sábado, 1 de fevereiro de 2014

Trazer o Exílio no Semblante

Ilustração de Pedro Valim
Não adianta debandar mas a verdade é que deixaram aquelas pessoas sós. Demasiado desamparadas. Remediar esse desapego dizendo que elas caminham sempre com as meias e os sapatos rotos. Que indigência ver aquela gente necessitada de alma por ali sem rumo nem vitória. A sua vida comporta químicos e líquidos e sobeja água incessante por todos os lados. E nas gavetas os passaportes ainda que só viajem pelas ruas do seu país sob protectorado. E vê-los ali, parados, sem tão pouco conseguir proferir os seus pensamentos em português piegas quase dói. Bem podiam começar logo pela manhã a escrever o seu primeiro poema com o título “Encharcados de Lágrimas” e propor às editoras ainda existentes que abrissem os seus pequenos livros de poemas com mais olhos do que barriga. Contos de barriga vazia. Sabe-se agora que escrevem melhor prosa do que poesia pois descrevem memórias de outras paragens de forma tão triste e pesarosa. Discorrem sobre partidas e amores quase todos eles desiludidos e evaporados tal como o álcool nocturno consumido em bares de cidades antigas, abandonadas. Sobreviveremos mesmo sem desejarmos, não tenhamos dúvidas. Ou talvez  estejamos já acostumados, anestesiados a essa certeza de nada nem ninguém já querer patavina nem ninguém por aqui. É certo: escaparemos deste lugar e exilar-nos-emos para lá do que está previsto. Confiaremos cegamente nas estatísticas e em tantas imagens que nos injectam e assaltam diariamente e, dia após dia, devagar, muito devagar, começarão todos a partir. E mesmo assim estas pobres pessoas ficarão sozinhas, cada vez mais isoladas, nesse país à beira-mar defenestrado. Por isso não devíamos ir embora nunca. Nem aceitar exílios prolongados que permitissem que qualquer pensamento de mudança se perdesse em calendas gregas, agora também irlandesas. Quanto ao mundo é normal que permaneça cedido a engravatados de tráficos e demais comércios e aos comentadores das vagas e da incerteza. Desterrados de qualquer fé ou convicção já não incomodaremos mais nada nem ninguém. Banidos das ruas e das praças é estimado que fiquemos quietos, letárgicos e desanimados. Deportados de sentido ou de qualquer esperança. Apartamos de qualquer força ou energia. Sucumbiremos a tanta vontade de nos movermos daqui para fora. Assumiremos que mais grave do que exilar-se é o exílio dentro de nós.