terça-feira, 4 de dezembro de 2018

100 Anos de Ingmar Bergman: A Entrevista Ambicionada

Ingmar Bergman, Sven Nykvist, Erland Josephson e Liv Ullmann

«Irascível e impaciente, concordou, no entanto, em começar a nossa conversa (talvez a primeira ou única com um jornalista português) por aludir às suas funções e ambições como director da primeira cena nacional da Suécia. “Não quero ser dogmático. Não entrei aqui para reformar tudo. Sou um artista, não sou nenhuma vassoura. O que é bom deve manter-se. Recebi este cargo como se recebe um fato novo. A forma aparecerá com o tempo.” …. Na realidade, as de início muito criticadas medidas audaciosas então lançadas por Ingmar Bergman cedo começaram a surtir efeito e a recolher o aplauso geral. Ele chamou a grande maioria dos atores, encenadores, dramaturgos e diretores teatrais suecos, incluindo os intérpretes dos seus filmes, garantindo-lhes boas condições profissionais e financeiras. Libertou-os de exclusividades absurdas, dando-lhes plena autorização para aplicar o seu talento na valorização da arte e no benefício do público em todas as oportunidades possíveis. No Real Teatro Dramático ou noutros palcos, na capital ou na província, no cinema ou na televisão. Realizou teatro para crianças e estudantes em salas alugadas. Levou fragmentos do Dramaten vários pontos do país. Incluiu um reportório infinito, com as obras mais atuais e discutidas em qualquer ponto do mundo. Criou teatro a preços de cinema.
“O mais importante é a difusão do teatro e o direito do público de apreciar o melhor” – “Satisfeito com os resultados?” – perguntei. Resposta: “Nunca poderei estar contente desde que haja uma cadeira vazia num espetáculo.”.
(…). Sempre foi evidente que para Bergman a arte era um sacerdócio. Na sua opinião um artista só devia desempenhar figuras pelas quais se apaixonasse. Contrariamente ao normal, não forçava os atores a adaptarem-se sacrificadamente às personagens das suas obras. Ao criar histórias, modelava-as desde o princípio às características genuínas, mentalidade e temperamento dos artistas com quem contava. Detestava mudar de intérpretes nos seus filmes. Uma grande parte dos seus atores trabalhava com ele ininterruptamente há mais de vinte anos. “Quando trabalho num filme ou numa peça, todas as personagens se metem de tal forma na minha cabeça, que eu próprio chego a submergir nelas” – confessou.»
César Faustino in E, Revista do Expresso, 1 de Dezembro de 2018