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sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Al Cabo

Al cabo, son muy pocas las palabras
que de verdad nos duelen, y muy pocas
las que consiguen alegrar el alma.
Y son también muy pocas las personas
que mueven nuestro corazón, y menos
aún las que lo mueven mucho tiempo.
Al cabo, son poquísimas las cosas
que de verdad importan en la vida:
poder querer a alguien, que nos quieran
y no morir después que nuestros hijos

Amalia Bautista in Cuentamolo todo outra vez, 1996.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

No Sorriso Louco das Mães de Herberto Helder

No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens
enquanto o amor é cada vez mais forte.

Pequeno excerto de do poema «Fonte», de Herberto Helder, publicado em A Colher na Boca, 1961.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O Beijo

Um rapaz beijou-me ontem à tarde
E o seu beijo era um vinho perfumado
Tão longamente bebi nesses lábios o vinho do amor
que ainda agora me sinto embriagado

Anónimo, Grécia, Séc. I a.c
Tradução de Jorge Sousa Braga. 

terça-feira, 1 de abril de 2014

Os Pássaros Nascem na Ponta das Árvores

Os pássaros nascem na ponta das árvores
As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
Deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
Quando o Outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
Mas deixo essa forma de dizer ao romancista
É complicada e não se dá bem na poesia
Não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração


Ruy Belo

domingo, 15 de dezembro de 2013

Três Poemas de Fernando Machado Silva

O amor não tem tempo para a traição


Diz tens a palavra não tenhas
medo deste pequeno monstro
teu par. O que para ele foi feito
Há muito acabou a esperança
está na ponta do cigarro que se esfuma
diz vem cá a tua mão cabe
na sua ela sabe adaptar-se
e pode guardar até ao dia
que a largares o que quiseres
diz chora ao leito todo o seu corpo
A tristeza a vergonha da morte.
Ele vai estar só aí só à quarta parte
e de novo volta. Sempre.
Mas diz que do silêncio
dele e dos outros
já está cansado.

A Infância que não foi tua
Mundo de aventuras
de leituras desenfreadas
em luta contra o tédio
das doenças de cama
na segunda infância
essa em que a imaginação
se torna o vulcão de toda a solidão
não foram amigos teus os cavaleiros
da távola da triste figura (catorze anos
separam a mudança das feições como hoje
tantas vezes a boca da gôndola
se arqueia no teu rosto de lua cheia).
Nada disso foi teu:
tiro aos pássaros
saqueamentos a árvores de fruto
mergulhos suicidas de rochas
ou de chaminés de barcos
destroçados. o medo e o amor
sempre te impediram os altos voos
de Ícaro. não és melhor
nem pior pessoa por falta
dessas memórias e não choras
pela infância que não foi tua



uma história saturada de mortos

eu agora trinta anos fumo bebo
rodeado de toda a tecnologia do homem
assusto-me com um grito de uma perdiz
ali fora na seara alentejana. Insones
os pássaros cantam pelas noites e dias
e choro
neste verso avesso por um verso
um filho qualquer que seja o seu sexo
mas não aqui connosco nós
não temos senão a morte
ao deitar

Fernando Machado Silva, in “Passageiros Clandestinos”, Companhia das Ilhas (2012)