sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Se Fosses Só Três Sílabas...

           
     Daqui a uma semana, se fosse vivo, Alexandre O´Neill faria 100 anos de idade. Era um grande poeta, um verdadeiro amante das letras, um real artesão no ofício de bem tratar e usar a língua portuguesa. Lembro-me na adolescência de transportar o seu livro de poesia, “No Reino da Dinamarca”, de 1958, para todo o lado. Lia-o nas estações de comboio, durante as viagens entre a Póvoa e o Porto, ou nos intervalos dos filmes dos cineclubes. Sabia, pois, de cor alguns dos seus slogans publicitários, sobretudo aquele relacionado com o Instituto de Socorros a Náufragos – “Há mar e mar, há ir e voltar”. Tinha, inclusive, amigos literatos que o consideravam um poeta menor, algo frívolo, por causa do seu lado mundano, excessivamente dado a coisas corriqueiras, o seu apego pelas minudências do quotidiano. E, obviamente, o seu interesse pelo disforme, o hediondo, o trágico – “Dai-nos, meu Deus, /um pequeno absurdo quotidiano que seja, /que o absurdo, mesmo em curtas doses, /defende da melancolia e nós somos tão propensos a ela!”.
             Mais tarde, já na universidade, o Alexandre O´Neill ocupou um lugar especial, dado que serviu muitas vezes de porta-estandarte para apontar falhas ou depreciar os destinos de um país que, por vezes, temos muitas dificuldades em seguir e aprovar, mais concretamente, "o país engravatado todo o ano e a assoar-se na gravata por engano”. Com outros companheiros das lides teatrais, ocupámos de versos e histórias pessoais  o Café Santa Cruz, na baixa de Coimbra, e assim deambulámos “No Reino de O´Neill”, numa sessão que julgamos memorável, até pela bicicleta, símbolo dos surrealistas contra a rotina, que principiou connosco aquele tributo.  
        O Alexandre O´Neill pretendia desimportantizar a linguagem e, pensava, inclusive, que o feio devia ser motivo de muita afinação e decantação, até forçar o aparecimento do belo. Estranhamente, este enorme poeta trabalhou a vida inteira enquanto publicitário e, tal como um adolescente, fartou-se de tropeçar de ternura!