quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Diogo Sousa

Nuvens

Para descrever as nuvens
muito teria de apressar-me,
pois numa fracção de segundo
deixam de ser estas e começam a ser outras.

É sua propriedade
não se repetir
nas formas, tonalidades, poses e configurações.

Sem o peso de qualquer lembrança,
pairam sem dificuldade sobre os factos.

Mas nem testemunha-los podem,
pois logo se dissipam em todas as direcções.

Comparada com as nuvens,
a vida afigura-se firme,
quase duradoura, eterna.

Perante as nuvens
até uma pedra parece nossa irmã,
na qual se confia,
mas elas, enfim, umas levianas primas afastadas.

As pessoas que existam, caso queiram,
e depois morram uma por uma,
as nuvens não têm nada a ver com
coisas
tão estranhas.

Sobre toda a tua vida
e sobre a minha, ainda não toda,
desfilam com pompa, como desfilavam.

Não têm obrigação de morrer connosco.
Não precisam do nosso olhar para navegar.

Wislawa Szymborska, instante, tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio Neves, Relógio d'Água.

Pintura de António Dacosta

Dois Limões em Férias (1983)

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

FALTA dedicada à FOLIA


Depois dos primeiros números dedicados à “Falta” e à “Falha”, achámos por bem mudarmo-nos para o “lado solar da rua”, como diz a música, e abrir 2019 com o tema da “Folia”. “Dança veloz de muitos pares, ao som de pandeiro ou adufe”, “festa alegre e ruidosa”, “folguedos populares” — assim nos transmite o dicionário serem os diferentes significados da palavra. Convidaremos os leitores a foliar no próximo número da F A L T A, serão páginas com muitos foliões dentro e outros corajosos para darmos continuidade à alegria desmesurada ou à farra incontida. Após a chegada dos textos e demais contributos artísticos no final de Março, trabalharemos em Abril para que vos possamos surpreender no mês de Maio. 
A FALTA 

Da Vegetação Açoriana

“Quando as ilhas dos Açores foram povoadas, os colonizadores portugueses relataram que elas não eram habitadas e que apenas encontraram matos e rasteiros e uma fauna constituída por animais e aves de pequeno porte. Destas, o milhafre – a maior, terá dado o nome ao arquipélago. Essa flora primordial era a que se designa hoje de Laurissilva. Actualmente contabilizam-se cerca de 300 espécies de plantas fariam parte dessa floresta inicial e delas 80 são endémicas – património único destas ilhas. Esta originalidade é partilhada com as restantes ilhas da Macaronésia. Temperadas pelo oceano Atlântico, sobreviveram à última glaciação que afectou o nosso planeta, constituindo, pois, uma memória viva da floresta remota que terá povoado a Europa e Norte de África. Apesar de pequena, é na Europa a floresta que apresenta a maior biodiversidade. Nas encostas da Lagoa do Fogo ou na Estrada da Tronqueira ainda se poderá ter uma pequena ideia do que era essa floresta original onde predomina o Azevinho (Ilex Azorica), o Louro (Laurus Azorica) e o Cedro-do-Mato (Juniperus brevifolia); uma floresta rasteira e envolta por nevoeiros e grande humidade, com manchas de turfeira(musgão), elemento que retém e filtra a água dos solos. Em zonas costeiras, habitam as Faias da Terra (Myrica Faya) e o Pau Branco (Picconia azorica) e o Sanguinho (Fragula azorica) sem esquecer a Vassoura ou Urze (Erica Azorica), que é a planta que primeiro se instala nos novos solos ainda puramente minerais resultantes do vulcanismo. Num passeio pelas zonas costeiras - pelo calhau -, poder-se-á encontrar um cacho de campainhas em flor, a curiosa Vidália (Azorina vidalii), endémico único dos Açores.”

Vitor Bilhete in Agenda do Louvre Michaelense 2018

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Renovado + do que ¾

Diogo Sousa expõe os seus trabalhos no 3/4

 Ao cimo da Rua D`Agoa, em Ponta Delgada, encontra-se o “3/4”, antigo café Caziff, lugar que se tornou especialista em diferentes tipos de comidas ligeiras e sopas, tendo ficado conhecido pelos seus diferentes hambúrgueres, inclusive, o vegetariano. Era conhecido no passado pelo café Caziff, tornando-se agora e sempre um posto privilegiado na geografia citadina, dado que fica muito próximo da biblioteca pública e da Escola Secundária Antero de Quental ou ainda de três pólos museológicos. O seu interior, recentemente renovado, possui a pintura duma deusa misteriosa na parede, pintada em estilo Arte Déco, realizada por Michael Houdec, fazendo, assim, há muito, parte identitária do lugar. E que, talvez por isso, continua a demonstrar sensibilidade e abertura para as mais variedades artes, basta ver o cuidado evidenciado na vitrine expositiva aberta à iniciativa e propostas de jovens artistas visuais.
O transformado ¾ caracteriza-se pela sua dilatada bancada em madeira e aproveitamento do espaço existente, sendo deveras arejado e acolhedor  tal como continua, assim, propenso a conversas e demais tertúlias, marcando muitas vezes o pontapé de saída para uma incursão na noite musical ou artística da cidade. Ponta Delgada pode e deve orgulhar-se da beleza e ousadia de espaços comerciais como este.

sábado, 26 de janeiro de 2019

Ontem, escrito numa parede da cidade

És cá um flisbusteiro!

Antes do Tremor de 2019

Ainda Tenho um Sonho ou Dois - A História dos Pop Dell´Arte
Documentário de Nuno Galopim e Nuno Duarte

Os Pop Dell´Arte irão atuar na edição deste ano do Tremor, já anunciado para a semana de 9 a 13 de Abril. Antes disso, pois está disponível em plataforma livre, é possível visionar o documentário “Ainda Tenho Um Sonho ou dois – A História dos Pop Dell´Arte”, realizado por Nuno Duarte e Nuno Galopim. O documentário é dedicado ao projecto artístico liderado por João Peste, são cerca de sessenta minutos que evidenciam a vitalidade e qualidade da banda, fundada nos idos anos oitenta e que esteve sempre na linha da frente do movimento da experimentação e inovação. São vários depoimentos que ilustram o início dos Pop Dell´Arte, acompanhados por imagens de concertos, videoclips, os bastidores e demais histórias à volta da banda. Três décadas volvidas, esperam-se ouvidos curiosos para escutar temas como “Querelle”, “O Amor é um Gajo Estranho” ou “Avanti Marinai”.

Os Pássaros e as Árvores

Os pássaros nascem na ponta das árvores
As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam e movimentam-se
Deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
Quando o Outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma de dizer ao romancista
é complicada e não se dá bem na poesia
não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração

Ruy Belo

Um Verso dos The Sound

What holds your hope together

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Amarcord de Fellini na RTP 2

Amarcord é exibido às 22h12.




“Recordo um jantar em Paris há mais de vinte anos. Um jovem simpático e inteligente, fala de Fellini com divertido desprezo trocista. O seu último filme acha-o francamente mau. Conhecendo o preço da imaginação, sinto pelos filmes de Fellini uma profunda admiração, em primeiro lugar. É perante este jovem brilhante, na França do início dos anos oitenta, que experimento pela primeira vez uma sensação nunca conhecida na Checoslováquia, mesmo nos piores anos do estalinismo: a sensação de me encontrar na época da pós-arte, num mundo em que a arte desaparece porque desaparece a necessidade da arte, a sensibilidade, o amor por ela.”

Milan Kundera, um encontro, Edições Dom Quixote, 2ºEdição, 2009.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Do Flanzine nº18

Presente, aqui tens o meu corpo claro.
Podes tirar-me os óculos de ver ao longe, 
posicionar adequadamente as minhas mãos paradas.

Daniel Maia Pinto Rodrigues

Da Inimizade e Amizade

           "Mas, tratar-se-ia de amizade? Há uma relação para a qual, em checo, existe a palavra «souduzsdtvi» (soudrub: camarada), isto é,  «amizade dos camaradas»; a simpatia que une os que travam a mesma luta política. Quando desparece a dedicação comum à causa, deparece igualmente a razão da simpatia. Mas a amizade sujeita a um interesse superior à amizade não tem nada a ver com a amizade.
           No nosso tempo, aprendemos a sujeitar a amizade àquilo que se chama as convicções. E mesmo com o orgulho da rectidão moral. De facto, é preciso alcançar uma grande maturidade para compreender  que a hipótese que defendemos é apenas a nossa hipótese preferida,  necessariamente imperfeita, provavelmente transitória,  que só os indivíduos muito limitados podem fazer passar por uma certeza ou uma verdade. Ao contrário do que sucede com a pueril fidelidade a uma convicção, a fidelidade a um amigo é uma virtude, porventura a única, a suprema. 
          Observo a foto de René Char ao lado de Heidegger. Um, celebrado como resistente contra a ocupação alemã. O outro, denegrido por causa da simpatia demonstrada, em determinado momento da vida, pelo nazismo emergente. A foto data dos anos do pós-guerra. Estão de costas; boné na cabeça, um alto, o outro baixo, caminham na natureza. Gosto muito desta fotografia."

Milan Kundera, um encontro, Edições Dom Quixote, 2ºEdição, 2009. 

A Falha

Fotografia de Carlos Olyveira

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Da Responsabilidade

       
         "Somos nós os leitores, quem detém a responsabilidade final. O aspecto mais espantoso da linguagem é a sua versatilidade: pode ser tagarela, pode ser acintosa, pode ser uma oração, pode ser uma piada, pode ser uma fábula. Pode ser uma revelação e exaltar-nos, ou pode ser pornografia e emparedar-nos. E não faz mal recordar  que, de cada vez que escolhemos um livro antes de dormir, estamos também a seleccionar o nosso caminho pelas intimações do Céu e pelas promessas do Inferno."

Alberto Manguel in No Bosque do Espelho,Publicações Dom Quixote, 2009.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

"Cosmografias, a história e outras cores" na Galeria Fonseca e Macedo




A Galeria Fonseca Macedo – Arte Contemporânea, em Ponta Delgada, inaugura esta sexta-feira, 18 de Janeiro, às 18h30, a exposição colectiva “Cosmografias, a história e outras cores”, dos artistas Beatriz Brum, Isabel Madureira Andrade e João Miguel Ramos. A curadoria desta exposição pertence a Luíza Cardoso.

Um Verso de Luísa Sobral

Vai ver os barcos partir

A Agenda

No lugar de estar vivo
estar a viver no lugar de viver
e estar a ver que
se se está vivo
não há maneira de não viver com isso.

Apenas a vista se cansa quando se está parado a olhar
Cansa-se
Sem vista pode-se viver, mas para onde?
Vive-se sentado enquanto as sombras crescem sempre para os dois lados
Até elas ultrapassam os nossos pescoços

Hoje morreu uma pessoa
E o meu filho não percebeu

Penso em arrancar todas as páginas cheias de uma agenda
Como se de ervas daninhas se tratassem

Mos o que está mais vivo?
A Agenda sem folhas ou a fraca metáfora de chamar a essas folhas ervas
daninhas?

Quando olho e vejo que nada do que agendei fazer irá fazer crescer alguma
coisa nesta terra
Envergonho-me da metáfora
E prefiro ficar com todas estas folhas
Cheias de eventos
Que foram árvores
Como se honrasse com a minha agenda
A sua morte

Lígia Soares, in Flanzine, nº18, Dezembro de 2018

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Rua do Saco, nº15 (II)

o meu vizinho predilecto
morreu na guerra.

ele gostava de mim porque me acenava 
quando dizia o meu nome.

no Verão, o meu vizinho passava, todas as manhãs,
perto da minha porta.
ia a caminho do mar.

quando me disseram que ele morrera na guerra
eu ainda não pensava que podia lá morrer.

eu não me recordo do nome do meu vizinho,
eu queria tanto dá-lo
à saudade que dele tenho. 

Emanuel Jorge Botelho, Os Ossos Dentro da Cinza, Averno, 2017. 

Tascá: O Gorgulho ao Barulho

Cartaz de Vanessa Branco

A Espera de Rui Zink

           "Não era que nos estivessem a tratar mal em São Miguel. A ilha é mais extensa, a mais povoada, e, de certo modo, a que tem mais coisas para ver, mais variedade. Como ainda não era inverosímil que fôssemos estudantes e eu sempre fui bom a aldrabar, comemos quase todos os dias na melhor cantina universitária do mundo. Carne excelente, peixe divino, saladas, ananás à discrição. Um dia, contudo, descobrimos que a comida, afinal, era tão má como em qualquer outra. Apenas estivera em quarentena de luxo por causa de um curso de Verão para filhos açorianos radicados na América. E viva a América. 
         Não, não fomos mesmo nada mal tratados. Simplesmente, em São Miguel não havia baleias. E eu queria baleias." 
Rui Zink, in A Espera, Publicações Europa-América,1998

domingo, 13 de janeiro de 2019

Revista Grotta nº3 já está nas bancas!

          Saiu há muitos poucos dias o número três da revista Grotta, Arquipélago de Escritores, dirigida por Nuno Costa Santos e a coordenação editorial de Diogo Ourique. Este terceiro tomo conta com uma entrevista ao poeta Emanuel Jorge Botelho, recentemente homenageado na edição inaugural do Arquipélago de Escritores em Novembro, um dossier de poetas galegos, o diário do primeiro ano nas ilhas açorianas do criativo Gonçalo Tocha, a prosa da recém premiada Judite Canha Fernandes, o ensaio de Teresa Canto de Noronha, a poesia de Blanca Martin-Calero, uma crónica de Vasco Rosa sobre dois florentinos esquecidos, entre muitas outras coisas a descobrir nestas quase trezentas páginas. Desta feita, a imagem está documentada com o trabalho fotográfico do micaelense Paulo Goulart Reis. A ler nas pausas do trabalho, nos bancos dos autocarros, nas mesas dos cafés ou enquanto se espera por alguém nas esplanadas. A revista tem o preço de venda ao público de 14 euros.

Da Atenção

A nossa atenção está onde estamos.
Gonçalo M. Tavares

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

***

        
           
        "Lembro-me de que na escola se aspirava a alcançar a objetividade. As tarefas tinham um início e um fim, os testes eram classificados e havia normas de comportamento. Caminhar tem a ver com outra coisa. Podemos atingir o nosso objectivo, mas continuar a caminhar no dia seguinte. Uma caminhada pode durar a vida inteira. Podemos caminhar numa direcção e acabar no ponto de partida."


Erling Kagge, in "A Arte de Caminhar", Quetzal, 2018.

Da Educação

A educação é a arma mais poderosa para transformar o mundo
Nelson Mandela, líder político sul-africano.

2018: Até ao esquecimento...


      Sobram pela mesa tantos livros por ler, todo o cinema que em viagem não foi possível ver – vi o rude Dogman, de Matteo Garrone e o tocante Shoplifters - Família de Pequenos Ladrões, de Hirokazu Koreeda (e, como eu queria tanto ter visto Roma, de Alfonso Cuarón), tal a indecisão do que transportar ou trazer na mala de cada viagem realizada assim vão comigo até ao esquecimento estas palavras e frases escritas na agenda. Depois, foi só deixar levar pelas canções da grande revelação do ano que já foi: Aldous Harding. A satisfação pela participação na peça Cortado por Todos os Lados, Aberto por Todos os Cantos, direcção geral de Gustavo Ciríaco, que contou com o núcleo duro: Tiago Barbosa, Sara Zita Correia, Rodigo Andreolli, Ana Trincão e ainda um grupo alargado de voluntários/atores a viver em São Miguel. Digno de registo, por alturas do Walk and Talk, o superlativo espectáculo intitulado Romance, da coreógrafa e bailarina, Lígia Soares. A trepidação e resgaste dos Três Tristes Tigres no Tremor, a intensidade de Medeiros/Lucas no Teatro Micaelense e a alegria dos Fogo Fogo no Burning Summer Festival, em Porto Formoso. As noites de música a solo no 3/4 ou em forma de Duo Arco Negro, Galeria Arco 8, com Dj Fellini. A edição e apresentação da FALTA nº0 e 1 com o desenho gráfico de Júlia Garcia e a cumplicidade do André, Luísa, Blanca, ainda a colaboração de tanta, tanta gente. A memória do cinema através do projecionista José Castelo, a conivência e partilha dos filmes de Rafaelle Brunetti e de Federica di Giacomo no Auditório da Lira do Rosário, na Lagoa. A partida de Bruno da Ponte que vai deixar saudades – teremos muitos mais editores assim? - as leituras dos livros de Raul Brandão, Alberto Manguel, A Arte de Caminhar, de Erling Kagge, as crónicas de Rui Tavares no Público e de Henrique Bento Fialho na Antologia do Esquecimento. As fotografias de Gianni Berengo Gardin, Vivian Meyer, Pepe Brix ou de Carlos Olyveira. A poesia de João Habitualmente, Rui Miguel Ribeiro, Vasco Gato, Karmelo C. Iribaren ou Judite Canha Fernandes. O Hálito Azul, de Rodrigo Areias, que estreou, finalmente, no Porto Post Doc, com todos os intervenientes em palco no final do filme. A contínua e acesa troca epistolar com Janeiro Alves. A Serra Devassa que apenas inundou de beleza o nosso olhar viajante e ansioso. Um futuro 2019 pleno de folia!

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Da Confiança

Sabes, acredito no futuro, confio muito no que não existe.

João Paulo Esteves da Silva in Se eu Vivesse tu Morrias de Miguel Castro Caldas (Teatro).

sábado, 5 de janeiro de 2019

Um Verso dos The Sound

And here it comes, a new dark age

Portugal Futuro

o portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
Portugal será lá e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este 
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver  à beira-mar 
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o Portugal futuro


Ruy Belo, in Palavra (s) de lugar  

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Foi há 9 anos...

Carlos Vaz Marques: O que é a faz sentir-se em casa, Lhasa de Sela?
Lhasa de Sela: Quando estou com as pessoas que amo ou quando estou com gente com que me entendo bem.

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

2018 despediu-se...com Janeiro Alves na Caixa do Correio


Caro Doutor Mara,
            
           Escrevo-lhe esta carta no último suspiro de 2018, desejando que a mesma o encontre capacitado para as artimanhas que um ano com a fisionomia de 2019 deixa antever. Todo o cuidado é pouco para um ano deste calibre, meu caro amigo!
A razão desta carta é dar-lhe um pequeno vislumbre da minha actual situação e das circunstâncias que a ela me conduziram. Recebi um convite do Royal Hotel Magestic para a gala do fim de ano, estabelecimento de grande categoria e reputação, onde curiosamente recebi o galardão de autor da “Pior Obra Literária do Ano”. Preparei logo o meu fraque Suiço e puxei todo o lustro que consegui aos meus sapatos italianos de cetim afivelados. Até aqui tudo normal. O Doutor Mara sabe que me dou bem nos círculos da alta roda. Mas eis que o mais inesperado aconteceu. Insólito mesmo, para não dizer de uma estranheza teatral. Quando entro no grande salão presidencial, deparo-me com mesas redondas de uma elegância inolvidável, com pessoas de uma beleza de cristal já sentadas a conversar e a bebericar pequenas doses do melhor champagne. Procurei o meu nome na lista de mesas, e foi então que fiquei estupefacto. Na minha mesa estavam os seguintes nomes: Janeiro Alves, Victor Klaus, Alberto Ai, Andar Carrasco, Fausto e Giorgio Delle Mare. Imagine Doutor Mara! Estou neste momento sentado com todos eles a degustar belas iguarias com acompanhamento vínico de gabarito internacional.
Como deve entender, agora não me posso alongar mais, pois há um ano para passar, mas certamente dentro de dias lhe enviarei informações detalhadas sobre este curioso encontro, que tem tudo para correr bem, e tudo para correr muito mal.
É portanto com um nervoso miudinho e ligeiros tiques no sobrolho que lhe desejo um excelente 2019, e uma noite de Reveillon com toda manigância e prestidigitação a que já habituou os seus convivas, desde que fez desaparecer a roupa interior da sua vizinha, fazendo em seu lugar surgir uma sangria de frutos vermelhos pronta a servir. Bom ano Doutor Mara, e até breve se não for antes.
No limite da hora e com toda a estima,
Janeiro Alves