quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Novembro Teima em Despedir-se

Fotografia de Carlos Olyveira
Novembro teima em despedir-se, faço-lhe a vontade, inclino a cabeça para o futuro e avisto navios no horizonte. Não tarda nada entrará Dezembro, o último mês do ano. A água do mar está mais quente do que aquela que corre no chuveiro. A temperatura do ar continua irrepreensível, permitindo-se em jeito de reflexão pensar no frio que virá... ou será que não teremos frio? Bebemos agora muito muito mais chá já que assumimos que os dias são curtos, os agasalhos alinhados, e eis que a claridade esvai-se muito cedo. De súbito, estremecemos com a passagem dos dias que cortam o fôlego de tão lestos, ansiosos e demasiado rápidos sem darmos conta. Entramos assim na recta final do ano dezassete deste século XXI.
Celebramos, portanto, a melancolia típica da estação. Julgamos ser este o mês dos fotógrafos, dos pintores, dos músicos e das artes que exultam esta morrinha existencial tão própria do Outono. Por isso a cidade é lugar de exposições, espaço de renovação deste nosso olhar que queremos atento, na busca curiosa ou demanda das artes visuais na contemporaneidade. Que arte e artistas para este tempo? Em lugar de visionamento e contemplação ali está, no Núcleo de Arte Sacra, a exposição de fotografia “Prece Geral”, mergulho interior nas imagens veneráveis e privilegiadas de Daniel Blaufucks aquando andou em visita pelo Mosteiro da Cartuxa. Em exibição também e, até à Primavera do próximo ano, ficará “Interior/Exterior”, com curadoria de Nuno Marques da Silva e Luísa Cardoso, que nos revelam a riqueza e singularidade das obras presentes nas colecções do Museu Carlos Machado. Visitamos a mostra com essa delicadeza da ocupação do espaço e o cheiro a criptoméria, aproveitando assim para ver obras de artistas plásticos - Ana Vieira, Domingos Rebelo, Tomaz Borba Viera, Ernesto Canto da Maia, Duarte Faria Maia, Pedro Palma, entre tantos outros que aqui viveram, vivem ou por aqui deixaram obra. Do mesmo modo, que quem quiser ver os animais que vivem à noite enquanto dormimos, pode sempre dar um salto à Miolo, galeria multi-artes, na rua Pedro Homem, e assistir assim à proposta de Mariana Lopes, que regressa muito mais intimista, quase secreta, fortalecida neste seu trabalho solitário e luminoso, percorrendo veredas e mato, em busca dos segredos escondidos da Ilha do Faial. Ao observarmos esta exposição retiramos outra perspectiva/abordagem imagética do arquipélago e, talvez por isso, estas imagens necessitassem de uma maior amplitude e profundidade.
Ainda nestes últimos dias de Novembro, para lá das castanhas nos pratos e o vinho tinto nos copos, aqui esteve em delícia, sumptuosidade e arrojo -“Viagens na Nossa Terra",  recital de Joana Gama, interpretando obras de Amílcar Vasques-Dias e Fernando Lopes Graça, mais aquela tarde de sábado com sonhos e pesadelos de “Nocturno”, num espectáculo de Victor Hugo Pontes e Joana Gama, a partir das surpreendentes composições sonoras de João Godinho. E...agora que recordamos as promessas por cumprir no ano que vai rapidamente encerrar, conviria recordar que, muito embora o fim deste ano esteja próximo, sempre nos restam os versos de Ruy Belo: "Não temas porque tudo recomeça/ Nada se perde por mais que aconteça / uma vez que já tudo se perdeu”.