sexta-feira, 1 de abril de 2016

Não é Mentira, é Mesmo Verdade: uma Missiva de Janeiro Alves no Primeiro de Abril!

Caro Doutor Mara,
Vejo que as suas fontes de informação há muito passaram o prazo de validade, e actualmente não passam de “lixo”. Temo que esteja a ser ludibriado pelas companhias e infectado pelos andrajosos recantos que frequenta, já para não falar dos malefícios dos vícios que não consegue largar. Todos estes factores levam-no a formular cenários imaginários que em nada correspondem à minha realidade. Não fossem estas cartas pessoais, e as minhas credenciais arderiam em fogo posto premeditado, ainda que revestido de uma certa negligência atenuante. Não me escuso porém a incluir-me na culpa gravosa destas inverdades, pois o facto de não o pôr a par das minhas inquietações mais amiúde também contribui para essas suas construções fantasiosas. Suas, e dos seus amigos.
Numa situação normal, seria uma perca de tempo relatar-lhe o meu quotidiano actual de forma detalhada, mas a circunstância assim o exige. Pois fique sabendo, Dr. Mara, o que tenho feito nos últimos meses. Acordo por volta das 9 da manhã, visto o fato de treino e vou ao café. Aproveito para ler a bola, enquanto bebo um café acompanhado de um pastel de nata. Com o estômago já forrado, bebo duas ou três minis enquanto discuto com o empregado os acontecimentos da última jornada. De seguida vou ao mercado, e compro dois peixes, um para o almoço e outro para o jantar. Às vezes dois bifes, um para o almoço e outro para o jantar. Depois do almoço dedico-me a actividades lúdicas, tais como rever a minha colecção de selos ou fotografias antigas, lavar o carro com a mangueira, alimentar com os restos do almoço as minhas plantas carnívoras do jardim, ou simplesmente ver vídeos do México 86. Ao fim da tarde nunca perco o Preço Certo em Euros, e depois disso o habitual itinerário – novela, telejornal, jantar, novela. À noite vou à tasca do Victor, que tem um bom bagaço das Beiras, e jogo uma suecada com amigos. De seguida dirijo-me aos meus aposentos, visto o meu pijama às riscas, e deito-me. Nunca adormeço antes de ler duas ou três páginas do meu livro de auto-ajuda, e de engolir duas cápsulas de Cálcio Mais.
Como vê, esse indivíduo dissertador de Alfama que se pavoneia pelos salões da intelectualidade Lisboeta está longe de ser Janeiro Alves ou algo que se pareça. É certo que tenho vindo a alterar os meus hábitos, mas lá terei as minhas razões, e obviamente não lhas poderei transmitir, sob pena de se esvaziar por completo a capa de incerteza que paira sobre a minha existência.
No que respeita aos desinfectantes intestinais e paneleirices revigorantes, aconselho-o a experimentar uma boa feijoada à Transmontana com vinho tinto da Bairrada e vai ver o que é vigor e desinfecção! Uma limpeza. De qualquer forma, sei que apesar destas mariquices de gengibre, o Doutor se trata bem. Gosta de dar ao bigode, como se costuma dizer. E é por isso que lhe envio à parte, num tupperware, os seus filetes de peixe favoritos, adquiridos no inigualável Pitéu da Graça. Espero que aprecie.
Por fim, não poderia deixar de referir que envidarei todos os esforços para estar presente na inauguração da exposição da nossa muy amiga Miriam Manaia, pelo que se nos encontrarmos, vêmo-nos concerteza. Apesar das suas obras mais emblemáticas e por si referidas, vou propositadamente para admirar de fascínio e estupefacção aquela que para mim é o ex-libris das suas obras, o “avultado desejo de cobrição”. Há anos que a tento adquirir. Quanto ao seu périplo pelas universidades do país, é uma óptima notícia, pois enquanto andar ocupado com essas matérias não terá tempo para espalhar boatos espalhafatosos e alarves sobre Janeiro Alves, que é como quem diz sobre a minha pessoa.
Dito isto, e porque a missiva já vai longa, sublinho que o meu caro amigo ainda vai a tempo de reverter o processo de degradação da minha imagem pública além-mar. Não me leve a mal por insistir nesta questão, mas será fundamental para a novidade que lhe quero dar – Pretendo candidatar-me a Presidente da República Portuguesa.
Com elevada estima e sentido de estado,
Janeiro Alves

5 x Novalis

-“Os órgãos do pensamento são as partes genitais da natureza.”
-“A vida é uma doença do espírito, uma acção apaixonada.”
-“Os jornais são já livros feitos em comum. “O escrever em comum” é um sintoma interessante que faz prever um grande aperfeiçoamento na arte da escrita. Talvez um dia se escreva, se pensa, se aja em massa. Comunas inteiras, países, empreenderão uma obra.”
-“Muita gente se agarra à natureza porque, como meninos mimados, têm medo do pai e procuram refúgio perto da mãe.”
-“Pode haver momentos em que um abecedário nos parece poético.”

Frederico Lopoldo de Hardenberg dito Novalis in “Fragmentos” – Tradução de Mário Cesariny.