terça-feira, 25 de novembro de 2025

59 de Manuel Zerbone

       "(...) Não sei bem porque sinto esta necessidade de deixar transparecer uma melancolia triste que me encolve, sem causa que eu possa precisamente determinar. Mas, todavia, é assim.
      Nem já os campos me alegram, essas crianças eternas, que despem cada Inverno o manto suavíssimo das suas ilusões, para novamente se enfeitarem com ele nas suas Primaveras que se sucedem; nem o mar com os seus suspiros de ternura, nem com os seus rugidos de cólera, nem com a sua vastidão imensa, por cima da qual o meu espírito paira e se agita às vezes, como a pena caída da asa de uma pomba, pode vogar em baldões, à tona de uma niágara que se despenha em cascatas de espuma. 
       Quando assim anda enlutado o nosso espírito, a ponto que nem mesmo a música
, esse bálsamo consolador de todas as amarguras, pode fazer-lhe bem, em tudo vemos um motivo tristeza, e os nossos corações abrem-se facilmente para receber e compreender as mágoas daqueles que nos parecem ainda mais infelizes que nós."

14 de Novembro de 1886, in Crónicas Alegres, 1884-1888, Organização Carlos Lobão e Urbano Bettencourt, Edição Núcleo Cultural da Horta. 

Novembro de Almeida Firmino

Vão em romagem de silêncio
Ao cemitério do seu berço 
(Os crisântemos junto ao peito
Num jeito de contrição)
Depor as pétalas de saudade 
Nas compras do perdão.

No aceno breve do seu olhar 
O diálogo mudo de mágoa
Só memória e asa...
E se vão calados, tristes e sós 
Mais tristes e sós voltam a casa.

Não estão longe os seus mortos, não...
Vivem aqui perto e felizes 
À sombra dos ciprestes 
Bem junto ao coração.

Mas os meuss que ficaram 
(Feitas as malas e a viagem)
Para lá do mar a distância...
Como tocar a sua imagem?


in Narcose, Obra Poética Completa, Colecção Gaivota/27, 1982, Secretaria Regional da Educação e Cultura

Da Terra...

        Mas pouco a pouco descobrimos que não ouviremos mais o riso claro daquele companheiro; descobrimos que aquele jardim está fechado para sempre. Então começa o nosso verdadeiro luto, que não é desesperado, mas um pouco amargo. Nada jamais, na verdade, substituirá o companheiro perdido.  Ninguém pode criar velhos companheiros. Nada vale o tesouro de tantas recordações  comuns, de tantas horas vividas juntos, de tantas reconciliações, de tantos impulsos afecxtivos. Não se reconstroem essas amizades. Seria inútil plantar um carvalho na esperança  de ter, em breve, o abrigo de suas folhas. 

Antoine de Saint-Exupéry, Terra de Homens. 

Verso de David Sylvian

 Come lead me through the morning for the land that I long to see again 

Do Outono

       O facto pelo qual prefiro o Outono à Primavera é porque no Outono olhamos para o céu, na Primavera para para a terra. 

Soren Kierkegaard 

Debaixo do betão...

Fotografia de Jorge Kol de Carvalho 
 

domingo, 23 de novembro de 2025

Deriva Litoral de Sofia Barata

Clube de Cinema da Ribeira Grande 
Exibido dia 21 de Novembro de 2025
18h30
           O documentário de Sofia Barata sobre a erosão costeira conta já uma década de existência da sua realização mas só agora foi possível vê-lo nestas paragens. O diagnóstico é preciso – as praias estão cada vez mais pequenas, o mar vai ganhando terreno e ameaça a segurança de pessoas e dos seu bens materiais.
        As razões desta erosão? Essas são múltiplas, aqui esclarecidas por Ana Carrilho, Bruno Pedrosa, Cátia Azevedo Clife, Pedro Hugo, Domingues Laura Tubarão e Tiago Abreu. Ao longo dos seus 75 minutos, Deriva Litoral mostra-nos imagens da costa portuguesa e a acentuada erosão das suas praias. Uma reflexão da situação actual será cada mais premente e necessária. 

Do Abrigo

   "Talvez o problema seja confundirmos segurança com hostilidade. Queremos cidades aparentemente perfeitas, mas a humanidade é desarrumada por natureza. Faz barulho, ocupa espaço, cheira a sopa e cigarro. Uma cidade que não tolera isso é uma cidade que deixou de ser casa."
 Catarina Valadão, in "A Cidade que não sabe ser um abrigo", Açoriano Oriental, 22 de Novembro, 2025. 

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Filipe Furtado: As Primaveras Outonais!

  “Como Se Matam Primaveras” é o título do novo trabalho musical de Filipe Furtado Trio, três anos depois de “Prelúdio”, álbum debutante. Este novo trabalho anuncia uma transição gradual da guitarra para o piano, onde Filipe Furtado partilha o palco com os músicos Paulo Silva (bateria) e ao Filipe Fidalgo (saxofone). 
       Desta feita a solo, o músico açoriano prepara-se para voltar a casa em Dezembro e tocar num concerto ilustrado no FLOP – Mercado da Banda Desenhada e do Fanzine, no próximo dia 6 de Dezembro, na Biblioteca Arquivo Municipal, em Ponta Delgada. Entretanto, a Douta Melancolia conversou com ele para atestar o seu estado musical.

Douta Melancolia: “Como se Matam Primaveras” é o teu novo álbum editado no fim de Maio. Como é que foi o processo até chegares à edição?
Filipe Furtado: Quando o Prelúdio sai a público, com as demoras inerentes a um primeiro lançamento, já estava noutra fase de pensar a minha linguagem e a minha composição e já a iniciar o processo de fazer novas canções, de continuar a compor material novo. Depois foi começar a trabalhar esses temas com o restante trio, integrar alguns nos repertórios ao vivo, de forma a muscular essas composições, perceber que caminhos poderiam seguir. Nas questões pragmáticas de gravações, mistura e masterização levamos quase dois anos a terminar o álbum.
DM: O que é que estás a preparar para os concertos ao vivo?
FF: Os concertos ao vivo são onde a magia acontece. Todos os concertos são diferentes, principalmente, onde pode haver mais improvisação. Tento sempre pensar como posso fazer as coisas melhor ou de forma diferente, muitos vezes ajustando também ao estado de espírito com que subimos a palco. Alguns poemas do álbum ganham um outra vida em palco, trocamos as sonoplastias e os floreados minimalistas por uma nova vida harmónica e melódica, de forma espontânea que nós os três seguimos intuitivamente. 
DM: Quais são os motores essenciais à criação/processo criativo das novas músicas?
FF: Penso que, em primeiro lugar, essa transição gradual da guitarra para o piano. Sentia que a guitarra, o meu primeiro instrumento, já não me permitia percorrer os caminhos que começava a imaginar para a música que queria fazer/escrever. O tempo também é um factor de mudança grande. O "Prelúdio" havia sido o primeiro álbum, inevitavelmente para mim um compêndio com as primeiras experiências a compor, a escrever, a musicar poemas e, ainda para mais, já desfasado no tempo. Um segundo álbum já vem com outra maturidade, menos desconhecimento sobre todo o processo de gravar um álbum, vem com essas outras referências que passara a escutar com outra atenção. Vem, certamente, muito da experiência em palco que fui adquirindo e desenvolvendo com o Paulo e com o Fidalgo enquanto trio. Em função dessa possível maturidade também uma escrita que também transmita maior pensamento e questionamento político e filosófico. Claro, a tentativa de abordar a música próxima de linguagens do cinema ou da fotografia. Interessa-me muito essa ideia de viagem, da viagem que esses formatos nos permitem também pela nostalgia, pela melancolia, porum contexto do tempo e espaço. Foi propositado todo o processo fotográfico analógico para as capas de singles e do álbum "Como Se Matam Primaveras". Os livros são sempre uma foto importante para imaginar e dar corpo a canções. A "Ada" é uma leitura musical sobre um romance de Vladimir Nabokov com o mesmo título, por exemplo, um dos escritores que lia ainda nos tempos das aulas de literatura russa na Faculdade de Letras de Coimbra.     
DM: Este disco dá continuidade ao “Prelúdio”?
FF: Acho que o único elo de ligação é ao single do "Prelúdio", a canção "Uma Coisa Linda de Morrer", que havia sido a última a integrar o alinhamento do primeiro álbum e já representava uma transição para o piano, para os teclados. Entre nesses novos horizontes instrumentais e cinematográficos que começava a procurar. Há um afastamento óbvio da guitarra, até dessa influência muito grande do cancioneiro do Brasil, da Bossa Nova. Estava a voltar a querer abraçar o jazz, pelo menos nas suas formas contemporâneas menos verticais, mais abrangentes. Comecei a ouvir muito a cena UK Jazz, que é uma mistura muito grande e muito versátil. 

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Tira o Disco e Toca ao Vivo

A Indústria Musical em Portugal
João Gobern

     A pequena indústria musical portuguesa  mudou muito nas últimas décadas, parece ser esse o diagnóstico  feito pelo jornalista João Gobern. A começar pela ideia de que "antes faziam-se concertos para vender discos. Agora editam-se dicos para conseguir concertos.". A difusão das bandas e dos seus trabahos é a norma visível num tempo em que as plataformas electrónicas de divulgação jogam um papel fundamental no acesso do público às bandas com mais audiência, que depois podem ou não realizar concertos. A edição deste ensaio do antigo director do semanário musical Se7e pertence à Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Do Estudo

 Estudo sugere que primeiro beijo pode ter surgido há 21 milhões de anos
in Jornal Expresso, Lusa. 

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Ontem, escrito numa parede da cidade

 Ceausescu...até Brejnev

Surda de Eva Libertad

Surda de Eva Libertad, 2025 

 Esta película põe em causa o nosso sentimento básico de vivermos de acordo com a dita normalidade. Àngela é surda e vive uma vida feliz com Héctor, o seu companheiro. Entretanto, eis que chega um novo membro à família e tudo se altera. Eva Libertad consegue dar-nos essa dimensão de inadequação do personagem principal, torna-nos cúmplices desse desconforto ao jogar com o som e o silêncio, a incomidade de quem pouco ou nada escuta. Trata-se de "outro mundo" a precisar de compreensão, quem sabe, outro olhar e, porque não, outro sentir. 

Bestiário dos Rios

BD de Filipe Felizardo
Coletivo Guarda Rios 
   Como podemos conhecer as novas espécies que se encontram nos nossos rios? O Coletivo Guarda Rios fomenta acções artísticas participadas, apelando ao envolvimento das comunidades - caminhadas, dinâmicas de grupo, jogos, desenhos, instalações na paisagem - e que para isso junta gente das artes plásticas, tecnologia, arquitectura, ecologia e outros interessados. Recentemente estiveram nos Açores, na Ilha de São Miguel, na Bienal do Walk&Talk onde apresentaram, conjuntamente com a comunidade escolar da Ribeira Grande, um projecto junto das quedas de água e ribeiras.