sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Arquitectura

Amanhã é outra vez sábado
o nosso encontro é num plano inclinado
linhas e traços de cariz festivo 
assim como quem não quer a louça
carregar livros por ruas de subida inóspita
descer com as compras Outono/Inverno
o medo é o saldo do futuro hipotecado 
virar páginas coleccionar gravuras 
a fotografia é o pintor sem fantasia
paga-se fim de semana com sossego
quanto é que tiraram do bago?
Amanhã é outra vez sábado 
entrar em casa habitualmente 
realizar educada saudação do dia 
a cabeça finda a noite não desliga 
afogam-se glândulas no mergulho
a coluna a amparar a rapariga 
e um estranho clarão disseminado. 


La Tendresse

«Somos dois a envelhecer 
contra as bordoadas do tempo
Mas quando vemos chegar
a morte trociscta 
sentimo-nos sós»


Jacques Brel
"Gosto da ternura. Gosto de dar e receber. Mas, de um modo geral, todos temos falta de ternura, sem dúvida porque não ousamos dá-la nem recebê-la. Sem dúvida, também, porque a ternura devia vir dos pais, e a família já não é o que era antigamente. A ternura esvai-se dia a dia e o drama é que não há nada que a venha substituir. As mulheres, em especial, já não são ternas como antigamente. O amor é uma forma de expressão da paixão. E a ternura é outra coisa diferente. A paixão desaparece mais cedo ou mais tarde, mas a ternura é imutável. Existe concretamente. Tenho a sensação de ter nascido terno. Penso que aquilo a que eu chamo amor nas minhas canções é, na realidade, ternura. E sempre o foi, mas só agora começo a aperceber-me disso."

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Diários de Angra II

A Recolha das Batatas, 1898, Óleo sobre tela,
Paris, Museu d'Orsay
Procuro por aqui sinais da existência do pintor José Júlio de Souza Pinto. O pintor nasceu  em Angra do Heroísmo, a 15 de Setembro de 1856 e era filho do Dr. Lino António de Souza Pinto, natural de Valongo, e de Ana de Sousa Loureiro, da freguesia da Sé, no Porto. O seu irmão, António de Souza Pinto, também se dedicou à pintura. Descubro assim que viveu nas ilhas atlânticas até aos catorze anos, para além dos primeiros anos na Ilha Terceira, passou por Santa Maria e São Miguel. No Museu de Angra do Heroísmo há alguns desenhos dele mas, segundo vozes avisadas do museu, não há qualquer referência na obra deste à sua vivência na ilha Terceira. E pergunto: o que é que terá acontecido? Primeiro, a ausência de referências na obra do pintor ao seu local de nascimento e crescimento, por outro lado a inexistência por aqui de uma obra, uma rua, uma placa evocativa da sua origem terceirense. É curioso que este tenha pintado "A Volta dos Barcos" aos trinta e cinco anos...

Do Alexandre, fotógrafo.


       Era filho de um poeta maior da língua portuguesa que devíamos saber pelo menos dez poemas de cor e salteado: Alexandre O´Neill. Acrescentamos o nome Delgado - era filho de Noémia Delgado, primeira mulher do poeta - e temos Alexandre Delgado O´Neill de Bulhões. Aqui está um fotógrafo português do século passado, desaparecido prematuramente aos 37 anos mas que antes esteve nas ilhas açorianas a fotografar a pesca ao atum e a caça ao cachalote. Em 2007, a editora Assírio e Alvim lançou o livro de fotografias "Reportagem nos Açores", com um prefácio de Alfredo Saramago que nos conta o seguinte: "O Alexandre, ao longo da sua curta existência, entendeu que a fotografia era um meio caminho entre o mítico e o místico e que, na maioria das vezes, o fotógrafo não passa de um sedutor de imagens."

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

À Terceira Ilha: o olhar lento do viajante

 No culminar do Outono chega-se à Ilha Terceira de avião, com uma gare do aeroporto completamente deserta, típica de um domingo insular. O destino inicial é São Mateus, àrea rural na zona envolvente de Angra do Heroísmo, composta de colinas e pequenos vales, nascida desse contraste entre a forte ruralidade e a evidente presença do mar. Passagem, no entanto, obrigatória pelo centro histórico da cidade de Angra do Heroísmo, a caminho de completar no próximo ano as suas três décadas de património da Humanidade, declaradas pela UNESCO no ano de 1983. À chegada a São Mateus avista-se a sua acolhedora e agradável baía com os barcos encostados ao porto e pescadores olhando o horizonte em descanso domingueiro.
Regresso nos dias seguintes à cidade de Angra que se abre ao fascínio da arquitectura, a sua vetusta e assinalável personalidade, o seu impulso desenhado ao longo de séculos e o seu conjunto arquitetónico rico e diversificado. O início deste périplo é pela Sé Catedral, a sede da religiosidade do arquipélago, exemplar da arquitectura filipina acrescentado a uma igreja gótica do século XV, fustigada pelo terramoto de 1980 e mais tarde por fogo posto, tendo a sua reconstrução permitido respeitar a traça original. Uma simpática senhora dá-nos a ver a capela-mor, repleta de pinturas e pratas do séc. XVII e ainda a sacristia com móveis de jacarandá, avistamos também a parede composta por uma galeria de retratos a óleo dos prelados diocesanos. E nem só do passado regurgita a arquitectura de angra, já que o século XX trouxe consigo o Palacete Silveira e Paulo, durante muitos anos a Escola Comercial de Angra, obra arquitectónica do mestre micaelense João da Ponte, característico da imponência visual ao cimo da Rua do Galo, actualmente a casa da Direcção Regional da Cultura. Atravesse-se desta feita o centro da cidade para chegar ao edifício do Centro Regional de Segurança Social pertencente ao arquitecto da "geração moderna", Raul Chorão Ramalho, numa obra moderna e singular, aberta à luz e ao encontro. E se fosse necessário confirmar a enorme vitalidade cultural angrense, nada melhor do que confirmar in loco o leque variadíssimo de actividades de pendor reflexivo e artístico, num único fim de semana preenchido pela filosofia, teatro e música. Tempo, portanto, para assistir ao Colóquio Internacional Comemorativo do Dia Mundial da Filosofia, sob o signo de "A Filosofia, Hoje", organizado pelo Centro de Estudos Filosóficos da Universidade dos Açores, que teve enquanto oradores personalidades variadas: Viriato Soromenho Marques, João Branquinho, Marcelino Agís Villaverde, Magda Costa Barcelos, Nuno Ornelas Martins, entre muitos outros presentes no Pico da Urze. Depois foi a vez de assistir na sede do Alpendre à peça de teatro "Colmeia", num texto contemporâneo divertido, crítico e mordaz à sociedade e literatura light, evidenciando assim a necessidade de partilha do riso e do humor com a assistência. No foyer do Centro de Congressos de Angra do Heroísmo houve também atenção e reforçada expectativa para ver e ouvir o concerto de Luísa Alcobia, acompanhada ao piano por Grigory Grytsyuk, numa encantadora viagem pela música dos séculos com as partituras de Mozart, Schubert, Fauré, Luís Freitas Branco, o açoriano Francisco de Lacerda e, por último, Erik Satie.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Renovação de um Mundo Comum...

Hannah Arendt

"A educação é assim o ponto em que se decide se se ama suficientemente o mundo para assumir responsabilidade por ele e, mais ainda, para o salvar da ruína inevitável sem a renovação, sem a chegada dos novos e dos jovens. A educação é também o lugar em que se decide se se amam suficientemente as nossas crianças para as não expulsar do nosso mundo deixando-as entregues a si próprias, para não lhes retirar a possibilidade de realizar qualquer coisa de novo, qualquer que não tínhamos previsto para, ao invés antecipadamente as preparar para a tarefa de renovação de um mundo comum."

PS- Da Hannah Arendt, claro.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Santo Amaro, sempre!

Santo Amaro (Foto FN)







Em Santo Amaro, Ilha do Pico, conhecemos um homem, antigo construtor naval que, após nos oferecer queijo e vinho, nos disse: "Se o assunto for futebol, não sei dizer nada. Se quiserem falar de barcos, falarei convosco a noite inteira."

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Mar Imenso


Baía do Canto por FN

     "Sempre que regresso às ilhas atlânticas trago comigo o livro de Raul Brandão. Descubro na sua leitura livros e situações - na luz e no silêncio - coisas que me surpreendem, seduzem, fascinam. Mas é o convívio humano - olhares, gestos - e a sua generosa entrega, que me enriquece espiritualmente e aqui procurei evocar. O amor para com os outros é o melhor de nós. E é o melhor de nós que encontro no meio deste mar imenso."

Texto da exposição "Aproximações" da autoria do fotógrafo Jorge Barros, Casa da Cultura de Angra do Heroísmo.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Dívida Soberana



Albert Camus


"Hoje em dia, uma grande cidade é o único deserto ao nosso alcance."

Albert Camus