sábado, 8 de dezembro de 2018

Resposta a Janeiro Alves Antes que o Inverno Irrompa

Caro Janeiro Alves,
               Respondo-lhe no pináculo da minha popularidade, no cocuruto da minha notoriedade pois já não consigo palmilhar qualquer rua sem ser suspendido por vários transeuntes a implorar por autógrafos, selfies e perguntas sem nexo. Uma verdadeira amolação. 
Aproveito assim para retorquir a sua missiva em plena classe executiva do avião com os nervos à flor da pele, bastante perturbado até, tendo acabado por relê-la na Sala VIP do Varna Film Festival. Constato que Janeiro criticou publicamente o aparecimento do meu nome no horário nobre da televisão pública, irou-se com as respetivas loas da intelligentzia local à minha participação num folheto considerado por si de origem duvidosa, bem como denegriu, aliás, feriu de morte, a comunidade artística presente na apresentação do tão badalado opúsculo acabadinho de editar. Desta feita, pude constatar que Janeiro não suporta o glamour televisivo e cinematográfico, rejeitando de forma desmedida o universo da vernissage e do croquete. Entretanto, a recepcionista do hotel veio devolver-me o kit de banho que o meu bom amigo tinha esquecido durante o período da residência realizada em Varna, em que se dedicou à pintura na Primavera passada. Já cá mora para lhe entregar na sua próxima visita.
Fiquei estupefacto, deixe-me confessar. E, à flor da pele, aspiro tecer duras críticas a seu respeito, já que não poderia deixar de lamentar aqueles seus calções de banho com listas verticais vermelhas e uma toalha verde-alface da mais alta burguesia, decadente e dondoca, onde o meu amigo se move como uma jamanta. Imagine e, tendo em conta a nossa já longa amizade, que decidi arriscar uma entrada no mar negro com os seus rubros calções listrados. De imediato, senti-me com uma autêntica planta exótica a derreter, mirrei da cabeça aos pés e quase desapareci de tanta brancura. Certo que podia ter nadado com o meu escafandro, coisa que sempre fiz nos mares gelados, mas quis experimentar o seu kit, sentir-me à medida de Janeiro Alves, mas acabei um mês numa cama de hospital em convalescença.
Regressado à ilha, à minha bolha existencial, tenho recuperado a rotina à conta de gengibre e beterraba. Ingiro doses industriais de limão e por esse motivo não poderei estar presente na homenagem que lhe será feita pela Sociedade das Artes e das Letras, já que estou constantemente a ir à casa de banho. Foi, no entanto, com grande pesar que soube que o “Compêndio Geral de Plantas Exóticas” - obteve o galardão de “Pior Livro do Ano 2017”. Estranho, pois tinha sido informado logo nos primeiros dias por um membro do júri que iria obter o prémio de “melhor livro”. A ser assim, desconfio que alguém quisesse que Janeiro tirasse da arca o seu fato de asas de grilo, a lembrar as últimas Conferências da Fajã, e, assim, desse um novo impulso a esse trabalho glorioso em prol de prelecções futuristas que salvassem a humanidade do degredo. Por este motivo, conto dizer apenas algumas palavras de agradecimento por vídeo-conferência, enviar um emissário ao beberete e de seguida augurar que o amigo Janeiro seja levado sob escolta até Penedono, sem qualquer incidente. Aviso-lhe: eu nunca lerei o seu livro, já dei indicações precisas ao carteiro para não aceitar encomendas pois ninguém sabe o que esta pode conter. Não me leve a mal mas prefiro gastar os 25 euros na pastelaria groumet que abriu junto do meu escritório.
Concluo esta meritória missiva com um até breve pois julgo que chegou a hora de terminar com tantos enxovalhos e demais galhardetes. Talvez possamos a partir desta data partilhar este espírito natalício da rabanada e da aletria. Afinal, vivemos apenas uma vida e não quero passar a recordar os velhos tempos em que a fava e o brinde estavam prestes a irromper na próxima fatia. Que sejamos felizes com os regalos e delícias da quadra e do bolo rei.
Com elevada estima e apreço,
Doutor Mara