terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Cidades de Passagem

Tenho viajado muito
nem sempre na melhor altura.
Em Bolama ninguém me acompanhou
na casa de chá em ruínas onde as chávenas
estremeciam sempre que uma granada
caía sobre a praia.
Passei por Trieste numa tarde triste.
Na sala do Hotel Garibaldi o pianista
amparava-se nos Nocturnos de Chopin, à meia-luz,
havia uma chuva fina e George Sand
não apareceu.
Del Giudice julgava ainda
poder encontrar-se com Gerti;
ela, porém , partira há muito levada
por um verso de Montale: i sedicenti vivi
non sono tutti morti.
Na estação o Anjo serviu-nos um café forte.
    D.G. partiu também por fim
pude ver o comboio perder-se
por entre a chuva e a noite.
Em Amesterdão
marinheiros mijavam para o céu
que não havia
e as estrelas caíam,
mesmo assim, nos seus cabelos. Um cantor rouco
de raivas e ternuras comovia-se até aos ossos
com a virtude das mulheres infiéis.

Urbano Bettencourt