terça-feira, 11 de julho de 2017

Se eu Vivesse Tu Morrias no Teatro Micaelense

nós gostávamos que vocês
não nos lessem
ao mesmo tempo
que fazemos
gostávamos que vocês
em vez de nos lerem
ao mesmo tempo que fazemos
nos lessem
antes de fazermos
nós damos um tempo
para vocês lerem
e depois fazemos
e assim, por um lado, podem ler sem renunciar
a verem-nos fazer o que leram
e por outro lado
e isto é o mais importante
vocês sabem o que vamos fazer
É certo que podem preferir não saber
o que vamos fazer
e isso é perfeitamente compreensível
lerem previamente o que vamos fazer é como
se deixassem de estar aqui pela primeira vez
é perfeitamente compreensível que vocês
queiram ter a ilusão de que estão aqui pela primeira vez
sem saber o que vem
e ao que vêm.

mas para nós é importante
que saibam o que vamos fazer
é que se eu vivesse
(faz gesto com as mãos abrangendo todos)
tu morrias.

de Miguel Castro Caldas, sábado, dia 15 de Julho, 21h30, palco do Teatro Micaelense (Espectáculo integrado na 7ª Edição do Walk and Talk

Quando Foi que nos Sentimos Felizes?

“O que se transmitia assim, de geração em geração, com o lento progresso de um crescimento de árvore, era a vida mas era também a consciência. Que misteriosa ascensão! Surgidos de uma lava em fusão, de uma massa estelar, de uma célula viva miraculosamente germinada, vamos, pouco a pouco elevando-nos ao ponto de escrevermos cantatas e de calcularmos vias lácteas.
          A mãe não se limita a transmitir a vida: tinha ensinado aos filhos uma linguagem, tinha-lhes confiado a bagagem tão lentamente acumulada no decorrer dos séculos, o património espiritual que ela mesmo recebera como herança: esse pequeno lote de tradições, de conceitos e de mitos que constitui toda a diferença que separa Newton ou Shakespeare do bruto das cavernas.
        O que sentimos quando temos fome, aquela fome que impelia os soldados de Espanha, sob a chuva das balas, para a lição de Botânica, que impelia Mermoz para o Atlântico Sul, que impelia outro para o seu poema, é que a génese ainda não está concluída e porque nos falta tomar consciência de nós mesmo e do universo. Precisamos de lançar pontes na noite. Só ignora isto quem pensa que a sabedoria se estriba numa indiferença que julga ser egoísta; contudo, tudo desmente essa sabedoria! Companheiros, meus companheiros, tomo-vos como testemunha: quando foi que nos sentimos felizes?”
in Terra dos Homens, Antoine Saint-Exupéry, edição Relógio d`Água, (pág 140)

Um Verso de Konstandinos Kavafis

Quando de repente, à hora da meia-noite, se ouvir

Ontem, escrito numa parede da cidade

Não fazes um filho para andar toda a vida com ele ao colo.