quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Dizer Poesia à Lua

             Uma vez questionado sobre se seríamos ou não um país de poetas, Alexandre O´Neill respondeu que estaríamos mais próximo de um país de lunáticos. Nada contra os lunáticos, demais poetas e todos os outros cultores das palavras ditas e escritas. Certo é que falamos uma língua com 170 milhões de utilizadores, somos o sexto idioma mais falado no mundo como primeira língua. Perante os que não são portugueses, e a todos os outros que se mostram curiosos da nossa poesia e literatura, dizemos sempre que lemos e gostamos do Camões, Pessoa, Bocage, Sophia, Alexandre O´Neill e, agora, o Herberto Helder. Lemos, gostamos, de facto? E aquilo que se faz de novo na poesia portuguesa, temos sido, suficientemente, curiosos? Como é que podemos aceitar que uma boa edição de poesia ronde apenas os trezentos exemplares? E os livros circularão pelos lares portugueses tal e qual os jornais desportivos?
           Durante anos, patenteei uma salutar desconfiança perante leituras públicas de poesia, talvez fosse o hábito de ler ao meu próprio ritmo, ou porventura, atribuir aos poemas uma solenidade e secretismo que de facto estes bem merecem e que uma leitura pública pouca ou nada preparada pode perturbar. Nunca fui, por isso, seguidor de leituras espontâneas de poesia, e, inclusive, fiquei já incomodado ou mesmo algo convulso por leituras que se fizeram ou fazem de poemas dos quais gosto muito. No entanto, já houve também audições de poemas que me fizeram ir à procura dos textos, concederam entrada directa no universo poético dos seus autores, ou ainda nutrir por estes um afecto ainda maior na minha hierarquia. Deste modo, quando ouço alguém ler um poema satisfaz-me quando este/a conhece o autor em questão ou entendeu os modos e o tempo em que este escreveu os poemas, descobriu-lhe os gestos possíveis ou imaginários, ou sonda penetrar a fundo nos temas e encarnar um possível tom. E é, a partir desse conjunto de possíveis, que experiencia individualmente os poemas antes de os dizer publicamente. Um texto poético deverá, em primeiro lugar, funcionar para quem o lê, trabalhá-lo enquanto ritmo, tempo e entoação e, só depois, tornar pública a sua apresentação.
            Recentemente, tornei-me um leitor comum de poesia na TASCÀ, uma antiga taberna e mercearia, bastante particular do ponto de vista estético, e dada a conversas e demais tertúlias, sendo aqui que se dão as noites de poesia micaelense. O poeta Fernando Pessoa afirmou que “a minha pátria é a língua portuguesa”, concedendo assim a hipótese da língua ser cultivada, divulgada, exteriorizada nas suas mais diferentes expressões. Certo é que a poesia deveria ser mais lida, partilhada e guardada no interior de cada um, decorada, se possível. Mas, entre aquilo que é ou poderia ser, prefiro ler com e para os outros em oposição àquilo que se ouvia muito no “basfond” lisboeta dos anos 80 – “coisíssima nenhuma”.

Troféu

Como quem percorre uma costa
maravilhado com a abundância do mar,
recompensado pela luz e pelo pródigo espaço,
eu fui o espectador da tua beleza
durante um longo dia.
Despedimo-nos ao anoitecer
e em gradual solidão
ao voltar pela rua cujos rostos ainda te conhecem,
 a minha felicidade ensombrou-se, pensando
que de tão nobre acervo de memórias
iriam perdurar escassamente uma ou duas
para decoro da alma
na imortalidade do seu rumo.

Jorge Luís Borges, (Trad. Fernando Pinto do Amaral), OBRA POÉTICA, Vol. 1, Quetzal, 2012