segunda-feira, 29 de julho de 2019

FALTA #2: Há Folia no Ar?

         Depois da apresentação da FALTA#2, com direito a um memorável concerto de Joana Gama e Jacinto Neves na Igreja do Colégio, pronunciemo-nos, entretanto, sobre o conteúdo que vos chegou às mãos. É possível que quem ainda não adquiriu a FALTA#2 tenha que dar corda ao sapato para ver se ainda é possível pôr a vista em cima e, assim, poder foliar à sua vontade.
Desta feita, o número dois da FALTA/Folia tem uma diversidade de colaboradores que quis conferir uma abordagem estimulante e vibrante ao tópico proposto. Há, por isso, oposição conceptual, inclusive, probidade vocabular e até mesmo contraditório à folia reinante de enfiar a cabeça num balde, isto é, estamos na presença de múltiplas perspectivas e derivas etimológicas da palavra face a distintos registos idiomáticos. Nestas páginas da FALTA há, portanto, de tudo e para todos os gostos. O grafismo e paginação, pertença de Júlia Garcia, resultam sempre numa novidade, apresentando, por isso, uma colorida unidade formal, pontuando o diálogo das páginas de acordo com o conteúdo formal proposto. O desenho final arrisca, não só do ponto de vista cromático, já que promove a junção de diferentes disciplinas artísticas, afinando assim o tom e o contraste, mantendo a junção e a coerência entre as múltiplas vozes ali expressas. E nessa derivação gráfica bem foliona, destacam-se os poemas de Judite Fernandes, Marco Evo, Rui Anselmo, Felix Blanco, Pedro de Mendonza, Mayank Maheshwari, ainda a prosa esdrúxula de João Pedro Porto, o desfile erótico-marxista do Colectivo do Homem do Saco, o apelo à sensualidade de Alberto Ai, as desovas comediantes de Igor Boyer, a auto-ironia de Greg La Lays ou o delírio galináceo-fóbico de Vítor Bernardo Almeida. Na fotografia, as sugestões festivas de cariz insular das perspetivas de Guilherme Figueiredo e Pepe Brix, o ioga matinal na Índia por Briana Blasko ou a imagem crítica e atenta sobre a cidade de Jorge Kol de Carvalho. Nas letras, a curiosa narrativa marítima-epopeica à volta da família do escritor-velejador, Knud Andersen, através da pena de Elísio Marques, pautada pela belíssima estampa de André Chiote. Ainda sobre a imagem ilustrada, acrescente-se a bd pessoana de Edgar Pêra, o fandango urbano-skateano de Nuno Lemos, o empreendimento bibliográfico de Luís Brum ou mesmo a plasticidade pueril de João Miguel Ramos. Nesta edição, houve também lugar para diferentes abordagens na colagem, desta vez com dois dos seus maiores cultores a nível local – Mr. Wolf e a artista plástica, Paula Mota. Por último, uma referência ao espírito filosófico com um texto cavo e incisivo de Vítor Bilhete sobre a existência de folia neste pedaço a meio do atlântico, intitulado “Filhos de Pangeia”, para lá da insanidade das páginas centrais em modo operante através de um Interrogatório a Felício Chanfra, psicoterapeuta de ocasião. Que tolice, dirão vocês!
PS - Uma coincidência sem precedentes, invulgar e deliciosa, o que torna a publicação ainda mais apelativa, foi saber que três criadores presentes nesta edição venceram três prémios relevantes recentemente – Vítor Bernardo Almeida, com o Prémio de Pintura António Dacosta, Açores 2018, José Loureiro, Prémio AICA (relativo à Associação Internacional de Críticos de Arte, Ministério da Cultura e Millennium bcp) e André Chiote, com o Prémio Asiago 2018, pelo selo dos CTT, "Europa, 2018", dedicado às pontes de Portugal Continental, Açores e Madeira. Os respetivos parabéns aos premiados e votos de um itinerário artístico repleto de êxitos.

Uma biografia de Mário Cesariny

          
              "Aceder aos bastidores de um poeta é como visitar as caves dum grande museu. Arrumadas a um canto estão lá algumas tábuas esquecidas que as paredes já não comportam. Em ocasiões especiais vêem a luz do dia e nós então olhamo-las como tesouros que emprestam novo sentido ao que as rodeia. Assim a bagagem secreta dum poeta recompõe as suas letras e põe um raio de luz no que antes era só escuridão. Temos a sorte de possuir  a chave que nos permite abrir a porta da antecâmara onde o jovem Mário guardou parte dos seus segredos. Há alturas em que não bastam os poemas dum poeta; é preciso conhecer o que se lhe associou, as leituras que fez, as notas que tomou, as reflexões que cogitou, os autores que correu e que amou, e até as ruas por onde andou e divagou para se perceber como se deu a sua evolução e se processou a génese da sua idade madura."


António Cândido Franco, in "O Triângulo Mágico - Uma biografia de Mário Cesariny", edições Quetzal, 2019.