segunda-feira, 12 de maio de 2025

A Meio de Maio a Dialética!

      Raul Brandão escreveu, no início do século passado, o seguinte: “Era decerto condão das flores - mas também de Maio que chegou, com a sua magia e o seu sonho. Rebentaram novas fontes, e a terra di-la-eis agitada e viva. Sob o chão que calcamos correm rios de tintas que transbordam e cobrem as árvores de roxo, de púrpura, de verde.” Os dias irão continuar, assim, dilatados e lentos, permitindo ao nosso olhar a contemplação do horizonte marítimo até altas horas, investindo nessa crença de redescoberta do cheiro das flores e dos sabores da terra. É altura de despertarmos todos os sentidos bem como em nosso redor começam novos ciclos que desejamos partilhar e contemplar.
        Sexta-feira, fim da tarde, assisto ao filme italiano “As Oito Montanhas”, um drama realizado por Felix van Groeningen e Charlotte Vandermeersch. Esta narrativa fílmica serve-nos Pietro (Lupo Barbiero), e Bruno (Cristiano Sassella), em dialética cidade-campo, esclarecendo as vicissitudes de dois amigos e as cumplicidades que estabelecem para a vida: a liberdade, os amores, as perdas, as viagens, sem nunca renegar as suas origens. Uma língua italiana que não nos cansamos de ouvir pela beleza da sua sonoridade e sentidos e uma amizade que resiste a todas as contrariedades.
      Domingo de nuvens cinzentas, cargas de água sucessivas, pedidos e benefícios vários para permanecer dentro de casa. No final da tarde, há alguma calmaria, pausa e tréguas na liquidez primaveril. Não muito longe daqui onde agora escrevo, assistiu-se à peça teatral “O Mestre”, no Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas. Um texto que integra e valoriza a relação mestre-aprendiz, sobretudo no processo de autonomia de quem aprende, abrindo espaço para a experimentação e disciplina necessárias à criação artística. Ao conceber “O Mestre”, a actriz Maria João Falcão dá, assim, relevo à  transmissão de conhecimento, aqui com a presença física de Michel, o mestre,  e no livre-arbítrio da aluna, refletida no corpo e movimento da actriz. O cenário da blackbox, em forma de rectângulo, resultou primorosamente, sobretudo, para que os espectadores presenciassem esse legado, à passagem de sabedoria de um para o outro, em modo dialético, à semelhança dos gregos antigos e dos filósofos primevos. E…Maio avança, ora chove ora faz sol!