domingo, 2 de abril de 2017

Pontes: Gramáticas da Criação em Ponta Delgada

Fotografia de Carlos Olyveira
Durante cinco dias da passada semana e, sempre ao fim da tarde, cumpriu-se o “Pontes – Gramáticas da Criação”. Duas dezenas de convidados estiveram na cidade de Ponta Delgada a partilhar ofícios e conhecimento, a conversar sobre os seus temas e assuntos de eleição, acolhidos que foram em lugares como os da Galeria Arco 8, Sinaga, Tascá e Igreja da Mãe de Deus.
Uma vez por ano, no dealbar da Primavera, os dias e a vida poderiam muito bem ser assim: reflectir em conjunto sobre aquilo que se faz, produz, constrói, isto é, falar sobre os caminhos das artes e da cultura e, porque não, o solidificar de várias cumplicidades e demais projectos criativos em que se encontram envolvidos. E como foi interessante e deveras entusiasmante, poder conhecer as visões de Nova Iorque de Jorge Monjardino e Paulo Abreu, a artesania editorial da Hélastre, de Saguenail e de Regina Guimarães, a descoberta e pesquisa dos sons de Raquel Castro, as curtas viandantes de André Laranjinha e Eduardo Brito, as ideias e as palavras representadas de Lígia Soares e Miguel Castro Caldas ou ainda a música atlântica de Medeiros/Lucas. A acrescentar, tal como uma cereja em cima de um bolo, algo que o João da Ponte também gostaria de ter participado - a edição dos “Cadernos de Poesia da Tascá”, com o design de Júlia Garcia, a organização de Diana Diegues e Rita Freire e com poemas de Blanca Calero, Bruno Soares, Eduardo Brito, Fernando Martinho Guimarães, Fernando Nunes, João Malaquias, Leonardo, Miguel Teixeira de Andrade, Regina Guimarães, Urbano Bettencourt, ainda as colagens de Paula Mota e João Amado.
         Após cinco fins de tarde intensos, curiosos e estimulantes, simples será de concluir que o “Pontes-Gramáticas da Criação" se traduziu num encontro realmente prolífico e auspicioso: entre ideias, filmes e canções, vozes e outros sons, publicações e poemas, ligaram-se cumplicidades, ergueram-se novas pontes. Sempre sob o signo de João da Ponte (que saudades!).
Retomemos agora, com delicadeza e toda a humildade do mundo, as agruras e as canseiras do quotidiano (ou lá o que é) pois a arte e a cultura apenas servem para dizer que estamos vivos e…atentos! Um bem haja à organização do “Pontes”!

Sala de Embarque: As quatro razões para partir

       
Fotografia de Carlos Olyveira

         Entre o partir e o ficar, fica a espera, a indecisão…
        Nunca ninguém parte completamente, porque partir nunca é, na verdade, ir sem deixar absolutamente nada para trás. As motivações para qualquer partida acontecem sempre tendo um ponto em comum: o da mudança. Acreditando-se poder chegar a um lugar melhor. Um sonho imaginado de um provável destino desconhecido. São quatro as razões para a partida de cada um dos personagens e que transformam esta Sala de Embarque numa sala de espera. A acção acontece à volta da vontade que cada um tem para mudar a sua vida e, embarcar no sonho impulsionado pelas motivações que o levou até ali. Há uma vontade de partir explícita nos diálogos que vão acontecendo, desvendando as estórias que existem em cada um dos quatro passageiros. Nestas conversas, vamos entendendo que todos querem partir numa espécie de fuga da sua própria vida, dos seus passados, dos pesadelos ou, apenas, fugir dos seus medos… Talvez até fugir de si próprios e encontrar o verdadeiro Eu numa viagem qualquer, nem que seja, tão só, na viagem da imaginação. Mas, o destino é sempre incerto, porque, incerto é o destino e o medo do incerto pode ainda ser maior que todos os medos já vividos. Neste encontro, há reencontros com um passado que se deseja apagar, de uma mudança que seja capaz de fazer desvanecer os fantasmas que teimam em estar presentes. Partir é procurar algures um destino que quebre memórias. Mas, será mesmo possível partir, esquecer ou atenuar a perseguição dessas sombras? A indecisão de viajar fica-se muitas vezes pelo sonho, porque o medo do incerto é aterrador!  Desiste-se ou adiam-se esperanças…Sala de Embarque poderá bem ser a “sala de espera” de qualquer um de nós, com as nossas indecisões, com os medos da mudança. Esperar é também esperança, a de se encontrar na sala de embarque uma porta de partida. Mais do que um local de espera, Sala de Embarque é um porto de abrigo onde são lançadas âncoras de fé.
        Fernando Nunes escreveu quatro histórias. Todas elas são diferentes  entrecruzam-se entre passado e futuro, em que cada um, pelas suas razões pessoais, deseja partir para embarcar na fuga de si mesmo, para um qualquer lugar imaginado e tido como “eventual” destino certo. Mas, entre o partir e o ficar, há a espera…a indecisão.
        Ao intenso trabalho, juntam-se os talentos de: Henrique Santos, João Malaquias, Margarida Benevides e Joana Marques que, com a sua criatividade, nos levam até à Sala de Embarque e nela fazer-nos esperar até que a viagem aconteça. À composição musical de João Luís Macedo vêm, também, juntar-se as cumplicidades de Lígia Soares, Ana Lúcia Figueiredo, André Almeida, Diogo Fonseca, Carlos Oliveira, Júlia Garcia e Miguel Caldas.
       Sala de Embarque é um esforço conjunto que muito merece o carinho de todos aqueles que procuram na arte e na cultura uma forma de aprendizagem complementar e não formal. Por esta razão, embarque e seja mais uma pessoa presente na Sala de Embarque.
José França