terça-feira, 2 de agosto de 2016

Dramaturgos Profissionais; Dramaturgos amadores

     
Charlas Quotidianas do Doutor Mara
O tema é, entre nós, quase irrisório. Há aí alguém que se possa gabar-se de ser dramaturgo profissional? Entenda-se, no entanto, que não é minha intenção trasladar para a nossa pobre dramaturgia o problema desde há certo tempo debatido nos jornais desportivos acerca do nosso luxuriante futebol. O caso é outro. Entendamos por profissional o dramaturgo que entrega regularmente à confecção de peças que são representadas e lhe trazem proventos. Dramaturgo amador será o outro, o que trabalha por um imperativo interior e, por consequência, irregularmente, e que ignora, quando escreve, qual o destino da sua obra.
              É evidente que muitas das vantagens, se não todas, estão do lado primeiro. Sem dúvida que o cultivo aturado de uma profissão – que bem pode ser uma arte – faz que se vão descobrindo os segredos dela, e que horizontes mais vastos se vão rasgando. Notemos, no entanto, que tal aprofundamento e tal alargamento são especificamente do métier. Quero dizer: se em toda a arte há uma técnica própria e um conteúdo humano (evidentemente que o conteúdo artístico é imprescindível, sem o que não poderíamos falar em arte), a continuidade no exercício dela só pode, ou pode principalmente, assegurar ao artista o domínio dos meios técnicos de a exercer.
                Mas a dramaturgia vislumbra-se, através de problemas técnicos, problemas humanos. Não parece que a obrigatoriedade de fornecer empresas, o empenho de corresponder ao agrado do público, a luta pela conquista do êxito sejam elementos exaltadores da sensibilidade artística. O profissionalismo, assim concebido, pode criar inibições no espírito do dramaturgo. A arte de escrever peças é das que mais directamente estão sujeitas à aceitação do público que as paga para as ver e ouvir. Mais do que nenhuma outra dependente do tempo e das oscilações do gosto, não há nela margem para a reflexão que corrige as injustiças e reconhece obras primas em produções que passaram despercebidas aos serem pela primeira vez apresentadas.

João Pedro Andrade in "Reflexões sobre o Teatro Português" com  Introdução e ordenação de textos de Maria Helena Serôdio.

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