sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

A Música Maior que a Vida?


          Uma vez para imitar o Miguel Esteves Cardoso e, em plena adolescência, proferi num programa de rádio que havia música preferível à vida. A adolescência dá-nos para isso e para muito mais assim como andar com a capa do disco dos Jesus And Mary Chain (creio que era o Psichocandy) pelas ruas da cidade horas a fio até que alguém perguntasse quem eram os "Jesus and Mary Chain". Satisfeita a curiosidade pouco ou nada religiosa, regressava a casa com o dever cumprido e com a capa do grupo do underground britânico pronta para ir para o lugar de onde não devia ter saído. À distância não é mais possível transmitir a forma  crua e fidedigna que a música ocupava para aquele grupo de adolescentes vestidos todos de preto e cabelos em pé, jovens lunáticos que acreditavam piamente na música como a arte que aglutinava todas as emoções à flor da pele. 
           A música era assim o elo de ligação que acorrentava e funcionava como o estandarte em que se jogava a batalha de diferenciação entre os diferentes grupos e se extremavam posições bem definidas na topografia do estabelecimento escolar ou cafés citadinos. Lembro-me de alguém dizer que tinha chorado a ouvir o álbum "LC" dos Durutti Column e o contágio estender-se aos restantes elementos do grupo  e que, por isso, tinham tentado, em pleno quarto fechado e luz apagada, repetir a façanha e o choro derramado. Com estima, recordo também o gesto de um professor de Geografia, também ele treinador da equipe de basquetebol, emprestar cem (ouviram!), uma centena de vinis para ouvir e gravar durante um mês até que as cassetes BASF ou TDK se esgotassem e se cansassem de tantas gravações. Ou ainda de contribuir com uns parcos cinco escudos para que um "jovem hippie" pudesse assistir ao concerto dos "Filhos do Presidente"...será que existiram?!? E o que existiu mesmo foi esse desejo de ter uma banda a qualquer custo, isto é, sem o mínimo de condições e dinheiro para a comprar instrumentos e equipamento de som e, mesmo assim, dar concertos, tocar e encher os lugares que julgaríamos ser coisa apenas de músicos com tarimba e com carreira profissional.  
        É certo e sabido que crescemos e que, ao avistarmos um bando de flamingos num sapal em Castro Marim, a vida passa a ser outra coisa.  Mas ainda assim sabemos que é improvável, mesmo impossível, viver sem música. Como viver então sem músicas, sem músicos ou estórias de músicas e músicos em redor?