quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Amanhã na Galeria Miolo

Inauguração da Exposição de Fotografia de Ian Allaway


Sala de Embarque: Uma Festa no Fim de Agosto

       Aí estão as festas de Santa Clara e que, após ensaio na Galeria Arco 8, tivemos a oportunidade de marcar presença e saborear as iguarias naquelas mesas corridas de arraial montado. Ontem à noite, houve fados, concertos de viola da terra e petiscos. É assim que ficámos a saber narrativas sobre este vetusto bairro piscatório, ainda não consumido nem arrasado pela “modernidade arquitectónica”, bem como tomar nota sobre a origem do próprio nome de Ponta Delgada e, inclusive, a história de pescadores que participaram na frota branca e que andaram pelos bancos da Terra Nova na pesca do bacalhau. Homens que permaneciam uma viagem de seis meses sem dar notícias, nem uma cartinha que fosse. Socorro-me, entretanto, do livro “Santa Clara: Um Tempo de Festa”, compilado pela Elsa Santos, editado em 2002, para deste modo ficar a conhecer ainda mais esta pequena comunidade que ainda hoje vive do que o mar lhe dá. Ao mesmo tempo que é de lamentar o descuido da zona térrea junto do mar, tão abandonada que está, bem como o estado destruído daquela escultura pela força do mar.
Agosto está, por isso, a findar e o desejo de colocar esta peça em cena aumenta de dia para dia ao mesmo tempo ainda que não apetece nada, nada mesmo, deixar fugir este mormaço estival. Apetece, isso sim, ficar toda a manhã a ouvir Scott Walker cantar o original de Jacques Brel na sua versão sobre alguém que parte: “If you go away/On this summer day/Then you might as well/Take the sun away/All the birds that flew/In the summer sky/When our love was new/And our hearts were high/And the day was young/And the night was long/And the moon stood still/For the night bird's song”. E, talvez por isso, filmámos neste último dia de Agosto um pequeno clip sobre a ideia, “a mola”, que está subjacente a esta “Sala de Embarque”. Uma ideia de partida, diga-se, como seria de esperar.

Filme d´Estio: Fitzcarraldo de Werner Herzog

"Fitzcarraldo" de Werner Herzog (1982)
imagem daqui: www.coming.soon.net
Werner Herzog, um  dos mais fascinantes cineastas alemães, realizou no início dos anos 80 um filme intitulado "Fitzcarraldo". O filme relata a história de Brian Sweeney Fitzgerald (Klaus Kinsky) que ambiciona edificar uma Sala de Ópera na cidade Iquitos no Amazonas, Brasil. Ele é um amante fervoroso do tenor italiano Enrico Caruso. Com antecedentes de outros fracassos e demais investidas falhadas (uma Estrada em Ferro, a Transandina), "Fitzcarraldo" ambiciona também construir uma fábrica de gelo. Este “Conquistador Inútil”, como ficaria conhecido, estava possuído ainda por uma façanha ainda maior quando convence a sua amante (Claudia Cardinalle), dona do prostíbulo da cidade, a financiar a compra de um barco fluvial para a exploração da borracha. A partir daí, embarca numa loucura desmedida quando pretende a qualquer preço, sacrificando, inclusive, vidas humanas, explorar rotas e florestas nunca vistas.

Da Inutilidade

"A literatura é perfeitamente inútil: a sua única utilidade é que ajuda a viver."
Claude Roy (1915-1997)

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Uma Ode a Santa Clara

Regressámos, portanto, aos ensaios, ainda que o façamos mais cedo pois havia filme-homenagem que não queríamos perder. Passou, entretanto, mais de uma década sobre a memória de “Ver o Pensamento Correr”, um documentário sobre António Palolo, realizado por Jorge Silva Melo. Por isso, foi muito importante ver este “Ana Vieira: e o que não é visto”, não pela semelhança entre artistas mas pela forma com o realizador “encena os seus documentários sobre artistas plásticos”. Jorge Silva Melo começa por dialogar com Ana Vieira, filmando-a inicialmente de costas num jogo de ocultação/visibilidade, investindo no questionamento do espectador com as obras de arte, essencialmente na forma como este as percepciona e se coloca perante os objectos artísticos. Deste modo, permite que Ana Vieira esclareça esse jogo de espelhos, as sombras e transparências...fazer ver de fora e com uma consciência em off. Sem dúvida, um documentário subtil, delicado e honesto na representação da artista e do seu trabalho. Hoje há conferência pelo Paulo Pires do Vale na Galeria Fonseca e Macedo.
E depois, voltaremos novamente à luminosa e encantadora Santa Clara, antes deste fim de Agosto, esse mês em que gostaríamos de permanecer como na infância…os últimos dias deste Estio caloroso, húmido, e com o sabor a sal. Leremos, assim, repetidamente e, de forma exaustiva, partes da peça, já com bancos do cenário montado, sobretudo para que dessa forma possamos encontrar uma maior “organicidade” do texto teatral – um chavão agora repetido e abusado ad nauseam pelos já poucos espectadores de teatro. E, queiramos ou não, lá entraremos em Setembro…

Do Prazer

O maior prazer que alguém pode sentir é o causar prazer aos seus amigos.

Francois de Voltaire (1621-1695)

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Cenário

Fotografia Carlos Olyveira


Substantivo masculino

1. Conjunto das vistas e acessórios que ocupam o palco ou o local de uma representação teatral, televisiva ou cinematográfica ou de um espectáculo semelhante.
2. Plano de uma peça, de um romance.
3. Documento escrito que descreve cena por cena o que será rodado em cinema ou televisão.

-in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

Três poemas Urbanos

Cate Blanchet

Se te visse apenas diria
que és assim assim
um girassol ligeiramente inclinado
nesse teu vestido em tons lilás brilhante
ao longe
já que perto nem de binóculos
isto é
se me permitissem ver
a ligeira ruga e o lóbulo auricular
avistados há tempos num filme 
dum clarinetista habitante de Manhattan

Rua D´Agoa

Não corre nenhum rio por ali
sendo o oceano além das portas
É tudo uma questão de estilo
ou não
a varanda por contemplar
as nuvens e o céu celeste
sem brisa
adormecidos como diosas cigarras
em pleno dia lembrando
outros minúsculos vasos de flores
aguardando a foz deste Estio


Padeiro

Não te vi hoje ao serviço
empunhando a massa e o boné

Devias estar escuso e recluso
daquele alvo oceano mimetizado

Uma assembleia de gente nívea
reunida em baile e celebração

O fermento serve o propósito
tal a indumentária confecionada

Nem o surgimento da alba amotinada
esmorece fadiga tua ao amanhecer

Ontem escrito numa parede da cidade

Melancolizar é um verbo interessante

Homenagem a Ana Vieira

Ana Vieira: E o que não é Visto de Jorge Silva Melo, Doc 56 m
                       
            A Galeria Fonseca e Macedo pretende  homenagear hoje e amanhã a artista plástica Ana Vieira. Esta noite apresenta, pelas 21h30, um documentário sobre a obra da artista. É no Cine Solmar, com o apoio do 9500-Cineclube de Ponta Delgada. Eis a sinopse do trabalho realizado por Jorge Silva Melo: "É insólito o lugar de Ana Vieira na arte portuguesa: trabalhando o rasto, a sombra, a passagem da luz (ou dos corpos?), o reflexo, a sobreposição, a pegada, a memória ou a planificação do futuro (qual delas?), a sua arte enfrenta o invisível. E questiona o lugar do espectador, colocado sempre"de fora", com a consciência do "off"." A entrada é gratuita. 

domingo, 28 de agosto de 2016

ARCO 8: Da Melancolia Marítima ao Funaná e Coladera

álbum "Intelectual" de Ildo Lobo  (imagem daqui
www.lusafrica.com)
     Um concerto de música pop açoriana e a promessa de dançar os ritmos musicais de Cabo Verde, com o DJ Milhafre, atraíram um mar de gente na noite de sexta-feira à Galeria Arco 8. Os WE SEA começam lentamente a ganhar lastro com os temas “Ser de Ver” e “Camaleão”, ainda que necessitem, talvez por isso, de aumentar e dar consistência ao seu reportório tal qual adquirir cortiço e arrojo nesse seu conceito de jovem banda pop açoriana. Foi com uma enchente de público muito jovem e desperto para aquele tipo de música que pudemos assistir a uma prestação enérgica, ainda que algo tímida e excessivamente contida, deixando assim claros sinais de que algo de muito entusiasmante está prestes a explodir, não fosse esta ilha vulcânica. Pena, também, o som não ter estado nas melhores condições para escutar como deve ser a voz e o timbre  de Rui Rofino, entregando dessa forma a leveza de suaves jorros à guitarra de Luís Barbosa e a segurança das teclas de Clemente Almeida. A seguir, só não dançou quem não quis, pois Cabo Verde tem música para dar e vender, a maioria gravada em Paris e Roterdão. Foi assim que DJ Milhafre repescou e respigou o que melhor existe naquele arquipélago, aproveitando para "funanizar" aquele barrancão em noite de fim de semana, também ele, ilhéu.

Os Primeiros Quatro Poemas de Jorge Sousa Braga

Esse Verão

Vinha meio nu
Trazia uma cesta de vime cheia de amoras
que colhera nas margens do rio
Passara a tarde toda de silvado em silvado
Na sua mão direita um pequeno arranhão
-Tão quente tão quente
esse verão

«Acabei agora de comer
um campo de tulipas
Não sei o que fazer
com tanta beleza nas tripas»

Crepúsculo

Já ninguém percorre este caminho
a não ser dois petroleiros
com os porões vazios

Nuvens

Sinto-me como se vivesse dentro de uma nuvem. Branca. Fecho os
olhos e deixo-me arrastar. Pelo vento.

É imprevisível o destino de uma nuvem. Pode dar várias vezes a vol-
ta ao globo. Ou desfazer-se de encontro à montanha mais próxima.
Mas isso em nada parece afectá-las. Afectar-me.

Vivo dentro de uma nuvem. Cujo destino é vaguear. E cujos limites
é não haver limites. 

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Sala de Embarque: Ensaios

Espaço da Galeria Arco 8
A peça teatral Sala de Embarque já tem datas marcadas: 29, 30 de Setembro e 1 de Outubro. Sempre às 21h30, na Galeria Arco 8. Três dias de apresentação consecutivas após três meses de trabalho colectivo. O cenário ganhou ontem nova coloração, com a chegada dos bancos em madeira que são a "mola" principal da acção. Agradecemos o apoio, a delicadeza e o empenho. Trabalharemos com intensidade para fazer jus dessa cedência, apoio à produção. Assim o faremos.
           Hoje temos novamente a presença do Carlos Olyveira. Entra novamente em cena este fotógrafo, um conhecedor da urbe e do seu pulsar, pois é um narrador incansável dos dias que se repetem. Ultimamente tem sido com ele que gostamos de espreitar o quotidiano trânsito da ilha em viagem, tornando-nos cúmplices da sua paisagem e do movimento citadino. Enquanto isso acontece, a Júlia Garcia prepara minuciosamente o desenho gráfico (os cartazes e os postais), aguardando o tempo preciso para apelarmos às técnicas antigas da Tipografia Micaelense e ali usarmos a valência do passado para servir o tempo presente. E, por aqui, continuaremos...a ensaiar!

Ontem, escrito numa parede da cidade

Pretendo estar vivo e estar junto com outras pessoas

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

WE SEA na Galeria Arco 8


               
         A banda mais açoriana do momento actua esta sexta-feira, dia 26, na Galeria Arco 8. É o momento ideal para sabermos e aferirmos em que ponto é que se encontra a banda de Rofino, Clemente e Barbosa, e ainda Dino como convidado na bateria, após aquele extraordinário concerto por alturas da festa dos cravos em Abril no Solar da Graça. Este é, sem qualquer dúvida, um dos projectos de música pop mais interessantes que nos foi dado a conhecer nos tempos mais recentes e com a particularidade de não ter editado qualquer registo até ao momento. O segredo é a simplicidade de uma banda que canta num português melódico e perceptível, com temas musicais repletos de ambientes sonoros de charme e plasticidade, como se dessem o peito às balas e às flores. Uma banda com corpo e intensidade na forma com que se dispõe e se apresenta em palco. A entrada é gratuita.  

Filme d´Estio

Pallombella Rossa de Nanni Moretti (1989)


             Um dos filmes mais intrigantes e estimulantes de Nanni Moretti dá pelo nome de “La Cosa”, 1990,  (“A Coisa”, em português) onde ele próprio andou pelas sedes e lugares de militância comunista a ver o que é que sucedia ao Partido Comunista Italiano (PCI) após a Queda do Muro de Berlim. Um périplo rodeado de peripécias e de dúvidas que culminou num enorme e previsível ponto de interrogação. Ainda hoje o manto desse questionamento paira sobre os caminhos seguidos e a seguir após tamanho cataclismo ideológico. Antes disso, ele que acompanhou de perto as incidências da esquerda italiana, ao realizar o filme “Palombella Rossa” pretendeu metaforicamente augurar um destino feliz e promissor para a orfandade e desorientação proveniente do Leste Europeu. A dado momento, Moretti grita com uma jornalista: “Chi parla male. Pensa male. Vive male. Le parole sono importante.”. Pois é, as palavras são muito importantes para definir o que pretendemos fazer e nada melhor como rever este filme na canícula, ainda que divertido e bem humorado, para poder pensar nos novos rumos a tomar.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Da Cultura

            "São necessários anos de leitura atenta e inteligente para se apreciar a prosa e a poesia que fizeram a glória das nossas civilizações. A cultura não se improvisa."
Julieen Green (1900-1998)

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Tereza Arriaga: "Os Meninos do Vidro da Marinha Grande"

"Os Meninos do Vidro"
        Há três anos, exactamente por esta altura, o avião da SATA que me trouxe das Flores  de volta à Ilha Terceira tinha o nome de Manuel de Arriaga, o primeiro presidente da República. Uma semana antes tinha tido a notícia do falecimento da sua neta: Tereza Arriaga. Acasos. Coincidências. Durante a minha estadia nas Ilhas do Pico, Terceira e Faial dei a ver, com a ajuda do Boletim Cultural Fazendo (https://issuu.com/fazendofazendo/docs/fazendo_42_onlinee da Tereza, evidentemente, os slides de viagem deste casal de artistas plásticos fez ao arquipélago dos Açores, no início dos anos 70 do século passado. Um périplo insular em que estes fizeram novecentos slides, percorrendo as várias ilhas de carro e de barco. "Olha, ali está o Jorge!", diria ela numa sessão nocturna com a projecção nas paredes da Igreja de São Francisco, na cidade da Horta. Uma vida cheia, portanto, só concluída aos 98 anos. Tereza Arriaga foi professora de Artes Visuais mais de três  décadas no ensino secundário, sendo das poucas mulheres do seu tempo formada em Belas Artes. Ao seu lado teve como companheiro de vida, o pintor Jorge de Oliveira. Inicialmente, decorria o ano de 1944, começou por desenhar os meninos que trabalhavam o vidro nas fábricas da Marinha Grande. Aqui fica uma imagem desse registo. 

À Luz e à Sombra de Alexandre O´Neill – Trinta anos depois

Fotografia Carlos Olyveira a partir de desenho de João Lázaro
          “À Luz e à Sombra de Alexandre O´Neill – Trinta anos depois” foi o pretexto para que nos juntássemos e lêssemos textos do poeta falecido a 21 de Agosto de 1986, no Hospital Egas Moniz, em Lisboa. Desta feita, a poesia de Alexandre O´Neill obteve novos timbres, ritmos e cadência de quem o quis homenagear no "Lisboa, Menina e Moça", ali mesmo no centro histórico de Ponta Delgada. Recorde-se que este poeta não era muito dado a celebrações e homenagens. Lembrou-se também o seu percurso pela publicidade, já que ele ficou conhecido pelo "há mar e mar, há ir e voltar". E o fadista Mário Fernandes cantou o seu poema “Gaivota”, acompanhado pelo Alfredo Gago da Câmara, sabendo nós que este não era apreciador de fado pela associação ao regime salazarista.  A noite de domingo não foi, por isso mesmo, uma feira cabisbaixa, tendo tido um ponto muito alto quando a Margarida Benevides disse um texto (gravado no coração) do poeta que resume, e de que maneira, a sua existência literária: “Que quis eu da poesia? Que quis ela de mim? Não sei bem. Mas há uma palavra francesa com a qual posso perfeitamente exprimir o rompante mais presente em tudo o que escrevo: dégonfler. Em português, traduzi-la-ia por desimportantizar, ou em certos momentos, por aliviar, aliviar os outros, e a mim primeiro, da importância que julgamos ter. Só aliviados podemos tirar o ombro da ombreira e partir fraternalmente, ombro a ombro, para melhores dias, que o mesmo é dizer, para dias mais verdadeiros. É pouco como projecto? Em todo o caso, é o meu. O que vou deixando escrito, ora me desgosta, enjoa até, ora me encanta. Acontece certamente o mesmo aos outros poetas, tenham estatuto ou não. Mas comigo, talvez essa oscilação se dê com mais frequência. É que a invenção atroz a que se chama o dia-a-dia, este nosso dia-a-dia, espreita de perto tudo o que faço. É o preço que tenho pago para o esconjurar, pelo menos nas suas formas mais gordas e flácidas.” E ao que parece, as pessoas que assistiram gostaram!

A Poesia em Movimento

Fotografia de André Almeida

sábado, 20 de agosto de 2016

Sala de Embarque: Pausa para Café

Fotografia Carlos Olyveira
“Daqui a um mês estaremos prontos” - é este o pensamento geral de todos os que se juntaram para fazer esta peça intitulada de Sala de Embarque. No entanto, sentimos que trabalhar neste período é ingrato dadas as solicitações e sugestões inerentes ao período da canícula. O tempo é, maioritariamente, vivido no exterior com toda a inquietude e humidade provocada pelas oscilações climatéricas, à semelhança da vida do caracol cantada magistralmente na excelsa voz do Carlinhos Medeiros: “A vida do caracol/É uma vida arrastada, /Anda com a casa às costas/Onde quer faz a morada.” E, por isso, pacientes, caminhamos lentamente, com as pausas e os “desvios” típicos do Estio.
Desta feita, o texto da Sala de Embarque tem mais uma nova versão e, por sinal, mais uma impressão. Os cafés ajudam a clarificar o sentido do texto, a orientar para os seus meios e fins, a lembrar que também estes estão presentes enquanto evocação do tempo e de memória, pois tal como diz o personagem de “O Velho" quase no final: “Ao fim da tarde, reuníamo-nos todos nos cafés, com aulas ou sem aulas. Os cafés daquele tempo eram frequentados por toda a gente sem distinção social, a nossa presença amiúde era uma forma de mantermos o contacto diário e de despertarmos a curiosidade uns dos outros sobre aquilo que nos apetecia saber e fazer. Quem é que hoje se encontra? Agora é cada um por si…” E agora, que ainda é de manhã, antes das compras para a semana, aqui fica este registo fotográfico, a imagem dessa comparência e a mola necessária para mais uma leitura.

Mola Matinal

Fotografia Carlos Olyveira

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

TASCÀ: A Poesia Volta no Outono!

Fotografia de Bruno Gaudêncio

          
        A TASCÀ está situada na Rua de Lisboa e há mais de dois anos que tem nas noites de quinta-feira tribuna aberta para a poesia. É um edifício muito antigo, uma verdadeira taberna minúscula, mas essencial para criar corpo e cumprir cumplicidades. As “hostilidades” poéticas deram início há três anos na Travessa dos Artistas mas foi pela mão dos amigos João da Ponte e João Malaquias e da conivência de Paulo Amado que se consolidaram naquele local citadino. A cidade de Ponta Delgada, em São Miguel, agradece. Durante dois anos aconteceram coisas boas no pequeno mundo da poesia: editaram-se os “Capítulos A, B e C”- uma colectânea de poetas a residir nos Açores, os dois  livros do Leonardo - “Âmbula” e “Onde Sequer o Luar” e ainda a dupla Medeiros/Lucas que convidou João Pedro Porto para escrever as canções de “Terra do Corpo”. Não esquecer: esta dupla apresentou-se pela primeira vez ao vivo neste peculiar estabelecimento pela mão do malogrado João da Ponte. O dono de tão ilustrado e bem frequentado antro poético, o senhor Paulo Amado, como é sabido, também é visto por vezes a ler poesia e participa das sessões, tal como jamais se esquece de refrear e serenar os bardos compulsivos quando pretendem prolongar a noite ou ainda arremessar farpas aos espúrios poetas que lá caem de pára-quedas ou outros meios de locomoção. As noites de poesia micaelense estão agora paradas e regressam, pois, em Setembro, com o Outono!

Que Vergonha, Rapazes!

Fotografia Carlos Olyveira
Que vergonha, rapazes! Nós práqui,
caídos na cerveja ou no uísque,
a enrolar a conversa no “diz que”
e a desnalgar a fêmea (“Vist’? Viii!”)

Que miséria, meus filhos! Tão sem jeito
é esta videirunha à portuguesa,
que às vezes me soergo no meu leito
e vejo entrar quarta invasão francesa.

Desejo recalcado, com certeza...
Mas logo desço à rua, encontro o Roque
(“O Roque abre-lhe a porta, nunca toque!”)
e desabafo: - Ó Roque, com franqueza:

Você nunca quis ver outros países?
– Bem queria, Sr. O’Neill! E... as varizes?

Alexandre O´Neill

O´Neill, desimportantizar a língua

        Alexandre O´Neill nasceu a 19 de Dezembro de 1924. Anuncia a sua biografia oficial: "Frequentou o Curso de Pilotagem da Escola Náutica em Lisboa, tendo-lhe sido recusada, devido à sua miopia, a cédula marítima". Um dia escreveu um poema para o seu filho intitulado “Chaval”: “Entre o Bem e o Mal,/cresce a borbulha na cara do chaval./O chaval ainda não sabe/que a barba, bem ou mal/feita, é uma banalidade/matinal”. Os seus poemas estão reunidos na Assírio e Alvim em várias edições. 


-Fotografia de Carlos Olyveira a partir da capa/desenho de João Lázaro publicado na revista Pública de 18 de Agosto de 1996.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Alexandre O´Neill: 30 anos depois

Fotografia Carlos Olyveira
        Devia ser um adolescente a tropeçar de ternura quando a poesia dele me chegou às mãos. Não sabia, à altura, que a poesia podia descer às catacumbas, às tascas, ao povo-léu. A partir daí, comecei a levá-lo comigo para todo o lado, pois "há mar e mar, há ir e voltar". Até que em Coimbra decidimos fazer um recital com os seus poemas - eu, a Ilda Teixeira e o José António Mariz. Recordo-me de ter entrado de bicicleta pelo Café Santa Cruz e ainda de lançarmos uma máquina de escrever Remington pelo ar. Descobri também que ele era o autor do poema de "Belarmino", título de um filme maravilhoso do Fernando Lopes e, mais recentemente, de uma canção dos Linda Martini. Dele sei alguns poemas de cor, decorados pelo coração, tal como reconheço nele alguma mágoa pelo país adiado que somos. Ao longo dos tempos coleccionei textos, artigos, homenagens que lhe fizeram ao longo dos anos passados. E como perfaz no próximos domingo trinta anos, número redondo, desde que o seu coração deixou de bater no Hospital Egas Moniz, iremos juntar-nos para ler alguns dos seus textos, lembrar a sua vida, evocarmos a sua biografia. O Alexandre bem merece! 

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Sala de Embarque: Agosto é no Arco 8 de Santa Clara

         Agosto nos Açores é semelhante a estar junto de um braseiro, uma lassitude que se instala e propaga, ainda que raramente haja vento, uma humidade que não se aguenta. E, por isso, insistimos assim, no gerúndio, trabalhando, ensaiando, à noitinha, quando é possível respirar. Hoje, quando aqui chegamos, Santa Clara ainda se encontrava com aquela cor azul anilina, transparente, qual lugar excelso e prazenteiro ao fim da tarde. Saúde-se novamente a luz coada quando o sol se depõe e o mar chão é sinónimo da luz espelhada ao comprido. Trata-se de um espectáculo cromático assaz divertido, conjuntamente com a policromia das casas e daquela atmosfera marítima circundante.
Este texto teatral começou por ser pensado para as tábuas do palco em Agosto, mas julgo que ainda vai ser preciso mais algum tempo. Será certamente a nossa "Canção de Setembro", o nosso desafio de até lá montar algo em que tenhamos orgulho e paixão na sua apresentação. Este grupo que aqui se juntou é bastante cúmplice, dinâmico, arraigadamente coeso. O teatro junta sempre tanta gente, tantas pessoas que ainda gostaria convidar, daí ter estendido o convite ao músico João Macedo para compor a “banda sonora”. Ele assiste aos ensaios, ouve e reflecte quais os sons a incluir em algumas partes da peça. Depois, contamos esperar algum tempo pelo resultado desta sua experiência. O mesmo irá acontecer com o cenário, que queremos que seja de nuvens, memórias, futuro e, muita, muita, fantasia. E é claro, quando pensarmos no trabalho relacionado com a imagem/divulgação deste espectáculo que pretendemos colectivo, teremos aqui que contar  com o ensejo da Júlia Garcia e da Tipografia Micaelense.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Telegrama para Janeiro Alves no Forno de Agosto

               Caro amigo Janeiro Alves,

            Fiquei perplexo e com os pulsos fistréticos após a leitura da sua missiva no jorro de Julho. Não sei se conseguirei entrar com os pés juntos no mês de Agosto dado ter entrado em pânico ao ver que finalmente alguém o chamou para se apresentar num interrogatório do palácio governamental em Lisboa. Nada a temer. O amigo Janeiro vai desculpar-me, mas todos nós necessitamos dos seus conhecimentos humanos e das suas mais recentes descobertas científicas ao serviço da humanidade. Não se apoquente, precisamos muito de si, meu caro, e eles devem saber exactamente o que pretendem. Aproveite para dar a conhecer a essa juventude, sem ponta de respeito ou liberdade, os seus deliciosos pantagruélicos filetes de peixe porco.  Não sei se sabe, mas eu tive também que responder à Polícia dos Costumes e da Tirania do Progresso do porquê de ainda não ter aberto qualquer conta no facebook ou o motivo por que é que não vejo televisão há sete anos ou ainda a razão de não ter curiosidade por atentados auto-sacrificiais ou mesmo dar qualquer importância à secção de Classificados de Carne Humana do Correio da Manhã e, em último caso, o facto de só me interessar pelas vitórias de Portugal no Campeonato da Europa, tendo em vista o objectivo de me deixarem virar discos durante seis horas numa taberna com bar aberto.
À semelhança do amigo Janeiro, também eu tenho a casa escoltada, mas por outras razões. É que decidi acolher em meus aposentos a minha querida amiga de origem sueca (o pai é da Nicarágua, a mãe é de Lund), a belíssima Pipi Halstroom, uma estrela emergente da Sociologia Moderna e que não pára de citar Emile Durkheim pela manhã, Karl Marx pela tardinha e Slavoj Zizék, após duas garrafas de maduro tinto. Caso o Janeiro Alves ainda não o tenha pressentido, ela é perita em turistificação e gentrificação. Incansável e focada no seu métier, encontra-se neste momento a criar sinergias com a comunidade local no sentido de travar o capitalismo de saque que quer, recentemente e a qualquer preço, transformar os centros históricos em autênticas salas de partidas e chegadas. Desconfio que mais tarde ou mais cedo seremos convidados pelos turistas a tirar fotografias para exemplificar como era a vida nas velhas ruas ou sítios abandonados antes de tudo isto ter acontecido. Até lá, aproveito para lhe enviar uma caixinha de mirtilos para que desfrute deste Estio sem pensar muito na selvajaria económica que tomou conta do nosso presente e das últimas poupanças.

Com estima e consideração,
Doutor Mara

Dramaturgos Profissionais; Dramaturgos amadores

     
Charlas Quotidianas do Doutor Mara
O tema é, entre nós, quase irrisório. Há aí alguém que se possa gabar-se de ser dramaturgo profissional? Entenda-se, no entanto, que não é minha intenção trasladar para a nossa pobre dramaturgia o problema desde há certo tempo debatido nos jornais desportivos acerca do nosso luxuriante futebol. O caso é outro. Entendamos por profissional o dramaturgo que entrega regularmente à confecção de peças que são representadas e lhe trazem proventos. Dramaturgo amador será o outro, o que trabalha por um imperativo interior e, por consequência, irregularmente, e que ignora, quando escreve, qual o destino da sua obra.
              É evidente que muitas das vantagens, se não todas, estão do lado primeiro. Sem dúvida que o cultivo aturado de uma profissão – que bem pode ser uma arte – faz que se vão descobrindo os segredos dela, e que horizontes mais vastos se vão rasgando. Notemos, no entanto, que tal aprofundamento e tal alargamento são especificamente do métier. Quero dizer: se em toda a arte há uma técnica própria e um conteúdo humano (evidentemente que o conteúdo artístico é imprescindível, sem o que não poderíamos falar em arte), a continuidade no exercício dela só pode, ou pode principalmente, assegurar ao artista o domínio dos meios técnicos de a exercer.
                Mas a dramaturgia vislumbra-se, através de problemas técnicos, problemas humanos. Não parece que a obrigatoriedade de fornecer empresas, o empenho de corresponder ao agrado do público, a luta pela conquista do êxito sejam elementos exaltadores da sensibilidade artística. O profissionalismo, assim concebido, pode criar inibições no espírito do dramaturgo. A arte de escrever peças é das que mais directamente estão sujeitas à aceitação do público que as paga para as ver e ouvir. Mais do que nenhuma outra dependente do tempo e das oscilações do gosto, não há nela margem para a reflexão que corrige as injustiças e reconhece obras primas em produções que passaram despercebidas aos serem pela primeira vez apresentadas.

João Pedro Andrade in "Reflexões sobre o Teatro Português" com  Introdução e ordenação de textos de Maria Helena Serôdio.