sábado, 14 de novembro de 2015

Resposta a Janeiro Alves no Mês das Castanhas

Caro Janeiro Alves,

Escrevo-lhe de uma nuvem de sonho em que estou imerso, por sinal de seu nome: Altocumulus. Ultimamente só frequento nuvens e, como é do seu conhecimento, chafaricas urbanas de grande nível. É por lá que me vou alimentando de sopas de alho francês e me dou ao trabalho de dar duas ou três de conversa antes de regressar novamente ao meu estado nefelibata.
Recebi a sua missiva com muito agrado e pertinência. Esta foi-me lida em voz alta pela minha mui amiga Miriam Manaia enquanto me amaciava os pés com água bem quente polvilhada pela erva-dormideira. Fico deveras admirado com tanta verborreia da sua parte que a meio da sua epístola encravei uma unha na frincha da bacia e tive de retirar o dedo mindinho com um alicate. Isto só possível após o relaxamento do músculo e da polpa do dedo dado ter ficado petrificado com o seu discurso. Tenho, sem dúvida, plena consciência que face ao momento crítico e caótico que estamos a atravessar são necessários homens rijos e valentes. No entanto, há muito que a comunidade de sábios da numerologia não conta comigo para decifrar os mistérios da alta finança e do bolo-rei. Tenho muita pena, portanto.
Permita-me que lhe demonstre a minha total disponibilidade para esse nosso encontro há muito aguardado, responsabilizando-me pelo transporte dos dossiers do célere e afamado Congresso da Fajã bem como levarei comigo moedas de um cêntimo para o crónico jogo da moeda. É possível que inicialmente não me consiga reconhecer pois faço questão de me apresentar de túnica helénica e de óculos de mergulho, já para não falar que irei com a cabeleira do Mancha. A palavra de código será – Darandina!
Saúdo, portanto, o meu caro amigo com um copo de tinto – palavra que em sânscrito significava amado – e revelo assim a minha sensação ilusória de felicidade momentânea que aguardo em breve podê-la partilhar consigo.
Com as respectivas saudações marianas,

Doutor Mara

(Embora Tenha o Sol...)

Embora tenha o sol para me alumiar
e a lua e as estrelas depois do sol se pôr 
sem a luz dos teus olhos negros
é sempre negra a noite em meu redor.

Bhartrhari, Índia, séc. V. d.c
(Tradução de Jorge Sousa Braga)