sábado, 17 de maio de 2025

NAPA: Deslocados Venceremos!

     É uma canção bonita, inusitada para este tipo de certame, à semelhança de Amar pelos Dois de Salvador Sobral, cantada em português, com um significado etéreo e intenso, aquela que nos irá representar no Festival da Eurovisão, logo à noite. Quem é que neste país de gente errante nunca se sentiu "deslocado" que ponha o dedo no ar? Quem é que não se revê nesta nostaclgia dolente de uma voz anasalada a pedir um coro geral? Por isso, serão muitos os estudantes, professores, portugueses emigrantes ou viajantes que irão entoar estes versos: "Por mais que possa parecer/ Eu nunca vou pertencer àquela cidade/ O mar de gente, o Sol diferente/ O monte de betão não me provoca nada/Não me convoca casa". Só por isso, já ganharam!

Verso de Cátia Mazari Oliveira

 é preciso colocar bondade em dia 

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Em Escuta...

Ferry Gold, 2025
A Garota Não
A primeira audição de A Garota Não foi de absoluta surpresa: alguém que assumia o legado dos grandes cantautores nacionais – José Mário Branco e José Afonso. “Liberdade/querida Liberdade/ o nosso chão tem sonhos e vontade”, cantava Cátia Mazari Oliveira acompanhada  pela guitarra de Sérgio Miendes. Para além dessa assunção da herança, havia a firmeza de trilhar um caminho próprio, um desejo de partilhar canções que estivessem focadas na esperança e na transformação. Uma voz de veludo que nos incitava à urgência e à resistência de viver num país com tanto por mudar e concretizar.  
       O disco “Ferry Gold”, o terceiro de originais da “Garota Não”, chegou via caixa do correio. São 19 temas carregados de colagens, citações, apropriações, interlúdios e demais montagens. O CD, mais o livro, foram “costurados à mão, papel reciclado, muita paciência e amor”, com a assinatura do Artwork e costura da Ana Polido, contém ainda no seu interior as pinturas a óleo por Joana Batista. Para já, o tema “Alaska”, poema de João Quadros, encontra-se em modo repeat: “tudo começa numa estrada que termina no Alaska”. Em escuta atenta! 

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Há 30 anos!

 


Sob os que informam...

          "Durante muitos séculos, a informação era quase sempre oficial, isto é, partia de uma única origem, de um centro. O rei, ou o chefe máximo dos máximos de um país qualquer emitia a escrita informativa, uma escrita única, sem contraditório nem verificação. 
        Roland Barthes, num belo texto, lembra precisamente que o termo "escrita" estava historicamente ligada à escrita oficial, ou seja, às informações que vinham do centro do poder que, no limite, definia as leis. Leis, podemos dizer, vistas assim como informações -base, informações fixas, a que se tinha, e tem, de obedecer. E Barthes lembra que, para os outros, para os indivíduos, sobrava o "rascunho" - termo que definia a escrita individual dos cidadãos, a escrita que se podia rasurar, eliminar, alterar, etc., ao contrário da escrita oficial, que era intocável, era escrita na pedra -, por vezes literalmente, sempre simbolicamente." 

Gonçalo M. Tavares, in "Os Jornalistas", Revista Expresso, 22 de Março 2024. 

terça-feira, 13 de maio de 2025

Haiku de Yosa Buson

 As chuvas de Maio: 
qualquer pequeno riacho 
fica a meter medo.


in Imagens Orientais, Assírio&Alvim, (tradução de Luísa Freire). Janeiro, 2003

Esperança

      "Quando olhamos e desprezamos Trump a partir da nossa perspectiva intelectual e progressista, classificando-o como estúpido, creio que os estúpidos somo nós. Porque não vemos que aquilo que se apresenta como vulgar também é uma estratégia muito eficaz. As pessoas comuns têm necessidades primárias que não são apenas alimentar-se ou vestir-se, mas que incluem a necessidade de segurança, consolo, compreensão que lhes vem de alguém que, ilusioriamente, lhes diz que as coisas são mais simples do que a complexidade da vida moderna, que sentem como opressora. Dizem-lhes que tudo se resolve a um só problema: há um inimigo, que vem de fora, que nos invade e que é preciso eliminar. Trump fê-lo com o muro. Mussolini fê-lo com os socialistas. Meloni e Salvini fazem-no com os imigrantes, respondendo com grande eficácia às necessidades das pessoas, às quais a esquerda deixou de ser capaz de dar uma resposta. Se os populistas conseguem alimentar com grande eficácia o medo, a esquerda já não consegue alimentar a esperança."

António Scurati, in Ipíslon, 17 de Novembro de 2023

segunda-feira, 12 de maio de 2025

A Meio de Maio a Dialética!

      Raul Brandão escreveu, no início do século passado, o seguinte: “Era decerto condão das flores - mas também de Maio que chegou, com a sua magia e o seu sonho. Rebentaram novas fontes, e a terra di-la-eis agitada e viva. Sob o chão que calcamos correm rios de tintas que transbordam e cobrem as árvores de roxo, de púrpura, de verde.” Os dias irão continuar, assim, dilatados e lentos, permitindo ao nosso olhar a contemplação do horizonte marítimo até altas horas, investindo nessa crença de redescoberta do cheiro das flores e dos sabores da terra. É altura de despertarmos todos os sentidos bem como em nosso redor começam novos ciclos que desejamos partilhar e contemplar.
        Sexta-feira, fim da tarde, assisto ao filme italiano “As Oito Montanhas”, um drama realizado por Felix van Groeningen e Charlotte Vandermeersch. Esta narrativa fílmica serve-nos Pietro (Lupo Barbiero), e Bruno (Cristiano Sassella), em dialética cidade-campo, esclarecendo as vicissitudes de dois amigos e as cumplicidades que estabelecem para a vida: a liberdade, os amores, as perdas, as viagens, sem nunca renegar as suas origens. Uma língua italiana que não nos cansamos de ouvir pela beleza da sua sonoridade e sentidos e uma amizade que resiste a todas as contrariedades.
      Domingo de nuvens cinzentas, cargas de água sucessivas, pedidos e benefícios vários para permanecer dentro de casa. No final da tarde, há alguma calmaria, pausa e tréguas na liquidez primaveril. Não muito longe daqui onde agora escrevo, assistiu-se à peça teatral “O Mestre”, no Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas. Um texto que integra e valoriza a relação mestre-aprendiz, sobretudo no processo de autonomia de quem aprende, abrindo espaço para a experimentação e disciplina necessárias à criação artística. Ao conceber “O Mestre”, a actriz Maria João Falcão dá, assim, relevo à  transmissão de conhecimento, aqui com a presença física de Michel, o mestre,  e no livre-arbítrio da aluna, refletida no corpo e movimento da actriz. O cenário da blackbox, em forma de rectângulo, resultou primorosamente, sobretudo, para que os espectadores presenciassem esse legado, à passagem de sabedoria de um para o outro, em modo dialético, à semelhança dos gregos antigos e dos filósofos primevos. E…Maio avança, ora chove ora faz sol!

domingo, 11 de maio de 2025

Hoje, no CAC, às 18h00


    

     “Estou muito feliz por apresentar “O Mestre” no Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas. Sigo a sua programação há muito tempo. Acredito imenso no que o Arquipélago representa: um Centro de Artes que valoriza os processos, abre espaço para a experimentação e criação artísticas. O que é nos dias de hoje, infelizmente, uma raridade. Pela minha experiência, a equipa é fantástica e de uma grande dedicação. Por outro lado, tenho finalmente, a oportunidade de visitar este centro e a sorte de poder ver ainda as exposições “Espaços Transitórios”, que celebra uma década de existência do Arquipélago, e “Cavalo Pendurado no Teto do Avesso”, de Rodrigo Costa, que ainda está patente.”

Maria José Falcão, in Açoriano Oriental, dia 9 de Maio de 2025

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Dentro e Fora de Jorge Kol em Angra

Dentro e Fora 
Exposição de Fotografia
Jorge Kol de Carvalho 
 

Até 31 de Maio
Biblioteca Pública e Arquivo
Luís Silva Ribeiro 
Angra do Heroismo 

domingo, 4 de maio de 2025

Songs for Drella

 O cabelo caiu, os pés afligiram-se de gota,
as veias endureceram;
notícias irrepetíveis - chulos que vendem crack
e mastigam chop-suey nos salvados 
de edifícios devolutos.

Lixo, doenças incuráveis
como a filaríase ou a desestima, a respiração
do efémero nas latas de sopa Campbell
e o major Alvega, glamoroso
e luso-britânico, nos quadradinhos Condor
derruba pilotos nazis.

Corpos perfeitos de períneos vagabundos
-um ideal tão ático quanto qualquer existência 
silabada de professor de canto coral,
devoto dos cínicos, por virtude
da miséria. Também os pobres 

se divertem. Comem baratas, 
mascam tabaco, perdem apostas
em corridas de cavalo, decoram
a traço grosso e tons de surrabeque 
telas espúrias de expressionistas. 

José Alberto Oliveira, in O que Vai Acontecer?, Assírio&Alvim, Setembro de 1997. 

sábado, 3 de maio de 2025

O Livro Grande de Tebas Navio Mariana de Mário de Carvalho

       "O Mar dos Sargaços, entre Bahamas e Açores é assinalado por um recife de quartzo translúcido, contorcido e mui levantado. Ao bater do sol, pela hora que é, meio-dia, o recife refulge uma poalha de cores fátuas, que pontilham os ares em volta. Nas raras ocasiões em que aí passa o vento, dizem os marinheiros velhos ouvir harpejos longos pelo recife vibrados. Já isto será conto de maujada, adrede imaginoso como outros ditos dele. 
     Para lá do recife, é o mar esmeralda de sargaços brilhante. É lúcido e quente. Para cá, bancos de nevoeiro turvam o astro em compacta massa opala."
in O Livro Grande de Tebas Navio Mariana, Vega, Dezembro de 1982.

sexta-feira, 2 de maio de 2025

Os Beijos de Manuel Vilas

        "Acredito no erotismo, uma força que não advém do azar e sim da ordem com que a natureza ou a própria insaciabilidade da natureza quis vir até nós. Porque, àquela parte que não compreendemos da natureza, o melhor seria chamar-lhe Obscuridade. 
      Contemplar o rosto de um ser humano pela primeira vez, em teoria, e pensar que esse rosto estava à nossa espera desde sempre, eis o que parece ser uma das leis da Obscuridade.
          E é maravilhoso, é o enamoramento: ver o rosto de outro ser humano e encher-se de esperança, pensando que atrás desse rosto respira uma vida a dois, respira um grande amor. 
          Foi para isso que viemos ao mundo, para nos apaixonarmos e morrermos de loucura. Mas as coisas nunca acontecem assim, morremos de várias coisas, e nunca de amor."
in Os Beijos, Alfaguara, 2021.

quinta-feira, 1 de maio de 2025

Música de Maio Aberto

-Hey Vini - sem palavras / cem palavras, 2020 - Homem em Catarse

-Milagre na Ótica do Utilizador - Leveza, 2023 - André Henriques

-The Shipbuilding - Punch the Clock, 1983 - Elvis Costelo and The Attractions

-Villa Sacchetti - A Study of Losses, 2025 - Beirut

-The Ignoramus Love - Dan's Boogie, 2025 - Destroyer

-Ressentidos e Ressabiados - Viva La Muerte, 2025 - Mão Morta

-The Price I Pay - Workers Playtime, 2006 - Billy Bragg

-O Peso do Meu Coração - O Peso do Meu Coração, 2025 - Castello Branco e Garota Não

-Fartos de Sol - Desta Vez para Sempre, 1989 - Entes Queridos

-Amerikanska skatter - Sex, 2024 - Anna Järvinen

-Year of the Snake - Pink Elephant, 2025  - Arcade Fire

-Triskel -Triskel, 2022 - André Rosinha Trio

Escuta, Zé Ninguém! de Wilhelm Reich

   "És o «homem médio», o «homem comum». Repara bem no significado destas palavras: «médio» e «comum». 
Não fujas. Tem ânimo e contempla-te. «Que direito tem este tipo de dizer-me o que quer que seja?» Leio esta pergunta nos teus olhos amedrontados. Ouço-a na sua impertinência, Zé Ninguém. Tens medo de olhar para ti próprio, tens medo da crítica, tal como tens medo do poder que te prometem e que não saberias usar. Nem te atreves a pensar que poderias ser diferente: livre em vez de deprimido, directo em vez de cauteloso, amando às claras e não mais como um ladrão na noite."