Raul Brandão
escreveu, no início do século passado, o seguinte: “Era decerto condão das flores - mas também de Maio que chegou, com a
sua magia e o seu sonho. Rebentaram novas fontes, e a terra di-la-eis agitada e
viva. Sob o chão que calcamos correm rios de tintas que transbordam e cobrem as
árvores de roxo, de púrpura, de verde.” Os dias irão continuar, assim,
dilatados e lentos, permitindo ao nosso olhar a contemplação do horizonte
marítimo até altas horas, investindo nessa crença de redescoberta do cheiro das
flores e dos sabores da terra. É altura de despertarmos todos os sentidos bem
como em nosso redor começam novos ciclos que desejamos partilhar e contemplar. Sexta-feira,
fim da tarde, assisto ao filme italiano “As Oito
Montanhas”, um drama realizado por Felix
van Groeningen e Charlotte
Vandermeersch. Esta narrativa fílmica serve-nos Pietro (Lupo Barbiero), e
Bruno (Cristiano Sassella), em dialética cidade-campo, esclarecendo as
vicissitudes de dois amigos e as cumplicidades que estabelecem para a vida: a
liberdade, os amores, as perdas, as viagens, sem nunca renegar as suas origens.
Uma língua italiana que não nos cansamos de ouvir pela beleza da sua sonoridade
e sentidos e uma amizade que resiste a todas as contrariedades. Domingo de nuvens cinzentas, cargas
de água sucessivas, pedidos e benefícios vários para permanecer dentro de casa.
No final da tarde, há alguma calmaria, pausa e tréguas na liquidez primaveril. Não
muito longe daqui onde agora escrevo, assistiu-se à peça teatral “O
Mestre”, no Arquipélago
– Centro de Artes Contemporâneas. Um texto que integra e valoriza a relação
mestre-aprendiz, sobretudo no processo de autonomia de quem aprende, abrindo
espaço para a experimentação e disciplina necessárias à criação artística. Ao conceber “O Mestre”, a actriz Maria João Falcão dá, assim, relevo à transmissão de conhecimento, aqui com a presença física de Michel, o mestre, e no livre-arbítrio da aluna, refletida no corpo e
movimento da actriz. O cenário da blackbox, em forma de rectângulo, resultou primorosamente, sobretudo, para que os espectadores
presenciassem esse legado, à passagem de sabedoria de um para o outro, em modo dialético, à semelhança dos gregos antigos e dos filósofos primevos. E…Maio avança, ora chove ora faz sol!