sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

“Corre, Emanuel, Corre”: Foi Tão Bom que Não me vou Esquecer!


“Corre, Emanuel, Corre” é, em primeiro lugar, um filme de alguém que se expõe não do ponto de vista biográfico mas sim a partir de uma perspectiva artística comprometida e vigilante face ao desenrolar da vida individual, social e das cidades. E que para isso são necessários sentidos sintonizados com a natureza circundante, antenas atentas que estão no centro da existência onde é essencial ver, ouvir, tocar, sentir, gostar e em que nada, nada mesmo nos é passivo ou indiferente. Aqui, Maria Emanuel Albergaria, cidadã e antropóloga, permite que a câmara capte o seu mundo e aí instale uma visão muito pessoal e criativa do seu ideário estético. A partir de várias fotografias obtidas na ilha de São Jorge, constrói-se um programa de registar esse processo interno de bloqueio/libertação vivencial e onde está presente a floresta/natureza como elemento de inquietação/pacificação e do qual este trabalho é processo ou resultado final.
Fotograma de "Corre, Emanuel, Corre"
Inspirado na exposição/instalação "Uma Casa na Floresta”, o projecto documental nasce dessa pulsão de registar o que foi a superação desses bloqueios interiores, acompanhando esse desejo adulto e fermentado de regressar a um olhar pueril e inocente, ultrapassando as barreiras exteriores convertidas em muros, cancelas, troncos de árvores em forma de metáfora. Daí o regressar às nossas porosidades e sensações mais íntimas e primárias, às memórias mais longevas e fecundas num universo poluído de simulacros e proliferação abundante de imagens, carregado que está de confusão e ruído e onde é já quase impossível pensar e sentir. A realização da exposição/instalação numa casa bem citadina, por sinal desabitada, coloca também uma interpelação ao nosso desapego pelo que ficou de vida e memória nesses centros desabitados, inquirindo até que ponto ganhamos com prédios incaracterísticos na periferia das nossas cidades quando a arquitectura por ali carece de ser (re) construída. 
Por fim, destaque-se ainda a fulgurante entrada musical deste documentário, sendo o som um elemento primordial ao longo destes quinze minutos, muito devido ao contrabaixo de Gianna de Toni e da viola de Arco de Ernesto Rodrigues, anunciando deste modo que estamos perante um trabalho colectivo de invulgar empatia entre os envolvidos, resolvida que ficou a partilha de autoria entre Emanuel Macedo e Bruno Correia, num trabalho bastante cuidado e justo face ao enquadramento dos sons com os diferentes registos de imagens, para além do movimentado vídeo de João Pedro Plácido e André Laranjinha. Este filme foi produzido pela "Tripolar" com o 9500 Cineclube, a Cresaçor e a RTP-Açores como Produtores Associados e recebeu o Prémio do Público no Faial Fim Fest 2011.

Et in Arcadia Ego

Jeremy Irons
         "Here, at the age of 39, I began to be old. As I lay in that dark hour I was aghast to realise that something within me, long sickening, had quietly died."
in Bridshead Revisited