janeiro Alves

Caro amigo Janeiro Alves,

Espero que se encontre bem de saúde mental e física agora que sei que decidiu voltar ao seu hábito de juventude de inalar rapé, uma superficialidade francesa deixada pelos seus ascendentes da Bretanha e que o amigo Janeiro nunca abandonou verdadeiramente.
Estou neste momento a escrever-lhe após um abundante prato de chicharros e um jarro de chá de gengibre. Há dois dias fui interceptado pela Brigada dos Costumes Morais onde me cofiscaram vários quilos desse importante desifenctante intestinal e promotor de saúde revigorante. As autoridades não permitem que me faça munir de tal substância em grandes quantidades daí eu ter que me desfazer deste material com grande rapidez.
Por aqui, prepara-se o mês de Abril que irá irromper com ventiladas e frescas novidades, algumas com sabor a renascimento e outras à espera que algum transeunte desvairado lhes dê uma rápida estocada final.  Já não é novidade nenhuma que a nossa amiga comum, Miriam Manaia, irá realizar uma grande exposição, reunindo uma parte considerável da sua excelsa obra intitulada “Deslocamo-nos pelas Cores Incandescentes do Desejo”. É uma exposição desmedida em perspectiva, pois não faltarão as suas obras iniciais que a tornaram tão bem conhecida do grande público - “Cerveja Depressão”, "A Existência Ameaçada Pelos Guarda-Sóis" e “Flecha Furiosa Arremessada”. Ultimamente e, dado que ela revela alguma fadiga e impaciência, temos passeado junto do mar sempre com os moinhos por perto. Temos conversado essencialmente sobre as recentes incidências do mundo moderno, pelo qual terminámos sempre com os olhos marejados e abraçados em soluços convulsos. Comunico-lhe também que partirei em breve num périplo pelas universidades portuguesas com a seguinte preleção “Gentrificação: atração ou repulsa?”, um tema por sinal bem quente e actual para um auditório há muito desinteressado destas questões contemporâneas.
Sobre si, meu caro amigo, não tenho obtido qualquer novidade, dado que apenas sei que se tem pavoneado pelos salões da intelectualidade lisboeta com as obras de Santa-Rita Pintor, Amadeo de Souza Cardozo ou José Júlio de Souza Pinto. Será que o meu amigo está mais interessado na teoria e mundanidade das obras de arte do que a sua execução ou materialidade? Soube também que faz prelecções diárias num “Canto de Alfama”, onde disserta sobretudo sobre a ausência e míngua do sentimento do amor num mundo pós-moderno e apocalíptico.
Despeço-me, aguardando as suas novidades que poderão surgir a qualquer momento destes dias alargados.
Com estima e amizade,
Doutor Mara

Um ano de Grémio

Clicar no cartaz do Gonçalo Cabaça

Acto Político

"A maior parte dos nossos gestos diários são políticos. O consumo, por exemplo, também pode ser um acto político."

Catarina Portas em entrevista a Carlos Vaz Marques, in Público, 27 de Março de 2016.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Páscoa

        "A Páscoa era a principal festa religiosa dos judeus, instituída em comemoração da sua libertação do jugo egípcio. De entre as diferentes celebrações memoriais avultam as de índole alimentar. A ceia pascal obedecia a ementa obrigatória: o cordeiro ritual, sem defeito, macho e de um ano (absque macula, masculus, annicullus - Éxodo, XII,5), assado inteiro e sem quebradura de ossos, acompanhado de ervas amargas e pão ázimo, simbolizando respectivamente, os primogénitos mortos, a amargura a escravidão e a pressa (que nem deu tempo à fermentação) na saída do Egipto. Complementados por caldos de maçãs, amêndoas, figos e outros frutos cozidos em vinho, tudo alegórico ao éxodo, e comido de pé e de bordão em punho e atitude de quem está para iniciar uma viagem.(...)"
José Quitério in Livro de Bem Comer Assírio & Alvim

3 x Novalis

-"A poesia é o real absoluto. Isto é o cerne da minha filosofia. Quanto mais poético, mais verdadeiro."
-"Todo o objecto amado é o centro de um paraíso."
-"O mar é uma essência líquida de rapariga."

terça-feira, 22 de março de 2016

Chegada

"Penso que o motivo por que nos interessamos por determinadas pessoas ou por certos temas, e não por outros, é, muito provavelmente, da ordem do inconsciente. Chegamos às coisas ou são as coisas que chegam a nós?"
 Manuela Fleming

Ontem, escrito numa parede da cidade

O filósofo das sapatilhas não sabia como dominar o medo das alturas. Até que um dia adormeceu a pensar em nuvens.

segunda-feira, 21 de março de 2016

A Música Omnipresente do Terceiro Tremor

"Paus" no Coliseu Micaelense - Fotografia de Joana Camilo
“Estás em todas” foi a expressão mais ouvida durante o dia de sábado, o "prato principal" desta terceira edição do Tremor. E, como de facto, não se podia estar mesmo em todas – foram quarenta concertos de quinze em quinze minutos – fez-se os (im)possíveis para percorrer os vários lugares por onde esta maratona musical teve lugar.
A festa da música começou com uma curta audição de Luís Senra na Biblioteca da Escola Secundária Antero de Quental, onde decorreu o Mini-Tremor, com muita pequenada presente entretida com os sons do saxofone e os desenhos de Yves Decoster. O momento musical convidava no entanto a partir para outras paragens sem antes apreciar a obra de Tomás de Borba Vieira, presente na escadaria da respectiva escola. À chegada à Rua d´Agoa 50, o ambiente começava a aquecer com os “Rapeciâz”, os músicos encontravam-se no local e convidaram o público a entrar para a respectiva sala, cumprindo assim de forma improvisada, dissonante e, por vezes, harmónica, os preparos sonoros desta actuação. A pulcritude daquela casa e o concerto do trio (acompanhados pelo “performer” João Malaquias) proporcionaram uma viagem criativa e planante. Com regresso marcado ao planeta terra, lá fomos à galeria Fonseca e Macedo, apreciar e sentir os noruegueses “Sturle Dagsland” que, para além de uma performance intensa e evocativa das florestas do norte da Europa, demonstraram um apetite voraz pelos kiwis locais. Depois, partida para o auditório Luís de Camões para ouvir os “Kobayan”, agrupamento possuidor de uma segurança e tranquilidade em palco, aquecendo o público que se ia acumulando pelos diferentes abalos musicais espalhados pela cidade. O dia estava quente, pré-primaveril, e as ruas de Ponta Delgada enchiam-se de gente com pessoas a acumularem-se na recepção do Louvre Michaelense, descobrindo assim a área do primeiro andar e assim escutar a “Sara Fontán”, uma virtuosa do violino em pleno devaneio intimo e auspicioso pelo mundo das bandas sonoras para filmes reais ou inexistentes. Um pouco mais acima, na Rua de Pedro Homem, a Galeria/Editora Miolo esperava por nós para assistirmos aos “Diários Visuais” do fotógrafo António Júlio Duarte, pequenos registos livres de um festival que se realiza por entre vacas a pastar, piscinas termais e a imponência do verde.
Entretanto, o Solar da Graça encontrava-se deliciado a ouvir Julianna Barwick, com a madeira a servir de suporte e vibração numa convocação de música etérea e sombria. Apertados com a escassez do tempo, nova partida para a Igreja do Colégio, pois era lá que se encontrava em cena o “Filho da Mãe”, um guitarrista exímio e merecedor de um espaço e assistência a condizer, motivado com a solenidade devida daquele lugar. Sem dúvida, um momento propício para escutarmos os temas deste autor seguidor da tradição musical portuguesa, ainda que, com variações e sonoridade nas cordas muito próximas da kora africana. Foi, sem dúvida, um momento especial deste Tremor, não descurando a contemplação e a beleza da igreja.
A noite musical abriu com uma passagem pelo som dos “HHY and Macumbas” que subiram ao palco do Ateneu Comercial, num concerto de música bem animada e recheada de salero. Alguns metros à frente, novamente no bonito Solar da Graça, o rock soou muito alto com os decibéis no máximo, pois estavam em palco os canadianos Black Mountain”. Seguir-se-ia os “Bitichin Bajas e Bonnie Prince Billy”, no Auditório Camões, um concerto a abarrotar de gente, ainda que se desconfie que deveria ter sido noutra ocasião o momento para escutar este narrador contemporâneo e a sua desmesurada melancolia. “Keep on Keeping on” debitava o cantor ao público que resistiu até ao final, e assim se prosseguiu em romaria, apaziguados e sedentos de mais música.
Por último, uma passagem pela Tascà onde se encontrava o Dj Fábio "Quesadilla", animador que virou o Tremor do avesso, jorrando danças e folias para dentro daquela antiga taberna, permitindo apenas um derradeiro fulgor no Coliseu Micaelense. Na sala de espectáculos mais antiga do arquipélago, esperava-nos os divertidos e festivos, “Capitão Fausto”, mas viria a ser a banda "Paus", o que de melhor se viu e ouviu durante a noite. Aquelas duas baterias, sintetizador e guitarra, num cenário tribal e de bruma, levaram ao delírio a assistência presente e, aquilo que viria a seguir, já só serviu para cumprir o programa anunciado, o que, voltando à expressão inicial, seria de todo impossível ir a todas, ainda que houvesse vontade. Passada a festa e o abalo musical e, sabendo agora que já estamos todos a ressacar, o que não é bom sinal, conviria deste modo agradecer à organização e esperar que estas réplicas musicais se repetissem com mais frequência e se pudessem estender durante o ano inteiro.

sábado, 19 de março de 2016

Luís Senra no Tremor

         Luís Silva tem 27 anos de idade e é saxofonista tenor. Nasceu e cresceu em Rabo de Peixe, na Ilha de São Miguel. O seu percurso musical não começou nas filarmónicas como seria de esperar, mas sim Orquestra de Iniciação ao Jazz da Academia de Rabo de Peixe, passou pela Oi.Jazz, e Orquestra Regional Lira Açoriana. O seu saxofone já acompanhou os Za!, Romeu Bairos, Lulu Monde, entre tantos outros. Este açoriano toca hoje à tarde na Escola Secundária Antero de Quental, neste terceiro Tremor, às 15 horas.

Poesia à Mesa

Fotografia: Bruno Gaudêncio

quarta-feira, 16 de março de 2016

Tremor: O Regresso dos Príncipes da Atlântida

Medeiros/Lucas - Ilustração de Mário Roberto.
No dia em que saiu um tema single do seu segundo disco, “Terra do Corpo”, intitulado “Sede”, com letra do escritor João Pedro Pedro Porto, a dupla Medeiros/Lucas inaugurou de forma surpreendente a edição do Tremor de 2016, com os seus já designados “concerto na estufa”. O lugar escolhido pela organização para dar o mote à terceira edição do festival foi o Oficina-Museu do Trabalho, em Capelas, contando com uma centena de pessoas na assistência. A Oficina-Museu do Trabalho é uma singular propriedade particular, uma casa típica do mundo de sonhos, capricho de alguém que pretendeu fazer do passado espaço de nostalgia e múltiplos encantos ainda que haja necessidade desse sítio vir a ser mais habitado, vivível e com marca de presente. Ali estão "expostas" uma livraria, tipografia, sapateiro, loja de fazendas, barbeiro, mercearia, ourivesaria, à semelhança da recriação de uma pequena rua dos ofícios em miniatura.
         Foi nesse ambiente peculiar que a dupla Medeiros/Lucas escolheu a “Canção do Mar Aberto”, um tema navegante e derivante, para encetar mais uma viagem em pleno mar alto, embalando e encantando uma plateia oriunda de todo o país, ansiosa por música bem perto do mar. Esta é, sem dúvida, uma canção que impõe consideração e aqui a consideração não é só bonita como também é intensa. Pedro Lucas continuou a viajar com a sua guitarra baloiçante, em jeito Marc Ribot delicodoce e com laivos de trovador, aproveitando para cantar o “Asas” na companhia do Carlinhos Medeiros. Uma canção que preenche na plenitude o copo vazio desse tempo ausente desde a saída de “Mar Aberto”. Começava assim de forma aguçada a curiosidade para o novo “Terra do Corpo”, que será apresentado no início do mês de Abril. Seguiu-se “Sina Saudade” e depois “Marinheiro”, um tema de Cervantes que Medeiros aproveita para reforçar as vagas revoltas dos mares atlânticos e as paixões portuárias e ainda o enérgico e encadeado “Fado do Regresso”. Ouviram-se ainda os temas novos “Sístole” e o curioso tema “Corpo Vazio”, num jogo repetitivo de vozes e guitarra. E, claro, a finalização do espectáculo caberia ao já emocionante “O Navio”, cantado sob a forma de hino açórico-universal que enaltece o cais enquanto ponto de todas as partidas e chegadas e que presume “vivas” de forma contagiante.
Para concerto inaugural deste Tremor de 2016, a intensidade e o brilho desta dupla não poderia ter sido melhor, tendo o alinhamento musical destes dois músicos açorianos durado apenas trinta e cinco minutos, com direito ao encore “Rema”, essa pequena pérola do cancioneiro tradicional, revisto aqui com paixão e brilhantismo. Ainda que só tivéssemos tido a oportunidade de ouvir quatro temas, “Terra do Corpo” promete ser um disco intenso e musicalmente bem composto, preenchido por diversos instrumentos em pano de fundo, contando com dignos convidados, que vai desde o contrabaixista Carlos Barreto, aos guitarristas Tó Trips e Filho da Mãe, os cantores Selma Uamusse e António Costa, vocalista dos Ermo, não esquecendo nem desmerecendo, evidentemente, os restantes elementos do grupo: Ian Carlo Mendonza e Augusto Macedo.
Por fim, uma nota para o público que esteve bem atento e reagiu com entusiasmo às novas investidas da dupla. Veremos agora como a banda se portará em palco após a digressão dos concertos que se seguem. Enquanto nota final, conviria lembrar que o primeiro concerto desta dupla, organizado pelo produtor João da Ponte, foi na Tascà na rua de Lisboa, em Ponta Delgada, Ilha de São Miguel. O escriba deste texto não pôde assistir mas quem lá esteve confirma que foi um concerto intimo para duas dezenas de amigos, tendo servido para o despertar e alavancar este apaixonante projecto, que assim ficou marcado pela primeira audição pública de temas que viriam mais tarde a fazer parte do disco “Mar Aberto”.

A Festa Começou!


Provérbio

 “Sardinha em Março não a comas nem a dês ao gato.”

segunda-feira, 14 de março de 2016

Chegou a Primavera

           (...) Chegou a Primavera. O vale de lágrimas que se espraia à frente da minha janela volta ao verde e floresce. A relva viçosa cobre o chão, esconde lixeiras e a geena tranforma-se no vale de Saron onde crescem, além dos lírios, lilases, rubínias e paulownias.
           Sinto uma tristeza de morte mas o riso alegre das raparigas que brincam, invisíveis, debaixo das árvores, toca-me o coração e desperta-me para a vida. E a vida corre, e a velhice aproxima-se; mulher, filhos, lar, tudo foi devastado. Outono por dentro, Primavera por fora. (...)

August Strindberg (1849-1912) in Inferno (tradução de Aníbal Fernandes)

domingo, 13 de março de 2016

Memória

        “Mnemósine. Mnemósine é a personificação de Memória. É filha de Urano e Geia, e pertence ao grupo das Titânides. Zeus uniu-se-lhe, em Piéria, durante noites seguidas, e, um ano depois, ela deu-lhe nove filhas, as Musas. Havia uma fonte “de Memória” Mnemósine), diante do oráculo de Trofónio.”

Pierre Grimal in Diccionário da Mitologia Grega e Romana, Difel-Difusão Editorial. 

sexta-feira, 11 de março de 2016

Ontem, escrito numa parede da cidade

         Aproxima-se a Primavera de calendário, constatou o jovem poeta que gostava do cheiro de flores. Entusiasmou-se e vestiu os calções. Passou também a usar camisas de manga cava.

Noites de Poesia

Fotografia: Bruno Gaudêncio

quinta-feira, 10 de março de 2016

Dead Combo e Tremor:Há Muita Música na Cidade Insular

Dead Combo no Teatro Micaelense
A música irá invadir as ruas e os palcos da cidade de Ponta Delgada na próxima semana. Os portugueses Dead Combo tocam já no sábado, dia 12 de Março, pelas 21h30, no Teatro Micaelense. À semelhança do primeiro disco dos Madredeus e todos os registos sonoros de Carlos Paredes, as cordas dos Dead Combo tornaram-se facilmente identificáveis aos primeiros acordes, denunciadoras de arrebatamento, entrega e paixão. A dupla Tó Trips e Pedro Gonçalves, mais o conjunto de cordas, tudo farão para tornar mais este momento inesquecível.

Cartaz do Tremor 2016
Alguns dias depois, chegará o “Tremor”, uma mostra que dará a ver cinquenta concertos espalhados por escolas, lojas comerciais, salas de espectáculos, espaços institucionais, igrejas, e até numa casa particular, pululando sons pelos lugares públicos e centro histórico de Ponta Delgada. Ao contrário dos anos anteriores, os concertos espalhar-se-ão por cinco dias, há inclusive residências artísticas e conta ainda com concertos surpresa em diferentes estufas. Celebre-se, portanto, a música feita em Portugal e nos Açores, dado que o evento conta com açorianos de boa cepa, casos de Zeca Medeiros, Rafael Carvalho, Medeiros/Lucas, King John, Sara Cruz, Luís Senra, entre outros. Inclusive, nesta terceira edição há música para os mais novos no dia 19, na biblioteca da Escola Secundária Antero de Quental, dia em que se produzirá o maior abalo musical, já que há música non stop que vai até altas horas da madrugada no Coliseu Micaelense. Há quem vaticine que a cidade musical não será a mesma depois deste Tremor, não só pela quantidade de espectáculos bem como pelo impacto e respectivo lastro que esta edição deixará em território insular. Os bilhetes custam 20 euros.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Fellini e Nino Rota

"A minha preferência por Nino Rota como compositor deriva do facto de ele me parecer muito próximo dos meus temas e das minhas histórias e por trabalharmos muito bem em conjunto. Não me refiro ao resultado, mas à forma como trabalhamos. Não me compete sugerir-lhe ideias musicais, porque não sou compositor. No entanto, como tenho ideias muito claras sobre o filme que estou a fazer, incluindo os pormenores, o meu trabalho com Rota faz-se exactamente da mesma maneira que a elaboração do argumento. Fico ao pé do piano a que Nino está sentado e digo-lhe exactamente o que quero. Claro que não lhe dito os temas, só posso guiá-lo e dizer-lhe aquilo que estava à procura. Na minha opinião, Rota é o mais humilde dos compositores que trabalham no cinema, porque compõe uma música extremamente funcional. Não tem a presunção de muitos outros compositores, que querem que as suas músicas sejam ouvidas nos filmes. Sabe que a música de filmes é uma coisa marginal e secundária, que não pode ocupar o primeiro plano, excepto em raríssimos momentos, e que, em geral, se deve contentar em apoiar o resto do que vai acontecendo." 


in “Fellini conta Fellini”, Livraria Bertrand, Tradução de Maria Dulce e Salvato Teles Meneses, 1974.

O Declínio do Cinema

         
"Amarcord" de Federico Fellini
"
Sou muito pessimista porque creio que o público já não tem simpatia pelo grande ecran. Mas não quero continuar a repetir as razões que seriam a causa da desafeição do público: a televisão, o medo de sair à noite, as repugnantes condições do cinema em Itália. O público perdeu o hábito de ir ver um filme porque o cinema perdeu o seu fascínio, o seu carisma hipnótico, a autoridade que outrora teve. A autoridade que outrora teve para todos nós – a de um sonho que sonhávamos de olhos abertos – desapareceu. Será possível que 1000 pessoas possam reunir-se às escuras e fazer a experiência do sonho dirigido por um único indivíduo?"

Federico Fellini - "Sou Um Grande Mentiroso - Uma Conversa com Damian   Pettigrew",Tradução de Miguel Serras Pereira, Fim de Século, 2008.

Roubo de Arte

       "E o roubo de arte é coisa séria: o quarto maior mercado negro mundial, segundo a revista Foreign Policy, depois da droga, da lavagem de dinheiro. E das armas."

João Pereira Coutinho, in Avenida Paulista, Quasi Edições (2005/2007)

terça-feira, 8 de março de 2016

segunda-feira, 7 de março de 2016

Partirás em condição de não saber

Partirás em condição de não saber
a outra já de si desconhecida hesitação
o que de ti escasso veio atesta
ínsula de segredo e fantasia
nunca leveza nem círio de traição
Desvelas um farol à distância
e é como se ao longe o mar devolvesse
a linha do horizonte sem fim à vista.

Ontem, escrito numa parede da cidade

Conheci um homem que um dia me disse:-"Uma rua não começa nem acaba, é lá que está a minha casa".

Os Poetas

           "O dinheiro está em toda a parte, mas a poesia também. O que falta são os poetas. Os produtores dizem que são poetas, é verdade, porque acreditam que têm público. Eu faço o que faço porque é só isso que sei fazer. É como se tivesse sido feito, mais ou menos penosamente, mais ou menos felizmente, para ser realizador. A vida real não me interessa."

Federico Fellini -"Sou Um Grande Mentiroso - Uma Conversa com Damian Pettigrew",Tradução de Miguel Serras Pereira, Fim de Século, 2008.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Capítulo C está Pronto!

O culminar deste projecto literário, tido inicialmente como  uma trilogia editorial, deve ser francamente saudado. Este fecho, agora concretizado, correspondeu a uma vontade genuína de dar a conhecer um leque alargado de autores, isto é, a divulgação de poetas residentes nos Açores. O Capítulo C está, portanto, pronto e reúne novamente um conjunto de poetas e poemas bastante heterogéneo, essencialmente com um lanceiro de registos poéticos para diferentes gostos, ideias e estéticas.
Esta publicação relembra também a importância e o aparecimento de espaços públicos que funcionaram como encontros semanais, quinzenais e mensais de actividades públicas de divulgação de poesia: o Poetry Slam de Ponta Delgada, as quintas de Poesia na Travessa dos Artistas ou da TASCÀ, na Rua de Lisboa.  A vantagem de reunir estes poetas e poemas terá ajudado certamente na criação de novos leitores de poesia, ainda o eventual surgimento de novas vozes poéticas, salientando-se neste impulso editorial só por si, ser portador da ideia de comunidade poética, o que não é de somenos. Fica assim fechada a trilogia editorial com a edição do Capítulos C (nada invalida que o projecto não possa crescer ainda mais). A tiragem, para cada uma das três edições, foi de 150 exemplares e contou com o preço simbólico de 2 euros. O designer Luís Andrade coordenou, organizou e fez o grafismo deste projecto apoiado pela Direcção Regional da Juventude dos Açores, através do programa "Põe-te em Cena". Esta súmula reúne assim dois poemas dos seguintes autores: Artur Falcão, Carla Veríssimo, Dalila Bettencourt, Eleonora Marino Duarte, Fernando Nunes, João Malaquias, Jaqueline Torres, José Soares, Júlio Ávila, Leonardo e Luís Augusto. Todos os pedidos dos capítulos A, B e C poderão ser feitos para: capitulospoesia@gmail.com

Ontem, escrito numa parede da cidade

O pescador ao regressar da faina diz ao filho que o mar é verdadeiramente grande mas maior é a viagem que faz quando olha para ele a partir da terra.

quinta-feira, 3 de março de 2016

"Adeus Pai" no Teatro Micaelense

Há vinte anos atrás, Luís Filipe Rocha apresentou nas salas de cinema “Adeus, Pai”. O filme foi filmado nas Ilhas Terceira e São Miguel, para além de Lisboa. Ontem, de manhã, voltou a ser exibido no Teatro Micaelense, em Ponta Delgada, através do Plano Nacional de Cinema, com a sala cheia de estudantes e a presença do realizador. No final do filme houve debate alargado, num acontecimento raro de presenciar pois estavam presentes estudantes de todas as idades que quiseram sobretudo questionar o realizador sobre elementos ficcionais pertencentes à história do filme. Luís Filipe Rocha, que acredita que falar com o público espectador faz parte do caderno de encargos de quem dá a ver os próprios filmes, começou por falar da sua necessidade enquanto cineasta em contar histórias e que aquela era uma ficção que surgiu no entrementes do filme “Sinais de Fogo”. Entre a preparação, rodagem e montagem, esta longa-metragem demorou um ano a ser realizada. A verdade é que este autor de cinema narrativo – “são as histórias que escolhem os seus contadores”- não podia ter melhores companheiros de viagem. Durante uma hora, os alunos das várias escolas da cidade insular, foram incansáveis nas perguntas, revelando assim que houve encontro e empatia com as imagens presentes no filme, denotando uma necessidade em ver “resolvidas” algumas interrogações que o filme suscita. No final, o realizador respondeu que "é muito importante num determinado momento do nosso crescimento ter um pai, alguém que nos pergunte ou simplesmente comente como foi o dia” e, que muito embora “vivamos e suportemos uma realidade palpável, concreta, real, transportamos sempre connosco muita fantasia, imaginação e sonho”. Luís Filipe Rocha, que realizou recentemente a longa-metragem  “Cinzento e Negro”, rodada nas Ilhas do Faial e do Pico, espera poder continuar a mostrar os seus filmes e a “comunicar com eles”.

quarta-feira, 2 de março de 2016

Barco ao Sol

São Miguel, Jorge de Oliveira e Tereza Arriaga (1972)

Fellini e Rimini

         “A noite passada sonhei com o porto de Rimini, que abria para um mar ondulante, verde, tão ameaçador como um prado em movimento, sobre o qual corressem nuvens baixas, tocando o solo.
          Eu era um gigante, nadando para o mar alto, a partir do porto, que era pequeno e estreito. Disse a mim mesmo: “Posso ser um gigante, mas o mar é sempre o mar. Vamos supor que não sou capaz?" Mas não estava preocupado. Nadei em grandes braçadas pelo porto fora. Não me podia afogar porque tocava com os pés no chão. No mar já poderia ser; mas continuei a nadar como se não fosse nada comigo.
          Era um sonho tipo alimentício, que tendia para restabelecimento da minha confiança no mar. Um convite para uma sobrevalorização pessoal; ou melhor, para subestimar as frágeis condições protectoras que poderiam suster-me. De qualquer modo, não compreendi se deveria desistir da ideia de abandonar o porto ou se estaria a sobrevalorizar-me.
        Seja como for, uma coisa é certa. Não gosto da ideia de voltar a Rimini. Tenho de admitir isto: é uma espécie de bloqueamento. A minha família continua a viver lá, a minha mãe, a minha irmã: estarei com receios de alguns dos meus sentimentos? O que me parece é que regressar é sobretudo uma insistência complacente e masochista da memória: uma acção literal, teatral. É claro que pode ser aí que reside o seu encanto. Um encanto turvo, sonolento. Mas não consigo considerar Rimini com um facto objectivo. É uma dimensão da memória, nada mais. De facto, quando estou em Rimini sou sempre assaltado por fantasmas que já havia arquivado, colocado no seu devido lugar.”

in Fellini conta Fellini, Livraria Bertrand, Tradução de Maria Dulce e Salvato Teles Meneses, 1974.

Ontem, escrito numa parede da cidade

Ao escritor doía-lhe o corpo de tanto escrever e, quando entrou na biblioteca, sentou-se descansado a ler.

terça-feira, 1 de março de 2016

Olof Palme: Um Cidadão Comum


       
Olof Palme
imagem daqui: www.relevant.at
        Faz hoje trinta anos que assassinaram Olof Palme, à porta do Grand Cinema, na cidade de Estocolmo, Suécia. O assassinato ocorreu pelas costas quando este se encontrava acompanhado pela sua mulher. Nunca se soube quem foi o autor dos disparos. A Europa que actualmente queremos viva e herdeira dessa social-democracia avançada, sob o signo de Olof Palme e Willy Brandt, parece estar a definhar. Sem dúvida, foram eles os criadores, primeiro  da realidade  e depois do mito, arautos de uma sociedade política e culturalmente exigente, tolerante e verdadeiramente democrática. Infelizmente, os exemplos que temos hoje  à nossa frente deixam muito a desejar. Actualmente, um primeiro ministro que sai à rua sem guarda-costas e que vai ao cinema de metro, parece mesmo uma história de um tempo impossível, bem como a dedicação e serviços à causa pública se tornaram reflexo de algum cinismo e motivo de pândega. Olof Palme simbolizou o exercício e a prática da social-democracia, isto é, um Estado Social responsável pela Saúde e a Educação dos seus cidadãos, a protecção aos mais velhos, o cuidado para com as crianças e a atenção devida aos mais desfavorecidos. Foi também um politico que acreditou no fim do apartheid na África do Sul e que se opôs firmemente em relação ao nuclear, sendo um defensor do Exército de Libertação da Palestina e da autonomia política da Cuba de Fidel Castro. A Suécia simplesmente não se esqueceu de um político que promovia a garantia de trabalho para todos e que legislava para que não fosse fácil despedir um trabalhador. Um homem que se enganou apenas ao pensar que era um cidadão comum.

Lugar de Inspiração e de Poetas

     “A primeira coisa para que me alertaram quando cheguei aqui foi para o estado do tempo, com as quatro estações a acontecerem no mesmo dia. Fiquei espantado, mas já me apercebi que é mesmo assim: o sol, a chuva, o céu azul, ou o céu nublado podem caber num intervalo de apenas seis horas…Contudo achei logo os Açores um óptimo lugar para a inspiração. Pelo que me dizem, esta é uma terra de poetas e sempre me interessei pelos lugares que levam as pessoas a escrever e sobre os ambientes que as inspiram.”

Entrevista ao músico norte-americano, Thurston Moore, fundador dos Sonic Youth, por Rui Jorge Cabral in “O Açoriano Oriental”, 1 de Março de 2016.