sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Réplica a Janeiro Alves ao Cair da Folha Outonal

Caro Janeiro Alves,
É de madrugada e estava eu já com um pé na porta quando recebi um telefonema que alterou os meus planos.  Encontrava-me assim com duas latas de atum da corretora na mão quando recebi esse inusitado convite que travou a minha ida ao seu encontro: serei júri da maior prova de vinhos do mundo a realizar este fim de semana na marina de Cannes. Somos apenas cinco provadores, um de cada continente, por isso não devo nem posso faltar. É um reconhecimento tardio, mas que julgo vir no momento certo.
Tencionava, por isso, visitá-lo com urgência, mesmo que não autorizem visitas, já que soube, entretanto, que o meu amigo Janeiro não se encontra na plenitude das suas capacidades, o alerta foi dado pela antiga companheira do meu tio, a sueca Vicky Malastrom, confirmando o estado grave e alterado da sua personalidade. Ela enviou-me a tradução singela do poema contido na sua última missiva:“Ajude-me, salve-me desta tragédia!”. Depreendo deste modo que corre perigo, amigo Janeiro Alves. A loucura quando chega é para todos.
E, talvez por isso, transportaria comigo alguma literatura humorística-satírica com o intuito de trazê-lo de volta à realidade. Estou certo que o meu amigo tem levado uma vida com demasiada seriedade, sempre pronto a evidenciar o sacrifício dos dias laboriosos, o longo calvário em que se tornou a sua existência, demonstrando pouca tolerância e propensão para o ócio. E olhe, com toda a garantia do que lhe digo, os mangas de alpaca não tarda irão tomar conta disto.
Enquanto lhe escrevo esta missiva e atiro mais um par de meias grossas para a mala dourada deste enólogo certificado internacionalmente, avisto as açucenas – “a menina vai à escola” – que despontam no meu sublime jardim. Terei, assim, que abandonar por agora os meus estudos relacionados com a botânica ou a higrometria insular tal como essa visita à casa de restabelecimento mental em que se encontra. Espero, por instantes, que esta carta o encontre coberto das mais nobres vestes e calçado com os seus sapatos italianos de cetim afivelados, continue a ouvir concertos de clarim e harpa para coro de pássaros exóticos. Ou que as ninfas e ninfetas lhe continuem a fornecer directamente à sua boca os mais frescos frutos do bosque sussurrando palavras de bonomia aos seus ouvidos bem como esses fontanários de água celestial permaneçam a jorrar como tónico capilar para o cabelo que lhe voltou a medrar aos gorgolhões.
Amigo Janeiro Alves, não tardará muito para que, após o desaguar de vapores etílicos no meu circuito venal, o acompanhe nos corredores dessa casa magistral povoada de folia.
Seu estimado e maravilhoso amigo,
Doutor Mara