terça-feira, 16 de outubro de 2018

A Ofensiva Outonal de Janeiro Alves (Não Tardará pela Resposta)

Caro Doutor Mara,
Ficaria este seu mui amigo descansado, se esta carta o encontrasse na plenitude das suas capacidades intelectuais, sobretudo se orientadas para assuntos belos tais como a divindade na botânica ou a higrometria insular, e não para devaneios anarco-sindicalistas que já o prejudicaram no passado.
Escrevo-lhe no despontar do Outono da varanda do meu quarto, onde pelo meio da folhagem tropical se vislumbram excertos do pátio central desta magnífica casa de saúde setecentista, enquanto com a mão esquerda afago os meus sapatos italianos de cetim afivelados que tantas recordações me trazem da Eslovénia e de Trieste. Queria saber como vai o meu amigo, mas posso desde já assegurar-lhe que bom, bom estou eu. Naquele dia em que corria nu pela Praça D. Pedro V, firme e convicto na minha luta contra certas e determinadas situações contemporâneas que corroem os pilares da nossa sociedade, estaria longe de imaginar que uma camisa de forças me transportaria a este idílico cenário de anjos, concertos de clarins e harpas para coro de pássaros exóticos, ninfas e ninfetas que nos fornecem directamente à boca os mais frescos frutos do bosque como se fossem comprimidos para a inibição das consciências enquanto sussurram palavras de bonomia aos nossos ouvidos, risos de cristal que ecoam nos claustros e balaustradas, e fontanários de água celestial a correr como tónico capilar para o cabelo que me voltou a crescer às golfadas. Isto constitui apenas uma breve impressão desta casa magistral, pois tenho a certeza de que se fosse entrar em pormenores, o meu Caro Doutor Mara estaria aqui já amanhã, de mochila às costas, a pedir que o deixassem entrar. É uma pena que não estejamos autorizados a receber visitas, e digo-lhe desde já que não sabemos bem onde estamos. Ser-lhe-á fornecido um apartado, para o caso de o meu caro amigo ter a gentileza de responder a esta carta.
Termino esta missiva com um excerto de um poema sueco muito bonito, que partilho consigo pois aqui ninguém fala essa bela língua: “Hjälp! Rädda mig från denna tragedi”
Janeiro Alves

Dias Líquidos

Fotografia de Carlos Olyveira