quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Outubro no Cangalheiro sem antes uma Missiva de Janeiro...Alves!

Caro Doutor Mara,

          Estou ao corrente dos últimos acontecimentos insulares onde o meu caro amigo está sempre na première como protagonista de várias peças e peripécias, um fato asas de grilo que lhe assenta sem pregas nem vincos nessa sua morfologia burguesa, não fisionómica mas em aparência, dois conceitos que se assemelham, sendo porém quase antagónicos. Mas não observe nestas palavras qualquer toada crítica, ou ensejo satírico (muito menos deboche). Se o fizesse, estaria certamente a expor-me a idêntico trato, contrariedade a evitar devido a outras situações que tenho de resolver até ao natal. Ainda assim, e considerando até bela e instigante essa sua incursão pelo lado ilusoriamente iluminado da noite, espero que não ceda nas suas convicções, dada a exposição potencialmente infecciosa a fenómenos de populismo e inocuidade. Desejo manifestamente que o Doutor Mara se aguente firme, agarrando-se às pedras do cais para não ser levado pela onda.
            Por aqui, sou este espaço que ocupo. No sonho, um campo vasto com espécies exóticas e maciços montanhosos ao fundo. No corpo, apenas uma geografia confinada à velha secret ia ﷽﷽﷽﷽﷽﷽a secrethosos ao fundo. na secretde caminhos que nos conduzem ária deste covil. Os dias mal dormidos esvaem-se por entre os dedos que lutam escrevendo. Transformei-me num escaravelho metafórico de tamanho familiar, e quando penso movo as antenas. A cadeira já tem a forma do meu corpo. Nos meus extravagantes sapatos italianos crescem agora pequenas plantas artificiais, e já nem o ar que respiro se renova. A vida orgânica nesta sala adquiriu um estado geométrico, rígido. Apenas as antenas continuam a movimentar-se, e a mão a escrever. Compro tudo através do computador, que um escaravelho deste calibre não pode sair à rua! A ordem sai da minha cabeça, vai para o computador, passa para a internet, depois para a loja, o banco diz que sim, e já está. Depois é aguardar, enquanto puxo o lustro da minha carapaça castanha e abro mais uma garrafa de Macieira. Uma vida descansada e bem refastelada, dirá o Doutor Mara do alto dessa euforia insular… Mas olhe que não, Doutor… olhe que não. É certo que tenho a cabeça limpa e arrumada, com os assuntos devidamente catalogados, com índice remissivo e cronológico, arquivo morto, sala de estudo, e todo um departamento de novas ideias, onde actualmente se trabalham os conteúdos para as grandes “Conferências da Fajã”. Mas eu vivo dentro da minha cabeça, Doutor Mara, o que me causa bastante transtorno. Não imagina o transtorno que é esta ausência terrena.
            Mas enfim, perdoe-me este desabafo, pois nem sequer era a intenção desta carta. Escrevo-lhe para saber como está de finanças. Precisa de dinheiro emprestado? Sabe que pode sempre contar comigo, no que puder ajudar. Bom, provavelmente não precisará, pois sei que sustenta essa sua vida folgada com uma boa maquia que recebeu de herança familiar. Mas já que estamos a falar deste assunto, a mim até me dava jeito algum, sobretudo porque tenho a minha garrafeira praticamente extinta, o que constitui um cenário desolador. Por outro lado preciso de mandar arranjar o meu fato preto, pois tenho um tio quase a morrer. E se sobrar pilim, ainda queria comprar um ventilador de ideias em segunda mão. Poderá enviar o cheque por correio como de costume, ou se lhe der mais jeito, efectuar transferência bancária. Como forma de agradecimento prévio, seguiu já hoje por correio azul uma embalagem dos melhores filetes de peixe da capital. Para além da sua consistência admirável, poderá esgaravatar à vontade que não encontrará uma única espinha.
            Despeço-me por fim sem mais delongas, pois tenho de ir dar comida ao cágado. Deste seu velho amigo, também palhaço, desejos de enorme sucesso, e um abraço.

 Janeiro Alves