quarta-feira, 8 de maio de 2013

Ao Cair do Tarde Não Sei Bem…


Fotografia de Tiago Rodrigues


         Talvez fosse ao cair da tarde que te avistei, já não me lembro bem, sei que trazias um vestido azul-escuro no teu corpo quase adormecido. Quando surgiste diante de mim, pareciam ondas que entrevia e me faziam pensar em palavras e promessas antigas. Tantas palavras que falámos e discutimos sobre tantas coisas que eu não sei. Não sei porquê apenas me lembro de dizeres que gostavas do mar e das flores. Eu gostava disso. Gostava de gostar das coisas que nos parecem simples e verdadeiras. Mostrei-te músicas que trago neste peito de coração ao vento, ali junto da maresia com a luz dos candeeiros por acender, com a Primavera por chegar. Tu parecias também gostar, uma canção de cada vez e soletravas baixinho os nomes dos grupos, não te fosses enganar. O teu tom de voz flébil quase me fez dormir enquanto falavas. E choraste quando te falei dos males do mundo, da conspiração económica que aí vai, ainda do universo financeiro em colapso e dos malandros à escala mundial que nos governam e que fazem de nós marionetas. Do mal que nós julgamos ter triunfado. Da rotina de todos os dias, das canseiras de todas as horas, do desperdício de todos os minutos. Da falta de liberdade e do que seria a vida se todos fossemos livres e sensatos. De uma nova ordem mundial mais justa em que gostaríamos de viver. Choraste tanto que pediste para me calar. Disseste-me que tudo isto é mau de demais para acreditar e que nós acreditamos porque queremos acreditar. Acreditamos tanto que já não olhamos o que nos rodeia, já não somos capazes desse gesto simples de olhar o mundo à nossa volta, dessa pequena acção diária que é estarmos atentos e subirmos as escadas sem olhar para trás. Temos ambos vertigens. Sofremos os dois do medo antecipado, do medo cultivado, do medo por esventrar. Eu apertei-te a mão. Apertei-te com tanta força que tive medo de te magoar. Sorriste e partiste sem dizer quando nos voltaríamos a ver. Não sei se voltas. Não sei se um dia irás voltar. Não sei bem. Talvez isto tivesse acontecido ao cair da tarde. Não sei bem. Pois bem. Eu queria muito querer-te bem.