sábado, 21 de maio de 2016

Mar

Faz-se chamas com a fúria cava
de uma onda ou a táctil cobertura
de uma espuma

Começa em silêncio, embalando
uma canção de dentro, chamando
para a distância a promessa do reverso
afundado do mundo

Se digo mar
falo do homens que não passam
de sobras esquecidas para quem o destino
ilude, com um mais do que desesperado brilho
o recorte de um pesadelo
E acabam
com os corações
pescados ao largo de Lampedusa.

E não sei – nem sabem estes versos -,
como deixar que não seja o mar,
com o mesmo som sem lamento e sem delírio,
que traga mais ruína
à memória com que ainda se escreve Europa
enquanto regressa e acentua
a diferença entre tempo e eternidade
e me encontra à espera da manhã
a sua superfície em frente,
como se olhasse através do fim.

Rui Miguel Ribeiro, in “Mar”, livro de fotografia de Tiago Miranda.