segunda-feira, 18 de julho de 2016

Filme d´Estio.





Rapariga: Porque lê?
Filósofo: É o meu ofício.



in "Vivre Sa Vie" de Jean Luc Godard (1962).

Três Poemas na Canícula de PDL

Abandonei Febres Diárias

Abandonei febres diárias
banalidades típicas de um falso místico
sem religiosidade nem reino
amaldiçoei um absurdo destino
havemos de renascer noutro consolo
sensações desviadas de um outro percurso
num aguaceiro feliz e destemido

Ao devolver a candeia do presente
essa água que escorre das montanhas
pela limpidez secreta dos riachos
e o ciclo deslizante da estação
lemos sinónimos por germinar
protegidos de admiração mútua
vestimos trajes com flores e pássaros
é a mais provável das verdades
com uma única certeza
fomos inteiros sem desconfiar

Lento Purgar de Casa Caiada

Reentramos naquela casa por caiar
houve desencontro ao volver da esquina
afastamo-nos com uma una garantia
desfeitos da tensa e fogosa proximidade
arriscamos unhas e sementes
esmaecido colorido das flores

Os Poetas Também Dançam

Os poetas também dançam
Invadem com sombra as multidões
À hora de afogar vícios e glórias
Em suados ventres exibido nas camisas

Ávidas paisagens abandonadas
Ardem como mitos em lume brando
Esquecem inclinações e desapego
Envoltos de dores e perdas consentidas

Das veias temperadas e genuínas
Secos de fontes e torrentes
Confortam agitação e luz
Apagam velas e fogos de contentes

Um Muro em Ruínas

Com os lábios que seguiam no
corpo o desenho das veias
com as veias 
que cruzavam na carne nervos 
e músculos. Com a mão que
entre os lábios os dentes
mordiam 
aguardavas outra hora do
dia outro dia do mês outra
vida. Não ouves nem vês 
os veios da ilha 
a sombra da tua imagem. E
a ordem que te envia 
uma parede um muro em ruínas 
é o que de melhor encontras
para as tuas palavras -
a vez desse verso ninguém a 
conhece.

João Miguel Fernandes Jorge, in Antologia Açoriana, edição da Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada, 2011.