quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

"Ser Ilhéu" de Blanca Martin Calero

Pergunto-me se nos podemos tornar ilhéus ou se devemos
nascer numa ilha para o sermos. Pergunto-me se é possível
adoptar uma terra mãe, substituir o espaço falsamente infinito
pelo limitado, em troca de um punhado de anos. Se serei sempre
um pedaço de espaço em colisão com outros pedaços, asteroide
 num mundo de água, ou, pelo contrário, poderei ensaiar
coreografias equidistantes, formando arquipélagos de números variáveis.
Aqui, ergo-me a observar a barreira do mar ao alcance da mão.
Tornar-me-ei no rapazinho de chupeta que vem à porta ver os carros que passam?
Na velhota que dia a dia sobe e desce o declive da rua principal, pernas arqueadas, camisa
de flores, sacos nas mãos? No rapaz rude que atira a beata para o espaço entre o passeio e o pé, recusando a vida no gesto?
Feita de uma terra seca e estirada, talvez nunca me transforme
em montículos, em vincos, em bruma sobre os ombros. É possível que nunca o consiga, mesmo que tenha plantado três bonitas sementes que me transformaram as veias em verde, verde
brilhante, verde húmido. A mente–ou será a alma? – voa sem
pouso. Poder-se-á dividir entre insular e continental? Poderei desenhar dois círculos e instalar-me a viver na sua intersecção, com uma perna a balançar em cada lado? Terão as palavras o dom de conciliar o irreconciliável?  
                                                                                 
                                                                             
                                                                   in Neste Mar Imóvel, Araucária Edições, 2019.

Ontem, escrito numa parede da cidade

Qual é a cor do frio?