segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Uma Missiva Janeirinha para Janeiro Alves

Insigne Janeiro Alves,

Acolhi a sua carta de fim de ano enrolado em cobertores e fui lendo as suas sentenças e narrativas com o eflúvio das derradeiras brasas espargidas na salamandra. O meu amigo Janeiro com a sua missiva à laia de 31 fez jus ao número e à atitude, confirmando com este seu gesto o que já é uma longa tradição de décadas. Só não percebo, ainda que tenha feito mesmo um grande esforço, quem lhe possa ter dito que eu fui cantando aqui e ali pequenos trechos do Gingle Bells, quando na verdade interpretei (em plena avenida de Santa Catarina) trechos intermináveis da Carmina Burana, do germânico Carl Orff. Que sucesso retumbante!
Comunico-lhe, assim, que visitei durante alguns dias da quadra festiva uma estação termal de São Pedro do Sul onde realizei banhos quentes, desta feita mergulhei em tanques de vinho e chocolate muito quente, sempre a temperaturas simpáticas e bem agradáveis, a contrastar com o gelo que fazia cá fora. Apesar do gosto pela familiaridade e das corridas colectivas ao consumo propício da quadra, passei, entretanto, jornadas de felicidade pura instalado nesses tanques aromáticos ou então no recato da minha habitação rodeado de livros de poesia obscura, muita música dita alternativa e um conjunto de filmes marginais. Sim, tudo isto foi o bastante para me ocupar e afastar das compras e presentes natalícios. Por sorte, encontrei por lá a amiga e curadora, a estoniana de origem francesa, a Annemarie Ripsmed, com quem partilhei chá verde e uma caixa de queijadinhas da Ilha Graciosa.
Mencionado este pequeno lembrete, e porque o ano já vai com algum gás, relembro-lhe que agora estou já acomodado no meio do atlântico a recolher material para mais uma obra ensaística e, quem sabe, um romance sobre a natureza das relações humanas. Não gostaria de terminar esta carta sem lhe dizer que não me recordo de alguma vez me ter emprestado cem euros. De qualquer modo, guardei o seu nib para o caso de me sair alguns trocos na raspadinha diária que realizo no snack-bar do meu bairro. Sei que o amigo Janeiro aprecia uma boa esmola despreocupada. 
Digo-lhe adeus como se estivesse fascinado por gladíolos ou impressionado pelo voo secreto das mariposas, augurando ao amigo Janeiro um novo ano muito diferente do anterior, sabendo que só poderei voltar a ouvi-lo em Fevereiro, o que muito me encanta.   

Obediências e cotejos deste seu amigo que não o esquece,

Doutor Mara