quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Fazendo de Março (nº97)

     
Ilustração de Jacques Cousteau (Pedro Valim)
Neste número 97 a fotografia da capa pertence ao holandês residente no Faial há cinco anos: Dieter Ludwig. Trata-se de um retrato dos anos finais da caça à baleia nas ilhas do triângulo. No seu interior uma entrevista arejada, muito fresca, por sinal, ao Outdórico Dabneyda” que acabou de se estrear na ilha azul. Destaque para as exposições de Agnès Juten (escultura) e Rui Melo (pintura), o curioso e pertinente artigo de Paulo Lisboa intitulado “Nos Açores com Raul Brandão”, os “Morcegos” Dieter Ludwig e Agnès Juten, a apresentação do Múma que irá animar os fins de semana faialenses, o sempre animado suplemento “Fazendinho”, da responsabilidade da Rita Mendes e da Melina Álvaro, a inusitada e sempre hilariante rúbrica “Onde São para Ti os Açores”, da Sara Soares, uma conversa com os Wave Jazz Ensemble que atuam este fim de semana no Teatro Faialense, o artigo “A Vida dos Cachalotes no Atlântico Norte” da autoria da Claúdia Oliveira, uma entrevista de Teresa Cerqueira a Ricardo Ferreira sobre as danças que nos fazem bem à saúde e ainda outro artigo sobre arte na forma de palavras no Museu de Angra do Heroísmo.  A concepção gráfica desta edição é das Ilhas Cook (Tomás Melo e Aurora Ribeiro) e é, certo e seguro, continua a espalhar-se ao comprido pelas habituais cinco ilhas do arquipélago açoriano. Boa leitura.


J.P.Simões no Sporting...da Horta.

Fotografia:http://www.jpsimoes-fotos.blogspot.pt/

      Já passaram mais de dez anos dos “Quinteto Tati” e houve, entretanto, o álbum “1970” e um trovador em dueto com Márcia (a canção chamava-se “A Pele que Há em Mim (Quando o Dia Entardeceu”), tendo este tema ajudado a elevar-se ao trono da popularidade. Para trás ficou a participação enquanto cantor dos "Belle Chase Hotel" e várias “óperas musicais” levadas a cima do palco em forma de canção. Quem for assistir ao concerto na sala do Sporting da Horta, no próximo dia 28 de Fevereiro, pelas 23 horas, pode  ouvir baladas, dissonâncias e ousadias deste cantautor presentes no recente disco “Roma”, editado em Abril de 2013. A organização do concerto é da Associação Cultural Música Vadia.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Que Vergonha Rapazes!

Que vergonha, rapazes! Nós práqui,
caídos na cerveja ou no uísque,
a enrolar a conversa no “diz que”
e a desnalgar a fêmea (“Vist’? Viii!”)

Que miséria, meus filhos! Tão sem jeito
é esta videirunha à portuguesa,
que às vezes me sorgo no meu leito
e vejo entrar quarta invasão francesa.

Desejo recalcado, com certeza...
Mas logo desço à rua, encontro o Roque
(“O Roque abre-lhe a porta, nunca toque!”)
e desabafo: - Ó Roque, com franqueza:

Você nunca quis ver outros países?
-Bem queria, Sr. O’Neill! E... as varizes?

Alexandre O`Neill in "De Ombro na Ombreira" (1969)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Os Wave Jazz Ensemble no Teatro Faialense

-Em que fase é que o Wave Jazz Ensemble se encontram, isto é, o que é que têm feito e o que pensam fazer?
Fotografia de Manuel Martins Menezes
WJE-A banda, tendo nascido em 2010, partindo da vontade de uma exploração da linguagem jazzística em combo, no sentido de permitir uma abordagem mais livre dos temas, privilegiando o desenvolvimento da improvisação, continua a fazer esse trabalho no sentido de uma evolução em termos de conjunto e também individual. Paralelamente, ou complementarmente, a banda tem trabalhado e desenvolvido temas originais e arranjos próprios de standards e, também, temas tradicionais. Os Wave têm feito, também, um trabalho gravação de alguns desses temas, com vista a uma publicação futura, neste momento, sem prazo definido, dependendo esta dos apoios necessários. Para além desta atividade, existe depois o trabalho específico de preparação de repertório específico para os concertos que, felizmente, têm acontecido, sendo o próximo no dia 28 de fevereiro às 21h30, no Teatro Faialense. No futuro próximo, a banda tem compromissos em agenda de natureza estritamente musical e, também, de divulgação e sensibilização para o Jazz, encontrando-se alguns deles em fase de produção, e que vêm na sequência dos concertos marcantes para a banda, como foram aqueles com Claus Nymark, Coro Pactis, por exemplo, sendo a nossa intenção poder fazê-los, também fora da Terceira, com outros convidados, assim haja interesse das entidades promotoras de eventos nesse sentido.

Excerto de uma entrevista aos Wave Jazz Ensemble

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Ver Estranhas Formas a Pensar - sobre a escultura e os desenhos de Agnès Juten

Escultura como arte da representação. Desde a antiguidade clássica, muito antes da escultura ter sido escolhida para ser a quarta arte por Ricciotto Canudo, que esta esteve sempre ao serviço da representação do corpo humano, elevando-o à condição suprema nas artes clássicas, pontuando as suas formas antropomórficas com o estatuto de divindade. Desta tradição e volume constam o mármore e o bronze como materiais essenciais ao trabalho do colectivo de artistas. O renascimento acentua a representação naturalista do corpo humano, desenvolvendo a técnica e aperfeiçoamento do nu, muito pelo conhecimento adquirido e avanço do saber acerca da anatomia humana. Os processos criativos foram variando ao longo dos tempos e das épocas. Esculpir era, pois, ilustrar, representar por imagens o ser humano em redor, e se possível revelar a plasticidade das formas humanas, moldando-o com várias técnicas e  materiais envolvidos na criação de objetos representativos da figura humana e humanizada.
Sem título - Agnès Juten (2014)
Escultura como arte de manifestação e suporte. Chegados à escultura contemporânea e, já sem pensar na representação do corpo humano, que ideia de arte podemos conceber? Olhamos em redor e vemos que não há representação de corpos ou figuras humanizadas, apenas manifestações de uma vontade individual de construir uma realidade, que é sua, e expressar a sua visão do mundo. Melhor dizendo, dar a pensar os vários mundos que em nós habitam podia bem ser o leit motiv deste impulso criador, pois criar pode ser o sustentáculo de novas formas de realizar o nosso olhar, muitas vezes que julgamos estar perdidas ou nunca vistas. Os materiais que muitas vezes julgamos desencontrados, espalhados pelos nossos lugares de trabalho, pelas ruas, à deriva pelo chão, apartados de qualquer espaço ou local, poderão assim encontrar outros significados e expressão. Há uma espécie de serendipitismo da forma (ou arte de configurar o mundo) se quiserem. O uso dos materiais recuperados ganha assim nova expressão, resultando daí um novo suporte. O caos em redor, ou quem sabe, o caos interior, necessitou sempre de ser ordenado, procurando novas formas e renovadas representações, para fornecer e inventariar ideias, sobretudo para dar conta de outros mundos por vir, imaginar, ou saber.
Escultura como arte em movimento. A escultura contemporânea e a arte em geral podem ser consideradas inúteis e desprovidas de qualquer função caso não tenham, pelo menos, a veleidade de nos fazer pensar. É perfeitamente consensual acreditar que os objetos aqui presentes nos suscitem um conjunto de significações, sentidos e, com toda a clareza e distinção, sentimentos. Dessa sensibilidade da autora até ao vosso entendimento como fruidores da obra da arte é que podemos afirmar se a arte está a ser devidamente cumprida, isto é, pensada, interrogada, sentida. Essa é a escultura, enquanto metáfora do mundo e da vida, que faz mover o pensamento, o sentimento. Aquela que é capaz de lançar novos mundos no nosso mundo.Aquela que introduz acção, movimento, enfim, desequilíbrio, essencialmente, inquietação. Inquietemo-nos.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

"Novas Obras"de Agnès Juten na Casa Manuel de Arriaga

retirado daqui:www.agnesjuten.com 

       Agnès Juten irá expor esculturas e desenhos na Casa Manuel de Arriaga, na cidade da Horta, Ilha do Faial. A exposição intitulada "Novas Obras" abre dia 20 de Fevereiro, às 18 horas, e vai até 10 de Abril. Agnès Juten é uma artista plástica, holandesa, radicada na Horta, com um longo percurso e pergaminhos. Será mais uma oportunidade de apreciar um conjunto considerável da sua vasta obra. São desenhos e esculturas muito recentes, alguns destes realizados para o efeito, que a artista elaborou, imaginou e concebeu no seu atelier da rua Visconde de Santana, nº 7. 

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Lastro Rubro de um Fevereiro Ameno

        Nuvens feitas farrapos cobrem por instantes o céu que se avista da praia de Porto Pim no declinar do sol. São vários desenhos de nuvens que se estendem até ao horizonte, dispostos como lençóis brancos repletos de curvas e de formas bem compridas. Há, no entanto, um clarão de luz a abrilhantar a cor rubro-alaranjada que emerge ao fundo de um cenário alvo e resplandecente. A noite há-de chegar. E enquanto há reflexos de uma luz flamante resiste-se à caminhada que nos virá a temperar a vista com um azul cerúleo, desbotado, completando assim a solenidade de cores que se agrupam sem se agredir. Acompanha-nos o marulhar das ondas como carneirinhos movimentados a compasso e a talho de despedida de mais um fim de tarde ameno. Não tarda nada e a noite vencerá o dia. Desfeita a ilusão que resta da claridade, recupera-se com esperança aquele momento ténue e reluzente. É noite. A escrita deverá cumprir agora o seu dever do que resta dessa incandescente interioridade. 

Do amadurecimento

       "O amadurecimento é perceber que não somos omnipotentes e que os verdadeiros heróis são aqueles que não são mitificados. São aqueles que são heróis e amados por serem como são. Uma coisa é mitificar as pessoas, outra é aceitar a vida como ela é. Absurda. Sem lógica, não mitificada. Não ficcionada."

Beatriz Batarda, in P2, 15 de Fevereiro de 2015

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Outros Sentires e Pensamentos do Corpo

       
Wave de Agnès Juten (1988)

A realidade criativa do artista é a de questionar as respostas da arte, no sentido de abrir a percepção para outros sentires e pensamentos do corpo. A arte é uma realidade empírica que se abre às intuições e se projecta no mundo simbólico dos seus fruidores como metáfora de uma realidade mais profunda do ser, que apenas se revela após a experiência e evidência de acto criador. Esta consciência de que a arte comunica através da metáfora e pela revelação de algo que suscita sentimentos e pensamentos que se consubstanciam no mundo do fruidor, transformando a sua sensibilidade estética e o seu entendimento artístico, é essencial para quem trabalha no campo da arte e a quer pública.” 


Alberto Carneiro

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Myrica Faya no Teatro Faialense

Myrica Faya é uma banda musical da Ilha Terceira, composta por Bruno Bettencourt (viola da Terra), Cláudio Oliveira (baixo), Emílio Leal (piano, voz), Pedro Machado (guitarra, voz), Ricardo Mourão (guitarra, voz). No dia 21 de Fevereiro, no Teatro Faialense, irão apresentar o seu primeiro disco intitulado “Vir’ó Balho”, datado de 2014, contando com um reportório essencialmente elaborado por músicas tradicionais açorianas, sendo certo que escutaremos as suas reinterpretações de “Caracol”, “Charamba”, “São Macaio”, “Sol”, “Lira”, o “Pézinho da Vila”, e ainda a celebrada internacionalmente, “Chamateia”. Estes temas são revestidos de novas roupagens, reforçadas pela panóplia de vozes deste agrupamento e com a predominância das cordas, evidenciado com a vivacidade das guitarras, inclusive a viola da terra, tão presentes no cancioneiro tradicional açoriano. 

As Raparigas Lá de Casa

Como eu amei as raparigas lá de casa
discretas fabricantes da penumbra
guardavam o meu sono como se guardassem
o meu sonho
repetiam comigo as primeiras palavras
como se repetissem os meus versos
povoavam o silêncio da casa
anulando o chão os pés as portas por onde
saíam
deixando sempre um rastro de hortelã
traziam a manhã
cada manhã
o cheiro do pão fresco da humidade da terra
do leite acabado de ordenhar

(se voltassem a passar todas juntas agora
veríeis como ficava no ar o odor doce e materno
das manadas quando passam)
aproximavam-se as raparigas lá de casa
e eu escutava a inquieta maresia
dos seus corpos
umas vezes duros e frios como seixos
outras vezes tépidos como o interior dos frutos
no outono
penteavam-me
e as suas mãos eram leves e frescas como as folhas
na primavera

não me lembro da cor dos olhos quando olhava
os olhos das raparigas lá de casa
mas sei que era neles que se acendia
o sol
ou se agitava a superfície dos lagos
do jardim com lagos a que me levavam de mãos dadas
as raparigas lá de casa
que tinham namorados e com eles
traíam
a nossa indefinível cumplicidade

eu perdoava sempre e ainda agora perdoo
às raparigas lá de casa
porque sabia e sei que apenas o faziam
por ser esse o lado mau de sua inexplicável bondade
o vício da virtude da sua imensa ternura
da ternura inefável do meu primeiro amor
do meu amor pelas raparigas lá de casa

Emanuel Félix in “Habitação das Chuvas” (1997)

(24 de Outubro de 1936-14 de Fevereiro de 2004-Angra do Heroísmo)

sábado, 14 de fevereiro de 2015

A Longitude do Amor Embarcado (com o som de fundo de "Cavalo"de Rodrigo Amarante)

Rodrigo Amarante
(imagem do You Tube)
      Talvez o poeta Al Berto conseguisse falar melhor sobre"a longitude do amor embarcado"  antes de ver"como seriam felizes as mulheres, à beira mar debruçadas para a luz caiada, remendando o pano das velas e espiando o mar", pois há tantos dias assim, povoados de uma felicidade miudinha como os pingos de chuva que julgam, assim, não molhar. Uma manhã de luz intensa e variada, muitos mergulhos no azul do mar, ainda uma tarde com o regresso deste melancólico mormaço tão típico da ínsula em que habitamos. A canção "Ribbon" de Rodrigo Amarante em repeat como se não houvesse ontem, amanhã ou depois. E, à semelhança de "O Céu que nos Protege", escrito pelo Paul Bowles, contaremos pelos dedos as vezes que vimos o nascer do sol ou a lua em noites de céu limpo, já que acreditamos ser tudo isto que existe em redor um poço sem fundo, uma canção interminável. Infelizmente, não é

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Benjamin Clementine: Lamento Doce

        Irrompe como um diamante sonoro em lamento doce e timbre esvoaçante, chama de canto dorido e belo, que dá seguramente para preencher o corpo das almas e dos dias Fevereiros de canções sentidas e amadas. Música plena. Para além de cantar, toca com as mãos um piano trémulo, quase aflito, a clamar por antigos sonhos e refeitas esperanças. As suas canções são compostas por atmosferas electrónicas que servem apenas para criar ambientes e cânticos de tal forma plácidos, por vezes sóbrios e, maioritariamente, encantadores. O músico nascido em Londres, com ascendência ganesa, a viver actuamente em Paris, amante da simplicidade de Leo Ferré, crítico de Brel enquanto artista total, dá pelo nome de Benjamin Clementine. É, seguramente, uma voz em crescendo desde que lançou o "At least for Now", álbum de estreia, afirmando e confirmando o músico talentoso que já é, para que assim o possamos escutar com alegria e redobrada atenção nos temas que hão-de vir. Até doer.